segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Reconhecer-se humilde, ponto de partida para Deus agir

Encontros e Eventos

Cidade do Vaticano (RV) – Na tarde deste domingo, 26 de fevereiro, o Papa Francisco realizou uma visita histórica, ao participar das celebrações dos 200 anos da Paróquia anglicana All Saints, em Roma. Foi o primeiro Pontífice a entrar no templo.

Eis a íntegra do discurso do Santo Padre:

“Queridos irmãos e irmãs,

Vos agradeço pelo gentil convite em celebrar juntos este aniversário paroquial. Transcorreram mais de duzentos anos desde que realizou-se o primeiro serviço litúrgico público anglicano em Roma, para um grupo de residentes ingleses que viviam nesta parte da cidade. Muita coisa mudou desde então, em Roma e no mundo. No decorrer destes dois séculos, muito também mudou entre anglicanos e católicos, que no passado olhavam-se com suspeita e hostilidade; hoje, graças a Deus, nos reconhecemos como verdadeiramente somos: irmãos e irmãs em Cristo, mediante o nosso batismo comum. Como amigos e peregrinos desejamos caminhar juntos, seguir juntos o nosso Senhor Jesus Cristo.

Vocês me convidaram para abençoar o novo ícone de Cristo Salvador. Cristo nos olha, e o seu olhar sobre nós é um olhar de salvação, de amor e de compaixão. É o mesmo olhar misericordioso que atravessou o coração dos Apóstolos, que iniciaram um novo caminho de vida nova para seguir e anunciar o Mestre. Nesta santa imagem, Jesus, olhando-nos, parece dirigir também a nós um chamado, um apelo: “Estás pronto a deixar alguma coisa do teu passado por mim? Queres ser mensageiro de meu coração, de minha misericórdia?”.

A misericórdia divina é a fonte de todo o ministério cristão. O diz o Apóstolo Paulo, dirigindo-se ao Coríntios, na leitura que acabamos de ouvir. Ele escreve: “Este é o nosso ministério, nós o temos pela misericórdia de Deus; por isto, não perdemos a coragem” (2 Cor 4,1).

Com efeito, São Paulo nem sempre teve uma relação fácil com a comunidade de Corinto, como demonstram as suas cartas. Houve também uma visita dolorosa a esta comunidade e palavras inflamadas foram trocadas por escrito. Mas esta passagem mostra o Apóstolo que supera as divergências do passado e, vivendo o seu ministério segundo a misericórdia recebida, não se resigna diante das divisões, mas trabalha pela reconciliaçãoQuando nós, comunidade de cristãos batizados, nos encontramos diante de desacordos e nos colocamos diante do rosto misericordioso de Cristo para superá-los, fazemos precisamente como fez São Paulo em uma das primeiras comunidades cristãs.

Como se compromete Paulo nesta missão, de onde começa?  Da humildade, que não é somente uma bela virtude, é uma questão de identidade: Paulo se compreende como um servidor, que não anuncia a si mesmo, mas Cristo Jesus Senhor. E cumpre este serviço, este ministério, segundo a misericórdia que lhe foi dada; não com base em sua bravura e contando com suas forças, mas na confiança com que Deus o olha e apoia, com misericórdia a sua fraqueza. Tornar-se humilde é sair do centro, reconhecer-se necessitado de Deus, mendigo de misericórdia: é o ponto de partida para que seja Deus a operar.

Um Presidente do Conselho Ecumênico das Igrejas descreve a evangelização cristã como “um mendigo que diz a outro mendigo onde encontrar o pão”. Acredito que São Paulo teria aprovado. Ele se sentia “com fome de misericórdia” e a sua prioridade era compartilhar com os outros o seu pão: a alegria de ser amados pelo Senhor e de amá-lo.

Este é o nosso bem mais precioso, o nosso tesouro, e neste contexto Paulo introduz uma de suas imagens mais conhecidas, que podemos aplicar a todos nós: “Temos este tesouro em vasos de barro”. Somos somente vasos de barro, mas guardamos dentro de nós o maior tesouro do mundo. Os Coríntios sabiam bem que era tolice preservar algo de precioso em vasos de barro, que eram baratos, mas se quebravam facilmente. Ter dentro deles algo de precioso significava risco de perdê-lo. Paulo, pecador, agraciado, humildemente reconhece ser frágil como um vaso de barro. Mas experimentou e sabe que precisamente ali, onde a miséria humana se abre à ação misericordiosa de Deus, o Senhor opera maravilhas. Assim opera o “extraordinário poder de Deus”.

Confiante neste humilde poder, Paulo serve o Evangelho. Falando de alguns adversários seus em Corinto, os chamou “super-apóstolos”, talvez, e com uma certa ironia, porque o tinham criticado pelas suas fraquezas, das quais eles se consideravam isentos”. Paulo, pelo contrário, ensina que somente reconhecendo-nos frágeis vasos de barro, pecadores sempre necessitados de misericórdia, o tesouro de Deus se derrama em nós e sobre os outros mediante nós. De outra forma, seremos somente cheios de tesouros nossos, que se corrompem e apodrecem em vasos aparentemente bonitos. Se reconhecemos a nossa fraqueza e pedimos perdão, então a misericórdia restauradora de Deus resplandecerá dentro de nós e será também visível de fora; os outros irão experimentar de alguma forma, através de nós, a beleza gentil da face de Cristo.

A um certo ponto, talvez no momento mais difícil com a comunidade de Corinto, Paulo cancelou uma visita que havia programado, renunciando também às ofertas que teria recebido. Existiam tensões na comunhão, mas não tiveram a última palavra. A relação voltou ao normal e o Apóstolo aceitou a oferta para o sustento da Igreja de Jerusalém.

Os cristãos de Corinto voltaram a trabalhar junto às outras comunidades visitadas por Paulo, para apoiar quem era necessitado. Este é um sinal forte de comunhão restabelecida. Também a obra que a vossa comunidade desenvolve junto a outras de língua inglesa aqui em Roma, pode ser vista desta forma. Uma comunhão verdadeira e sólida cresce e se robustece quando se age juntos por quem tem necessidade. Por meio do testemunho concorde da caridade, a face misericordiosa de Jesus torna-se visível na nossa cidade.

Católicos e anglicanos, somos humildemente agradecidos porque, depois de séculos de recíproca desconfiança, somos agora capazes de reconhecer que a fecunda graça de Cristo está em ação também nos outros. Agradecemos ao Senhor porque entre os cristãos cresceu o desejo de uma maior proximidade, que se manifesta no rezar juntos e no comum testemunho ao Evangelho, sobretudo por meio das várias formas de serviço. Às vezes, o progresso no caminho rumo à plena comunhão pode parecer lento e incerto, mas hoje podemos tirar um encorajamento deste nosso encontro. Pela primeira vez um Bispo de Roma visita a comunidade de vocês. É uma graça e também uma responsabilidade: a responsabilidade de fortalecer as nossas relações em louvor a Cristo, a serviço do Evangelho e desta cidade.

Encorajando-nos uns aos outros a tornar discípulos sempre mais fieis a Jesus, sempre mais livres dos respectivos preconceitos do passado e sempre mais desejosos de rezar por e com os outros. Um bonito sinal desta vontade é a “parceria” concretizada entre a vossa paróquia All Saints e a católica, de Todos os Santos. Que os Santos de cada Confissão cristã, plenamente unidos na Jerusalém celeste, nos abram o caminho para percorrer aqui todas as possíveis vias de um caminho cristão fraterno e comum. Onde nos reunimos em nome de Jesus, ali Ele está presente, e dirigindo o seu olhar de misericórdia, chama a trabalharmos pela unidade e pelo amor. Que o rosto de Deus resplandeça sobre nós, sobre vossas famílias e sobre toda a comunidade!”.

(JE)
radiovaticana


domingo, 26 de fevereiro de 2017

HOJE É O DIA DO SENHOR




VIII DOMINGO DO TEMPO COMUM

Olhai os lírios dos campos...

Prosseguimos hoje a Leitura do Sermão da Montanha,
no qual Jesus proclama as atitudes básicas do discípulo
para acolher o Reino de Deus.
A Liturgia nos dá a oportunidade de contemplar
a verdadeira imagem de Deus:
É uma MÃE carinhosa e um PAI providente.

Na 1ª Leitura, o povo de Deus, perseguido e longe de sua terra,
sente-se "abandonado" por Deus.
Isaías responde a esse "sentimento de abandono", comparando Deus
a uma MÃE CARINHOSA, que não esquece de seu filhinho:
"Poderá uma mãe esquecer de seu filhinho, e não amar o fruto do seu ventre?
Mesmo se houvesse alguma mulher capaz de esquecê-lo,
eu não te esqueceria jamais".  (Is 49,14-15)

* É a expressão bíblica mais profunda e eloqüente da ternura maternal de Deus
   e de seu amor ao povo eleito e ao homem.
   A Mãe não ama seu filho porque ele é bom, mas porque é seu filho...

Na 2ª Leitura, Paulo não se preocupa com o que possam dizer ou pensar dele.
Ele põe toda a confiança em Deus.
"Cada um receberá de Deus o devido louvor". (1Cor 4,1-5)

No Evangelho, Deus é comparado a um PAI PROVIDENTE
que cuida dos filhos, e provê as suas necessidades.
Por isso, "não vos preocupeis com o dia de amanhã". (Mt 6,24-34)

+ Jesus adverte a DOIS PERIGOS:

1) O Apego ao Dinheiro:
O cristão não deve amarrar o seu coração aos bens deste mundo.
O Dinheiro não pode se transformar em Senhor de sua vida.
Quem adora o dinheiro tem tudo, mas torna-se um escravo.
"Ninguém pode servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro".
A preocupação excessiva com os bens materiais
se opõe à confiança devida a Deus e reivindica o lugar de Deus

2) As vãs Preocupações:
Não se afirma que não se deve trabalhar, mas não se deixar levar pela angústia.
O compromisso para resolver os problemas da vida
não deve nos fazer perder a alegria da vida.
Dando primazia ao Reino e sua justiça,
haverá o suficiente e o necessário para todos.


- Duas belíssimas imagens da natureza ilustram essa idéia:
Se os pássaros e os lírios do campo são objeto do cuidado de Deus,
que provê gratuitamente sua subsistência espontânea,
quanto mais será o homem que vale muito mais que eles.

- Jesus conclui com um duplo convite:
1. "Não vos preocupeis com a vida, com o alimento, com as vestes,
     o Pai do céu já sabe que temos necessidade de tudo isso".
2. "Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça,
     e tudo o mais vos será dado em acréscimo".

- O Reino é a transparência de Deus em nossa vida;
- A sua Justiça é um ordenamento sob seu olhar de tudo o que somos e fazemos.
- O Senhor não diz "unicamente", mas buscai "primeiro" o Reino de Deus.
   Jesus não nega a importância do trabalho para a alimentação,
   a saúde e o vestuário, mas quer ressaltar a atenção
   que devemos dar àquilo que constrói o Reino de Deus.

+  A Proposta do Mundo
    leva ao Culto do Dinheiro e ao Consumismo.
    E as conseqüências são terríveis:
- Degrada a dignidade humana, convertendo as pessoas
              em puras máquinas de produção e consumo de bens.
- Bloqueia a solidariedade, a partilha, a fraternidade e
              favorece o egoísmo e a exploração.
- Torna-nos escravo das coisas e dos bens.

+  A Proposta de Jesus:
    pede confiança e abandono nas mãos de Deus
    a quem servimos com amor, e por quem nos sentimos amados.
    Essa confiança em Deus não é alienante,
    não nos exime de nossa responsabilidade nas tarefas temporais,
    nem nos permite fugir de nosso compromisso cristão no mundo.

+ A qual deus servimos?

Não podemos servir a Deus e ao dinheiro.
Devemos buscar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça
e tudo o mais nos será dado em acréscimo.

Deixemos de ser servos do dinheiro e escravos de nós mesmos,
para servir ao Senhor com alegria e livres da angústia possessiva.

Quem se preocupa pela comida?
Quem tem pai e mãe, ou quem é órfão?
Pois bem, nós não somos órfãos, Deus é para nós Pai e Mãe!...

    

 Pe. Antônio Geraldo Dalla Costa - 26.02.2017

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Em Deus, justiça é misericórdia

Missa Santa Marta
Cidade do Vaticano (RV) – O Papa celebrou a missa na capela da Casa Santa Marta na sexta-feira (24/02). Na homilia, Francisco advertiu para a hipocrisia e para o engano provocado por uma fé reduzida a uma “lógica casuística”.

“É lícito para um marido repudiar a própria mulher?”. Esta é a pergunta contida no Evangelho de Marcos que os doutores da Lei fazem a Jesus durante sua pregação na Judeia. “E o fazem para colocar Cristo à prova mais uma vez”, observou o Papa, que se inspirou na resposta de Jesus para explicar o que mais conta na fé:

“Jesus não responde se é lícito ou não; não entra na lógica casuística deles. Porque eles pensavam na fé somente em termos de ‘pode’ ou ‘não pode’, até onde se pode, até onde não se pode. É a lógica da casuística: Jesus não entra nisso. E faz uma pergunta: ‘Mas o que Moisés vos ordenou? O que está na vossa lei?’. E eles explicam a permissão que Moisés deu de repudiar a mulher, e são eles a cair na própria  armadilha. Porque Jesus os qualifica como ‘duros de coração’: ‘Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento’, e diz a verdade. Sem casuística. Sem permissões. A verdade.”

“Jesus sempre diz a verdade”, “explica as coisas como foram criadas”, destaca ainda o Papa, a verdade das Escrituras, da Lei de Moisés. E o faz também quando a interrogá-lo sobre o adultério são os seus discípulos, aos quais repete: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e casar com outro, cometerá adultério”.

Mas se a verdade é esta e o adultério é “grave”, como explicar então que Jesus falou “tantas vezes com uma adúltera, com uma pagã”?, pergunta o Papa. “Bebeu de seu copo, que não era puro?”. E no final lhe disse: “Eu não te condeno. Não peques mais”? Como explicar isso?

“O caminho de Jesus – vê-se claramente - é o caminho da casuística à verdade e à misericórdia. Jesus deixa a casuística de fora. Aos que queriam colocá-lo à prova, aos que pensavam com esta lógica do ‘pode’, os qualifica – não aqui, mas em outro trecho do Evangelho – como hipócritas. Também com o quarto mandamento eles negavam de assistir os pais com a desculpa de que tinham dado uma bela oferta à Igreja. Hipócritas. A casuística é hipócrita. É um pensamento hipócrita. ‘Pode – não pode… que depois se torna mais sútil, mais diabólico: mas até que ponto posso? Mas daqui até aqui não posso. É a enganação da casuística.”

O caminho do cristão, portanto, não cede à lógica da casuística, mas responde com a verdade que o acompanha, a exemplo de Jesus, “porque Ele é a encarnação da Misericórdia do Pai, e não pode negar a si mesmo. Não pode negar a si mesmo porque é a Verdade do Pai, e não pode negar a si mesmo porque é a Misericórdia do Pai”. “Este é o caminho que Jesus nos ensina”, notou o Papa, difícil de ser aplicado diante das tentações da vida:

“Quando a tentação toca o coração, este caminho de sair da casuística à verdade e à misericórdia não é fácil: é necessária a graça de Deus para que nos ajude a ir assim avante. E devemos pedi-la sempre. ‘Senhor, que eu seja justo, mas justo com misericórdia’. Não justo, coberto com a casuística. Justo na misericórdia. Como és Tu. Justo na misericórdia. Depois, uma pessoa de mentalidade casuística pode se perguntar: ‘Mas o que é mais importante em Deus? Justiça ou misericórdia?’. Este também é um pensamento doente… o que é mais importante? Não são duas: é somente uma, uma só coisa. Em Deus, justiça é misericórdia e misericórdia é justiça. Que o Senhor nos ajude a entender esta estrada, que não é fácil, mas nos fará felizes, a nós, e fará feliz muitas pessoas.”

radiovaticana