sexta-feira, 28 de junho de 2024

Mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação 2024


Imagem ilustrativa do papa Francisco. ??
Imagem ilustrativa do papa Francisco. | Crédito: Vatican Media.

A mensagem do papa Francisco para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação que será celebrado no dia 1º de setembro com o tema “Espera e age com a criação” foi publicada hoje (27) pela Santa Sé.

Abaixo, a mensagem completa do papa Francisco:

Queridos irmãos e irmãs!

“Espera e age com a criação”: é este o tema do Dia de Oração pelo Cuidado da Criação, que se realizará no próximo 1 de setembro. Refere-se à Carta de São Paulo aos Romanos 8, 19-25. O Apóstolo, ao esclarecer o significado de viver segundo o Espírito, concentra-se na esperança firme da salvação pela fé, que é vida nova em Cristo.

1. Comecemos, pois, por uma pergunta simples, mas que poderia não ter uma resposta óbvia: quando realmente acreditamos, como é que temos fé? Não é tanto porque “acreditamos” em algo transcendente e incompreensível para a nossa razão, ou seja, o mistério inacessível de um Deus distante e longínquo, invisível e inominável. Antes, é porque o Espírito Santo habita em nós, como diria São Paulo. Sim, somos cristãos porque o próprio Amor de Deus foi «derramado nos nossos corações» ( Rm 5, 5). Por isso, o Espírito é agora, verdadeiramente, a «garantia da nossa herança» ( Ef 1, 14), como uma “pro-vocação” a vivermos sempre inclinados para os bens eternos, segundo a plenitude da humanidade bela e boa de Jesus. O Espírito torna os fiéis criativos, proativos na caridade. Coloca-os num grande caminho de liberdade espiritual, não isento da luta entre a lógica do mundo e a do Espírito, que têm frutos opostos entre si ( Gl 5, 16-17). Como sabemos, o primeiro fruto do Espírito, síntese de todos os outros, é o amor. Assim, guiados pelo Espírito Santo, os que acreditam são filhos de Deus e podem dirigir-se a Ele tal como Jesus, chamando-lhe «Abbá, ó Pai» ( Rm 8, 15), na liberdade de quem já não recai no medo da morte, porque Jesus ressuscitou dos mortos. Eis a grande esperança: o amor de Deus venceu, vence sempre e vencerá de novo. Apesar da morte física, o destino de glória já está garantido para o homem novo que vive no Espírito. Esta esperança não desilude, como também nos recorda a Bula de proclamação do próximo Jubileu.

2. A existência do cristão é vida de fé, laboriosa na caridade e transbordante de esperança, enquanto aguarda o regresso do Senhor na sua glória. E a “demora” da parusia, da sua segunda vinda, não causa qualquer problema. A questão é outra: «quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?» (Lc 18, 8). Sim, a fé é um dom, fruto da presença do Espírito em nós, mas é também uma tarefa, a realizar em liberdade, na obediência ao mandamento do amor de Jesus. Eis, aqui, a feliz esperança que deve ser testemunhada! Onde? Quando? Como? No interior dos dramas da carne humana que sofre. E se alguém sonha, então que sonhe com os olhos abertos, animados por visões de amor, fraternidade, amizade e justiça para todos. A salvação cristã entra no âmago da dor do mundo, que não atinge apenas o ser humano, mas todo o universo, a própria natureza, o oikos do homem, o seu ambiente vital; ela abarca a criação como “paraíso terrestre”, a mãe terra, que deveria ser lugar de alegria e promessa de felicidade para todos. O otimismo cristão baseia-se numa esperança viva: sabe que tudo tende para a glória de Deus, para a consumação final na sua paz, para a ressurreição corporal na justiça, “de glória em glória”. Contudo, no tempo que passa, partilhamos dores e sofrimentos: toda a criação geme (cf. Rm 8, 19-22), os cristãos gemem (cf. vv. 23-25) e o próprio Espírito geme (cf. vv. 26-27). Gemer manifesta inquietação e sofrimento, juntamente com anelo e desejo. O gemido exprime confiança em Deus e abandono à sua companhia amorosa e exigente, tendo em vista a realização do seu desígnio, que é alegria, amor e paz no Espírito Santo.

3. Toda a criação está implicada neste processo de um novo nascimento e, gemendo, espera a libertação: trata-se de um crescimento escondido que amadurece, como “um grão de mostarda que se transforma numa grande árvore” ou “o fermento na massa” (cf. Mt 13, 31-33). Os inícios são minúsculos, mas os resultados esperados podem ser de uma beleza infinita. Enquanto expectativa de um nascimento (a revelação dos filhos de Deus), a esperança é a possibilidade de permanecer firme no meio das adversidades, de não desanimar nos momentos de tribulação ou diante da barbárie humana. A esperança cristã não desiludemas também não ilude: se o gemido da criação, dos cristãos e do Espírito é antecipação e expectativa da salvação já em ato, São Paulo descreve os numerosos sofrimentos em que estamos imersos como «tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada» (cf. Rm 8, 35). Assim, a esperança é uma leitura alternativa da história e dos acontecimentos humanos: não ilusória, mas realista, do realismo da fé que vê o invisível. Esta esperança é uma espera paciente, como a não visão de Abraão. Gosto de recordar aquele grande crente visionário que foi Joaquim de Fiore, o abade calabrês “dotado de espírito profético”, segundo Dante Alighieri: numa época de lutas sangrentas, conflitos entre o Papado e o Império, Cruzadas, heresias e mundanização da Igreja, ele soube apontar o ideal de um novo espírito de convivência entre os homens, marcado pela fraternidade universal e pela paz cristã, fruto do Evangelho vivido. Foi este espírito de amizade social e de fraternidade universal que propus na Fratelli tutti. E esta harmonia entre os homens deve estender-se também à criação, a partir de um “antropocentrismo situado” (cf. Laudate Deum, 67), na responsabilidade por uma ecologia humana e integral, caminho de salvação da nossa casa comum e dos que nela vivemos.

4. Por que há tanto mal no mundo? Porquê tanta injustiça, tantas guerras fratricidas que provocam a morte de crianças, destroem cidades, poluem o ambiente em que vive o homem, a mãe terra, violada e devastada? Referindo-se implicitamente ao pecado de Adão, São Paulo diz: «Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente» (Rm 8, 22). A luta moral dos cristãos está ligada ao “gemido” da criação, porque ela «foi sujeita à destruição» (v. 20). Todo o cosmos e cada criatura gemem e anseiam “impacientemente”, para que a condição atual possa ser superada e a original restabelecida: efetivamente, a libertação do homem implica também a das outras criaturas que, solidárias com a condição humana, foram colocadas sob o jugo da escravidão. Tal como a humanidade, a criação – sem culpa sua – é escrava e vê-se incapaz de fazer aquilo para que foi concebida, isto é, ter um significado e um propósito duradouros; está sujeita à dissolução e à morte, agravadas pelos abusos humanos sobre a natureza. Mas, em sentido contrário, a salvação do homem em Cristo é esperança segura inclusive para a criação: com efeito, «também ela será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus» (Rm 8, 21). Portanto, na redenção de Cristo, é possível contemplar na esperança o vínculo de solidariedade entre o ser humano e todas as outras criaturas.

(acidigital)

 

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