quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Palavra de Vida – janeiro 2019




«Deves procurar a justiça e só a justiça» (Dt 16, 20).


O Livro do Deuteronómio é uma colectânea de discursos, que Moisés pronunciou, no final da sua vida. Ele recorda as leis do Senhor às novas gerações, enquanto contempla de longe a Terra Prometida, para a qual corajosamente conduziu o povo de Israel.
Neste Livro, a “lei” de Deus é apresentada, acima de tudo, como a “palavra” de um Pai que cuida de todos os seus filhos. É um caminho de vida que Ele oferece ao seu povo, para realizar um projeto de Aliança. Se o povo seguir esta lei fielmente, por amor e gratidão, mais do que por medo dos castigos, poderá continuar a experimentar a proximidade e a proteção de Deus.
Uma das maneiras de realizar concretamente esta Aliança, recebida de Deus como uma dádiva, consiste em optar com decisão pela justiça. O fiel atua-a quando recorda com gratidão a escolha que Deus fez do seu povo e evita adorar qualquer outro deus senão o Senhor, mas também quando recusa benefícios pessoais que lhe perturbem a consciência perante as necessidades do pobre.
«Deves procurar a justiça e só a justiça».

A experiência quotidiana coloca-nos perante muitas situações de injustiça. Algumas são muito graves, especialmente sobre os mais fracos, aqueles que sobrevivem à margem das nossas sociedades. Quantos Caim exercem violência sobre o irmão ou a irmã!
A eliminação das desigualdades e dos abusos é uma exigência de fundamental justiça, e deve começar pelo nosso coração e pelos locais que frequentamos.
Todavia, Deus não realiza a sua justiça destruindo Caim. Pelo contrário, Ele preocupa-se em protegê-lo para que retome o caminho (1). A justiça de Deus consiste em dar uma nova vida.
Como cristãos, encontrámos Jesus. Ele, com as suas palavras e gestos, e especialmente com a sua vida e a luz da Ressurreição, revelou-nos que a justiça de Deus é o seu amor infinito para com todos os seus filhos.
Através de Jesus, abre-se, também para nós, o caminho para pôr em prática e difundir a misericórdia e o perdão, que são o fundamento da justiça social.
«Deves procurar a justiça e só a justiça».

Este versículo da Escritura foi escolhido para celebrar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, em 2019. No hemisfério norte, decorre de 18 a 25 de janeiro. Se aceitarmos, também nós, esta Palavra, poderemos procurar os caminhos de reconciliação, antes de mais entre nós, cristãos. Depois, pondo-nos ao serviço de todos, contribuiremos eficazmente para sarar as feridas da injustiça.
É isso que experimentam, já há alguns anos, alguns cristãos de diversas Igrejas, que se dedicam aos presos na cidade de Palermo (Itália). A iniciativa nasceu da ação de Salvatore, membro de uma associação evangélica: «Dei-me conta das necessidades espirituais e humanas destes nossos irmãos. Muitos deles não tinham familiares que os pudessem ajudar. Confiei em Deus e falei disto a vários irmãos da minha Igreja, bem como de outras Igrejas». Christine, da Igreja anglicana, acrescenta: «Poder ajudar estes irmãos necessitados dá-nos alegria, porque torna concreta a Providência de Deus que, por nosso intermédio, quer fazer chegar o seu Amor a todos». E Nunzia, católica: «Pareceu-nos uma boa ocasião, tanto para ajudar os irmãos necessitados, como para contribuir para dar a conhecer Jesus, também com pequenas coisas materiais».

É uma concretização daquilo que Chiara Lubich disse, em 1998, na igreja evangélica de Sant’Ana em Augsburg, durante um encontro ecuménico:
«[…] Se nós, cristãos, olharmos para a nossa história […], não podemos deixar de ficar tristes, ao verificar que ela foi, muitas vezes, uma sucessão de incompreensões, de litígios, de lutas. Isto deve-se, sem dúvida, às circunstâncias históricas, culturais, políticas, geográficas, sociais… mas também ao facto de ter diminuído, entre os cristãos, aquele elemento unificador que lhes é caraterístico: o amor.
Um trabalho ecuménico só poderá ser fecundo na medida em que, quem a ele se dedica, vir em Cristo crucificado e abandonado, que se abandona no Pai, a chave para compreender todas as faltas de unidade e para recompor a unidade […]. E a unidade tem um efeito […]: trata-se da presença de Jesus entre várias pessoas, na comunidade. «Onde estiverem dois ou três – disse Jesus – reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles» (Mt 18-20). Jesus entre um católico e um evangélico que se amam, entre anglicanos e ortodoxos, entre uma arménia e uma luterana que se amam. Quanta paz a partir de agora, quanta luz para um verdadeiro caminho ecuménico!» (2).

Letizia Magri

(focolares)


quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Papa na Audiência Geral:


Os jovens são fermento de paz no mundo
O Papa se deteve, na habitual catequese, em sua recente Viagem Apostólica ao Panamá, convidando os fiéis a darem graças a Deus, junto com ele, “por esta graça” que o Senhor “quis doar à Igreja e ao povo daquele amado país”.

Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano

A Sala Paulo VI, no Vaticano, ficou repleta de fiéis que participaram da Audiência Geral com o Papa Francisco, nesta quarta-feira (30/01).
O Papa se deteve, na habitual catequese, em sua recente Viagem Apostólica ao Panamá, convidando os fiéis a darem graças a Deus,   junto com ele, “por esta graça” que o Senhor “quis doar à Igreja e ao povo daquele amado país”.
Francisco agradeceu o acolhimento caloroso e familiar do presidente do Panamá e demais autoridades, e também dos voluntários e das pessoas que corriam para saudá-lo “com grande fé e entusiasmo”.
O Papa disse que as pessoas levantavam as crianças quando ele passava de papamóvel, como se estivessem dizendo: “Eis o meu orgulho, eis o meu futuro! E mostravam as crianças que eram muitas! Pais e mães que tinham orgulho daquela criança. Então pensei: Quanta dignidade nesse gesto, e quanto é eloquente para o inverno demográfico que estamos vivendo na Europa”, disse ele.

Jornada Mundial da Juventude
“O motivo dessa viagem foi a Jornada Mundial da Juventude. Todavia, nos encontros com os jovens se realizaram outros ligados à realidade do país: com as autoridades, bispos, jovens detentos, consagrados e uma casa-família.
“ Tudo foi contagiado e amalgamado pela presença alegre dos jovens: uma festa para eles e uma festa para o Panamá, e também para toda a América Central, marcada por várias situações e necessitada de esperança e paz, e também de justiça. ”
Francisco recordou que antes da Jornada Mundial da Juventude, foram realizados os encontros dos jovens indígenas e afro-americanos, “uma iniciativa importante que manifestou ainda melhor o rosto multiforme da Igreja na América Latina: a américa Latina é mestiça. Depois com a chegada de grupos de várias partes do mundo, formou-se uma grande sinfonia de rostos e línguas, típica desse evento. Ver todas as bandeiras desfilarem juntas, dançando nas mãos dos jovens alegres de se encontrar é um sinal profético, um sinal contracorrente em relação à triste tendência atual aos nacionalismos conflitantes, que levantam muros e se fecham para a universalidade, para o encontro com os povos. É um sinal de que os jovens cristãos são fermento de paz no mundo”.

Forte impressão mariana
O Papa disse ainda que esta JMJ teve uma forte impressão mariana, pois o seu tema foram as palavras da Virgem ao Anjo: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”.

 Segundo Francisco, foi forte ouvir as palavras proferidas pelos representantes dos jovens dos cinco continentes e vê-las transparecer em seus rostos. Enquanto houver novas gerações capazes de dizer “eis-me aqui” a Deus, haverá um futuro para o mundo.

O Pontífice recordou alguns momentos da JMJ como a Via-Sacra com os jovens, afirmando que no Panamá “os jovens levaram com Jesus e Maria o peso da condição de muitos irmãos e irmãos que sofrem na América Central e no mundo inteiro. Dentre eles se encontram muitos jovens, vítimas de várias formas de escravidão e pobreza".

O Papa disse aos fiéis que gosta muito da Via-Sacra, “porque é caminhar com Maria atrás de Jesus”. Disse que carrega sempre consigo um livrinho da Via-Sacra no bolso, que uma pessoa em Buenos Aires deu-lhe de presente. Quando tem tempo, reza a Via-Sacra. “Façam vocês o mesmo, pois é seguir Jesus com Maria no caminho da cruz, onde Ele deu a vida por nós, para a nossa redenção”, frisou.

Responsabilidade dos adultos
A seguir, recordou a Liturgia Penitencial com os jovens reclusos  no Centro Correcional de Menores e a visita ao Lar do Bom Samaritano que acolhe os portadores de Hiv/Aids.

O Papa falou também da Vigília e da missa com os jovens, ressaltando que na celebração eucarística “fez um apelo à responsabilidade dos adultos para que não faltem às novas gerações educação, trabalho, comunidade e família”. “Esta é a chave neste momento do mundo, pois faltam essas coisas. Instrução, ou seja, educação. Trabalho, quantos jovens estão sem! Comunidade: se sentem acolhidos, na família e na sociedade.”
Para Francisco, o encontro com os bispos da América Central foi um momento de consolo. “Juntos nos deixamos instruir pelo testemunho de São Óscar Romero, a fim de aprender melhor o “sentir com a Igreja”, que era o seu lema episcopal, estando próximos aos jovens, aos pobres, os sacerdotes e ao santo povo fiel de Deus.”

Jovens discípulos missionários
Teve um forte valor simbólico a consagração do altar da Igreja de Santa Maria La Antigua que ficou fechada sete anos para a restauração. “Um sinal da beleza reencontrada, para a glória de Deus, para a fé e a festa do seu povo”, disse o Papa.
“Que a família da Igreja no Panamá e no mundo inteiro possa obter do Espírito Santo sempre nova fecundidade, para que continue e se difunda na terra a peregrinação dos jovens discípulos missionários de Jesus Cristo”, concluiu Francisco.

(vaticannews)

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Papa na coletiva de imprensa no voo de regresso a Roma



O Papa: “no confessionário entendi o drama do aborto”
Francisco no voo de retorno do Panamá: "Às mulheres que têm essa angústia eu digo: seu filho está no céu, fale com ele, cante a canção de ninar que você não pôde cantar a ele". Para a Venezuela pede uma solução pacífica: "Assusta-me o derramamento de sangue". No encontro de fevereiro para a proteção dos menores: "devemos nos conscientizar sobre o drama e ter protocolos, os bispos devem saber o que fazer".

Andrea Tornielli – Cidade do Vaticano

Para entender o drama do aborto é preciso estar no confessionário e ajudar as mulheres a se reconciliarem com o filho não nascido. Para ser Papa é preciso "sentir" as pessoas, ferir-se nos encontros que se realiza, ferir-se com pessoas que nos atingem com suas histórias e seus dramas, levando tudo diante do Senhor para que os confirme na fé. No encontro de fevereiro sobre a proteção de menores, será necessário "tomar consciência" do que significam um menino ou uma menina abusados, para ficar do lado daqueles que sofreram essa violência terrível. E nessa idêntica perspectiva está a preocupação pela Venezuela, que leva Francisco a pedir uma solução pacífica e evitar o derramamento de sangue. O Papa, que disse estar "destruído" pela intensidade de uma viagem na qual não se poupou, dialoga por cinquenta minutos com os jornalistas no voo que o trouxe de volta a Roma, na primeira coletiva de imprensa guiada pelo diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti.

Qual o impacto que sua missão teve no Panamá? Que impacto lhe provocou?

"Minha missão em uma Jornada Mundial da Juventude é a missão de Pedro, confirmar na fé e isso não com mandatos" frios "ou preceptivos, mas deixando-me tocar o coração e respondendo ao que acontece ali. Eu a vivo assim, custa-me pensar que alguém possa realizar uma missão só com a cabeça. Para realizar uma missão você deve sentir, e quando sente, você é atingido. Isso afeta sua vida, você é atingido por problemas. No aeroporto eu estava saudando o Presidente e trouxeram um menino de cor, simpático, pequeno assim. E ele me disse: "Olha, essa criança estava atravessando a fronteira da Colômbia, sua mãe morreu, e ele ficou sozinho. Ele tem cinco anos de idade. Vem da África, mas ainda não sabemos de qual país porque não fala inglês, nem português, nem francês. Ele fala apenas a língua da sua tribo. Nós em certo sentido o adotamos". O drama de uma criança abandonada pela vida, porque sua mãe morreu e um policial a entregou às autoridades para tomar conta dela, afeta você, e assim a missão começa a tomar cor, faz você dizer algo, faz você acariciar. A missão sempre envolve você. Pelo menos a mim envolve. Eu sempre digo aos jovens: vocês, o que fazem na vida, devem fazer caminhando e com as três linguagens: a da cabeça, a do coração, e a das mãos. E as três linguagens harmonizadas, de modo que vocês pensem o que sentem e o que fazem, sintam o que pensam e o que fazem, façam o que sentem e o que pensam. Eu não posso fazer um balanço da missão. Com tudo isso eu vou diante do Senhor para rezar, às vezes adormeço diante do Senhor, mas levo todas essas coisas que vivi na missão e peço a Ele para confirmá-los na fé através de mim. É assim que eu procuro viver a missão de Papa e como eu a vivo."

A JMJ no Panamá correspondeu às suas expectativas?

"Sim, o termômetro é a fadiga e eu estou destruído."

Existe um problema que  é comum em toda a América Central, incluindo o Panamá e grande parte da América Latina: gravidez precoce. Só no Panamá foram dez mil no ano passado. Os detratores da Igreja Católica culpam-na por resistir à educação sexual nas escolas. Qual é a opinião do Papa?

"Creio que nas escolas é preciso dar educação sexual. Sexo é um dom de Deus não é um monstro. É o dom de Deus para amar e se alguém o usa para ganhar dinheiro ou explorar o outro, é um problema diferente. Precisamos oferecer uma educação sexual objetiva, como é, sem colonização ideológica. Porque se nas escolas se dá uma educação sexual embebida de colonizações ideológicas, destrói a pessoa. O sexo como dom de Deus deve ser educado, não rigidamente. Educado, de "educere", para fazer emergir o melhor da pessoa e acompanhá-la no caminho. O problema está nos responsáveis ​​pela educação, seja a nível nacional, seja local, como também em cada unidade escolar: quem são os professores para isso, que livros de textos usar... Eu vi de todos os tipos, há coisas que amadurecem e outras que causam danos. Digo isso sem entrar nos problemas políticos do Panamá: precisamos dar educação sexual para as crianças. O ideal é que comecem em casa, com os pais. Nem sempre é possível por causa de muitas situações familiares, ou porque não sabem como fazê-lo. A escola compensa isso e deve fazê-lo, caso contrário, resta um vazio que é preenchido por qualquer ideologia."

Nestes dias o senhor falou com várias pessoas e muitos jovens. Falou também com os jovens que se distanciaram da Igreja. Quais são os motivos que os afastaram?

“São muitos, alguns são pessoais. Mas o mais geral é a falta de testemunho dos cristãos, dos padres e dos bispos. Não digo dos Papas porque seria demais, mas ... também. Se um pastor é um empreendedor ou organizador de um plano pastoral, se não está próximo das pessoas, não dá um testemunho de pastor. O pastor deve estar com as pessoas. O pastor deve estar na frente do rebanho, para indicar o caminho, no meio do rebanho para sentir o cheiro das pessoas e entender o que as pessoas sentem e o que precisam. Deve estar atrás do rebanho para proteger a retaguarda. Mas se um pastor não vive com paixão, as pessoas se sentem abandonadas ou sentem um certo sentido de desprezo. Sentem-se órfãs. Falei sobre os pastores, mas há também os cristãos, os católicos. Existem os católicos hipócritas que vão à missa todos os domingos e não pagam o décimo terceiro, pagam por fora, exploram as pessoas. Depois, vão ao Caribe de férias com o que explorou das pessoas. Se você faz isso, dá uma contratestemunho. A meu ver, isso é o que distancia mais as pessoas da Igreja. Sugeriria aos leigos: não diga que é católico se não dá testemunho. Em vez disso, você pode dizer: venho de uma educação católica, mas sou morno, sou mundano, peço desculpa, não me olhem como exemplo. Isso é o que se deve dizer. Tenho medo de católicos assim, que acreditam ser perfeitos. A história se repete, o mesmo aconteceu com Jesus com os doutores da Lei que rezavam, dizendo: “Obrigado, Senhor, por não ser como esses pecadores.”

Vimos por quatro dias os jovens rezar com muita intensidade, podemos pensar que muitos tenham a vocação. Talvez alguns deles estão hesitando, porque não podem se casar. É possível que o senhor permita aos homens casados se tornarem padres na Igreja católica de rito latino, como acontece nas Igrejas orientais?

“Na Igreja católica de rito oriental eles podem fazer isso se fazem a opção celibatária ou de esposo antes do diaconato. Quanto ao rito latino, lembro-me de uma frase de São Paulo VI: “Prefiro dar a vida antes de mudar a lei do celibato”. Isso me veio em mente e quero afirmá-lo porque é uma frase corajosa. Ele disse isso em 1968-1970, num momento mais difícil do que o atual. Pessoalmente, penso que o celibato seja um dom para a Igreja e não concordo em permitir o celibato opcional. Não. Permaneceria alguma possibilidade nos lugares mais distantes, penso nas ilhas do Pacífico, mas é algo em que pensar quando há necessidade pastoral. O pastor deve pensar nos fiéis. Existe um livro do pe. Lobinger, interessante. É algo em discussão entre os teólogos, não há uma decisão minha. A minha decisão é: não ao celibato opcional antes do diaconato. É uma coisa minha, pessoal. Eu não o farei, isso é claro. Sou fechado? Talvez, mas não me sinto de colocar-me diante de Deus com esta decisão. Padre Lobinger diz: “A Igreja faz a eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja. Mas onde não há Eucaristia há comunidade, pense nas ilhas do Pacífico. Lobinger pergunta: quem faz a Eucaristia? Os diretores e organizadores dessas comunidades são diáconos, religiosas ou leigos. Lobinger diz ainda: se poderia ordenar sacerdote um idoso casado, esta é a sua tese. Mas que exercite apenas o munus sanctificandi, isto é, celebre a missa, administre o Sacramento da Reconciliação e dê a unção dos enfermos. A ordenação sacerdotal dá os três munera: o munus regendi (o pastor que guia), o munus docendi (o pastor que ensina) e o munus sanctificandi. O bispo só lhe daria a licença para o munus sanctificandi. Esta é a tese. O livro é interessante e talvez isso possa ajudar a responder o problema. Acredito que o tema deve ser aberto nesse sentido para os lugares onde existe um problema pastoral, por falta de sacerdotes. Não digo que deve ser feito, eu não refleti, não rezei o suficiente sobre isso. Mas os teólogos debatem sobre isso, devem estudar. Estava conversando com um oficial da Secretaria de Estado, um bispo que teve que trabalhar num país comunista no início da revolução. Quando viram como essa revolução chegava nos anos 50, os bispos ordenaram secretamente camponeses, bons e religiosos. Depois que a crise passou, trinta anos depois, a coisa se resolveu. Ele me contou a emoção que sentiu quando numa celebração viu esses camponeses com mãos de camponeses colocarem suas vestes para concelebrar com os bispos. Na história da Igreja isso se verificou. É algo a ser pensado e sobre o qual rezar. Por fim, me esqueci de citar o Anglicanorum coetibus, de Bento XVI, para os sacerdotes anglicanos que se tornaram católicos, mantendo suas vidas como se fossem orientais. Lembro-me ter visto muitos deles com o colarinho clerical e com mulheres e crianças numa audiência de quarta-feira.”

Durante a Via-Sacra um jovem pronunciou palavras muito fortes sobre o aborto: “Há um túmulo que brada ao céu e denuncia a terrível crueldade da humanidade, é o túmulo que se abre no ventre das mães... Deus nos conceda defender com firmeza a vida e fazer de modo que as leis que matam a vida sejam eliminadas para sempre”. Trata-se de uma posição muito radical. Gostaria de saber se essa posição respeita também o sofrimento das mulheres nesta situação e se corresponde à sua mensagem de misericórdia.

“A mensagem da misericórdia é para todos, inclusive para a pessoa humana que é gestante. Após este falimento, há também a misericórdia. Mas uma misericórdia difícil, porque o problema não é conceder o perdão, mas acompanhar uma mulher que tomou consciência de ter abortado. São dramas terríveis. Uma mulher quando pensa naquilo que fez... É preciso estar no confessionário, ali deve dar consolação e por isso concedi a todos os padres a faculdade de absolver o aborto, por misericórdia. Muitas vezes, mas sempre, elas devem “encontrar-se” com o filho. Quando choram e têm essa angústia eu muitas vezes as aconselho assim: seu filho está no céu, fale com ele, cante-lhe o nana neném que não pôde cantar-lhe. E ali se encontra um caminho de reconciliação da mãe com o filho. Com Deus já existe a reconciliação, Deus perdoa sempre. Mas ela também deve elaborar o ocorrido. O drama do aborto, para ser bem entendido, você precisa estar num confessionário. É terrível.”

O senhor disse no Panamá fazer-se muito próximo dos venezuelanos e pediu uma solução justa e pacífica, no respeito pelos direitos humanos de todos. Os venezuelanos querem entender: o que significa? A solução passa mediante o reconhecimento de Juan Guaidó que foi apoiado por muitos países? Outros pedem eleições livres em breve tempo. O povo quer ouvir seu apoio, sua ajuda e seu conselho.

“Eu apoio neste momento todo o povo da Venezuela porque está sofrendo, os de um lado e os do outro. Se eu ressaltasse aquilo que diz este ou aquele país, estaria me expressando sobre algo que não conheço, seria uma imprudência pastoral de minha parte e seria danoso. As palavras que eu disse foram por mim pensadas e repensadas. E creio que com elas expressei a minha proximidade, aquilo que sinto. Eu sofro com o que está acontecendo neste momento na Venezuela e por isso peço que haja uma solução justa e pacífica. O que me espanta é o derramamento de sangue. E peço grandeza na ajuda por parte daqueles que podem ajudar a resolver o problema. O problema da violência me aterroriza, após todo o processo de paz na Colômbia, pensem naquele atentado outro dia na escola dos cadetes, algo terrificante. Por isso devo ser... não gosto da palavra “equilibrado”, quero ser pastor e se há necessidade de uma ajuda, que peçam de comum acordo.”

Uma jovem estadunidense contou-nos que durante seu almoço com os jovens o senhor lhe falou da dor pela crise dos abusos. Muitos católicos estadunidenses se sentem traídos e abatidos após as notícias de abusos e acobertamentos por parte de alguns bispos. Quais são suas expectativas e esperanças para o encontro de fevereiro, a fim de que a Igreja possa reconstruir a confiança?

“A ideia deste encontro nasceu no C9 porque nós vimos que alguns bispos não entendiam bem ou não sabiam o que fazer ou faziam uma coisa boa e outra errada. Sentimos a responsabilidade de dar uma “catequese” sobre esse problema às conferências episcopais e por isso os presidentes dos episcopados foram chamados. Primeiro: que se tome consciência do drama, de que se trata de um menino ou uma menina vítimas de abuso. Recebo regularmente pessoas vítimas de abuso. Recordo uma pessoa: 40 anos sem poder rezar. É terrível, o sofrimento é terrível. Segundo: que saibam o que deve ser feito, qual é o procedimento. Porque às vezes o bispo não sabe o que fazer. É algo que cresceu muito forte e não chegou a todos os lugares. E ademais, que sejam feitos programas gerais, mas que cheguem a todas as conferências episcopais sobre aquilo que o bispo deve fazer, e aquilo que devem fazer o arcebispo metropolitano e o presidente da conferência episcopal. Que haja protocolos claros. Esse é o objetivo principal. Mas antes das coisas que devem ser feitas, é preciso tomar consciência. No encontro se rezará, haverá alguns testemunhos para se tomar consciência, alguma liturgia penitencial para pedir perdão por toda a Igreja. Estão trabalhando bem na preparação do encontro. Permito-me dizer ter percebido uma expectativa de certo modo exagerada. É preciso moderar as expectativas em relação a estes pontos que lhes disse, porque o problema dos abusos continuará, é um problema humano, em todos os lugares. Outro dia li uma estatística. Diz: 50% dos casos é denunciado, e somente para 5% destes casis há uma condenação. É terrível. É um drama humano do qual tomar consciência. Também nós, resolvendo o problema na Igreja, ajudaremos a resolvê-lo na sociedade e nas famílias, onde a vergonha cobre tudo. Mas primeiro devemos tomar consciência e ter os protocolos.”

O senhor disse que é absurdo e irresponsável considerar os migrantes como portadores do mal social. Na Itália as novas políticas sobre os migrantes levaram ao fechamento do centro de acolhida “Castelnuovo di Porto”, que o senhor conhece bem. No Centro havia claros sinais de integração, as crianças frequentavam a escola e agora correm o risco de marginalização.

“Ouvi falar sobre o que estava acontecendo na Itália, mas estava imerso nesta viagem. Não conheço os fatos com precisão, mas posso imaginá-los. É verdade, o problema é muito complexo. É preciso memória. Devemos nos perguntar se a minha pátria é formada por migrantes. Nós, argentinos, somos todos migrantes. Os Estados Unidos, todos migrantes. Um bispo escreveu um artigo muito bonito sobre o problema da falta de memória. Usou palavras que eu uso: receber, o coração aberto para receber. Acompanhar, ajudar a crescer e integrar. O governante deve usar a prudência, porque a prudência é a virtude dos que governam. É uma equação difícil. Recorda-me o exemplo sueco, que nos anos 1970, com as ditaduras na América Latina recebeu muitos imigrantes, e todos foram integrados na sociedade. Recordo também do trabalho que é feito pela Comunidade de Santo Egídio, por exemplo: preocupa-se em logo integrar os migrantes. Mas no ano passado os suecos disseram: teremos que diminuir a entrada porque não conseguimos completar o percurso de integração. E esta é a prudência do governante. É um problema de caridade, de amor, de solidariedade. Reitero que as nações mais generosas em receber foram a Itália e a Grécia e um pouco também a Turquia. A Grécia foi muito generosa assim como a Itália, muito mesmo. É verdade que se deve pensar com realismo. Também tem outra coisa: um modo de resolver o problema das migrações é ajudar os países de onde vêm os migrantes. Eles vêm por causa da fome ou da guerra. A Europa tem a possibilidade de investir onde há fome, e este é um modo de ajudar aqueles países a crescerem. Mas há sempre aquela imaginação popular que temos na inconsciência: a África deve ser explorada! Isso pertence à história e faz mal! Os migrantes do Oriente Médio encontraram outras saídas: O Líbano é uma maravilha em sua generosidade, hospeda mais de um milhão de sírios. A Jordânia, faz o mesmo. E fazem o que pode, tentando integrá-los. A Turquia também recebeu migrantes. Nós também, na Itália recebemos alguns. É um problema complexo sobre o qual deve-se falar sem preconceitos.”

“Agradeço a todos pelo seu trabalho – concluiu o Papa – gostaria de dizer uma coisa sobre o Panamá: ali senti um novo sentimento, veio-me esta palavra: o Panamá uma nação nobre. Encontrei nobreza. E também gostaria de dizer outra coisa, que nós na Europa, não vemos o que eu vi no Panamá. Vi pais que erguiam seus filhos nos braços e diziam: esta é a minha vitória, este é o meu orgulho, este é o meu futuro. No inverno demográfico que vivemos na Europa – e na Itália é abaixo de zero – deve nos fazer pensar. Qual é o meu orgulho? O turismo, as férias, a casa, o cachorrinho? Ou o filho?."

(vaticannews)