sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Palavra de Vida – janeiro 2020



Trataram-nos com invulgar humanidade” (At 28, 2)

Duzentos e setenta e seis náufragos chegam à costa de uma ilha do Mediterrâneo, depois de duas semanas à deriva. Estão encharcados, esgotados, aterrorizados: experimentaram a impotência perante as forças da natureza e sentiram-se perto da morte.
Entre eles, está um prisioneiro com destino a Roma, para ser julgado pelo Imperador.
Sim, porque esta crónica não saiu de um noticiário da atualidade, mas é a narração de uma experiência do apóstolo Paulo, conduzido a Roma para coroar a sua missão de evangelização, através do testemunho do martírio.
Ele, sustentado pela sua fé inabalável na Providência, apesar da condição de prisioneiro, conseguiu dar alento aos outros companheiros de infortúnio, até desembarcarem numa praia de Malta.
Ali, os habitantes vêm ao encontro deles, acolhem-nos ao redor duma grande fogueira para restaurarem as forças e, depois, cuidam deles. Passados três meses, no final do inverno, dão-lhes o necessário para continuar a viagem em segurança.
Trataram-nos com invulgar humanidade

Paulo e os outros náufragos experimentam a humanidade calorosa e concreta daquela população que ainda não tinha sido tocada pela luz do Evangelho. É um acolhimento que não é apressado nem impessoal, mas que sabe pôr-se ao serviço do hóspede, sem preconceitos culturais, religiosos ou sociais. Para o fazer, é indispensável o envolvimento pessoal e de toda a comunidade.
A capacidade de acolher o outro faz parte do ADN de qualquer pessoa, como criatura que traz gravada em si a imagem do Pai misericordioso, mesmo quando a fé cristã não foi ainda acesa ou esmoreceu. É uma lei inscrita no coração humano, que a Palavra de Deus ilumina e valoriza, desde Abraão até à surpreendente revelação de Jesus: «Era estrangeiro e acolhestes-me».
O próprio Senhor oferece-nos a força da sua graça, para que a nossa vontade frágil chegue à plenitude do amor cristão.
Com esta experiência, Paulo ensina-nos também a confiar na intervenção providencial de Deus, a reconhecer e a apreciar o bem recebido através do amor concreto de tantos que se cruzam no nosso caminho.
Trataram-nos com invulgar humanidade

Este versículo do Livro dos Atos dos Apóstolos foi proposto por cristãos de várias Igrejas da ilha de Malta, como tema para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos de 2020.
Estas comunidades promovem, juntas, numerosas iniciativas em favor dos pobres e dos imigrantes: distribuição de alimentos, de roupas e de brinquedos para as crianças, bem como aulas de língua inglesa para facilitar a inserção social. O intuito é de reforçar esta capacidade de acolhimento, mas também de alimentar a comunhão entre cristãos de várias Igrejas, para testemunhar a única fé.
E nós, como é que testemunhamos aos irmãos o amor de Deus? Como é que contribuímos para a construção de famílias unidas, cidades solidárias, comunidades sociais verdadeiramente humanas?

Chiara Lubich sugere-nos o seguinte:
«Jesus demonstrou-nos que amar significa acolher o outro como ele é, da mesma maneira como Ele acolheu cada um de nós. Acolher o outro, com os seus gostos, as suas ideias, os seus defeitos, a sua diferença. […] Dar-lhe espaço dentro de nós, libertando o nosso coração de todo e qualquer preconceito, juízo ou instinto de rejeição. […] A maior glória que damos a Deus é quando nos esforçamos por aceitar o nosso próximo, porque é assim que lançamos as bases da comunhão fraterna. E nada dá tanta alegria a Deus como a verdadeira unidade entre os homens. A unidade atrai a presença de Jesus para o meio de nós e a Sua presença transforma tudo.
Aproximemo-nos, então, de cada próximo com este desejo de o acolher com todo o coração e de estabelecer com ele, mais cedo ou mais tarde, o amor recíproco».
Letizia Magri
(focolares)

1) Cf. Gn 18, 1-16; 2) Cf. Mt 25, 35; 3) A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos celebra-se todos os anos, no hemisfério norte de 18 a 25 de janeiro e no hemisfério sul entre a festa da Ascenção e o Pefntecostes;
4) C. Lubich, Palavra de Vida de dezembro de 1986, in eadem, Parole di Vita, a cura di Fabio Ciardi (Opere di Chiara Lubich 5),; Città Nuova, Roma 2017), pp. 375-376.1)


quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Papa: viver e julgar com o estilo misericordioso do cristão


Missa em Santa Marta
O nosso estilo de vida, o nosso modo de julgar os outros deve ser plenamente cristão, isto é, generoso e repleto de amor, e não motivo de humilhações, porque com a mesma medida com a qual julgamos, também nós seremos julgados ao final da nossa existência. Foi o que evidenciou o Pontífice ao pronunciar a homilia na missa celebrada na Casa Santa Marta, comentando o Evangelho do dia, extraído de Marcos.

Gabriella Ceraso – Cidade do Vaticano

A página que o Evangelho de Marcos (Mc 2, 21-25) nos propõe hoje é rica de frases e conselhos de Jesus. O Papa Francisco escolhe uma para refletir na sua homilia na capela da Casa Santa Marta, num diálogo constante com os fiéis presentes: "Com a mesma medida com que medirdes, também vós sereis medidos".

A medida do estilo cristão

Todos nós, afirmou o Papa, fazemos as contas com a vida, fazemos no presente e, sobretudo, faremos ao final da nossa existência, e esta frase de Jesus nos diz justamente “como será aquele momento", isto é, como será o juízo.
Enquanto o trecho das Bem-aventuranças e o capítulo 25 do Evangelho de Mateus falam das “coisas que devemos fazer”, o Evangelho de hoje mostra como fazê-las, o estilo e a medida:

Com qual medida eu meço os outros? Com qual medida meço a mim mesmo? É uma medida generosa, repleta do amor de Deus ou é uma medida rasa? E com aquela medida eu serei julgado, não será outra: com aquela, aquela que eu faço. Qual é o nível em que coloquei a minha trave? Coloquei no alto? Devemos pensar nisso. E isso o vemos não só nas coisas boas ou más que fazemos, mas no estilo contínuo de vida.

O modelo do estilo cristão: Deus que humilha a si mesmo 

O Papa destacou que cada um de nós tem um estilo, “um modo de medir a si mesmo, as coisas e os outros" e será o mesmo que o Senhor usará conosco.  Portanto, explicou, quem mede com egoísmo, assim será medido; quem não tem piedade e que para subir na vida “é capaz de pisar na cabeça de todos", será julgado do mesmo modo, isto é, “sem piedade”. O contrário disto é o estilo de vida do cristão, que Francisco assim propôs:

E como cristão eu me pergunto qual é a medida de referência, a medida de comparação para saber se estou num nível cristão, um nível que Jesus quer? É a capacidade de me humilhar, é a capacidade de sofrer as humilhações. Um cristão que não é capaz de carregar consigo as humilhações da vida, lhe falta algo. É um cristão de verniz ou de interesse. “Mas, padre, por que isto?”. Porque Jesus fez assim, ele mesmo se aniquilou, assim diz Paulo: “humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!”. Ele era Deus, mas não se agarrou a isto: humilhou-se a si mesmo. Este é o modelo.

Mundanos, pecadores, empreendedores ou cristão?

E como exemplo de um estilo de vida definido “mundano” e incapaz de seguir o modelo de Jesus, o Papa citou as “lamentações” que lhe referem os bispos quando têm dificuldades para transferir os sacerdotes de paróquia, porque consideradas "de categoria inferior" e não superior como eles aspiram e, portanto, vivem esta transferência como uma punição.
Francisco então comentou como reconhecer o “meu estilo”, o “meu modo de julgar” segundo o comportamento que assumo diante das humilhações: "um modo de julgar mundano, um modo de julgar pecador, um modo de julgar empresarial ou um modo de julgar cristão":

Com a mesma medida com que medirdes, também vós sereis medidos”, a mesma medida. Se é uma medida cristã, que segue Jesus no seu caminho, (com) a mesma serei julgado, com muita, muita, muita piedade, com muita compaixão, com muita misericórdia. Mas se a minha medida é mundana e só uso a fé cristã – sim, faço, vou à missa, mas vivo como mundano – serei medido com esta medida. Peçamos ao Senhor a graça de viver de modo cristão e, sobretudo, de não ter medo da cruz, das humilhações, porque este é o caminho que Ele escolheu para nos salvar e isto é o que garante que a minha medida é cristã: a capacidade de carregar a cruz, a capacidade de sofrer alguma humilhação. 

(vaticannews)

Bem-aventuranças: novo ciclo de catequeses do Papa Francisco



O Papa concluiu a Audiência Geral com uma recomendação aos fiéis: ler o capítulo quinto do Evangelho de Mateus e decorar as bem-aventuranças: "São uma mensagem para toda a humanidade".

Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano

Na Audiência Geral desta quarta-feira (29/01), realizada na Sala Paulo VI, o Papa Francisco anunciou um novo ciclo de catequeses, desta vez dedicado às bem-aventuranças.
No Evangelho de Mateus (5, 1-11), o texto se abre com o sermão da montanha, que iluminou a vida dos fiéis e inclusive de muitos não fiéis, por conter a “carteira de identidade” dos cristãos, o seu estilo de vida seguindo o exemplo de Cristo.
Nas próximas semanas, o Pontífice comentará cada uma das bem-aventuranças, dedicando esta primeira catequese a uma explicação global das palavras de Jesus.

Uma mensagem a toda a humanidade

Antes de tudo, afirmou, é importante como acontece a proclamação desta mensagem: suas palavras são endereçadas aos discípulos, com um horizonte mais amplo que é a multidão que se reuniu às margens do mar da Galileia – multidão que representa hoje toda a humanidade. "É uma mensagem para toda a humanidade."
A montanha ainda evoca o Sinai, onde Deus deu a Moisés os dez mandamentos. Jesus começa a ensinar uma nova lei: ser pobres, mansos, misericordiosos... que vai além de meras “normas”. Com efeito, Jesus nada impõe, mas revela o caminho da felicidade – o Seu caminho – repetindo oito vezes a palavra “bem-aventurados”.

As bem-aventuranças, prosseguiu o Pontífice, se compõem de três partes. Primeiramente, consta sempre a palavra “bem-aventurados”; depois, a situação em que se encontram estes beatos: pobreza, aflição, injustiça, guerra, perseguição, etc.; e finalmente o motivo de tal felicidade, introduzido pela palavra “porque…”.

“Seria belo aprender de cor as bem-aventuranças, para ter na mente e no coração esta lei que Jesus nos dá.”

O motivo da felicidade

Os “porquês” não dizem respeito à situação atual, mas à nova condição que os Bem-aventurados receberão de Deus. De fato, ao indicar tais motivos, Jesus usa frequentemente um futuro passivo: serão consolados, serão saciados, etc.
Francisco explicou ainda o significado da palavra “bem-aventurado”, que é uma pessoa que está numa condição de graça, que progride na graça de Deus e no caminho de Deus. “Paciência, pobreza, serviço aos outros, consolação: estas pessoas são felizes.”

Para doar-se a nós, Deus escolhe com frequência estradas impensáveis, provavelmente aquelas dos nossos limites, das nossas lágrimas, das nossas derrotas. É a alegria pascal, da qual falam os irmãos orientais, aquela que tem os estigmas, mas está viva, atravessou a morte e fez a experiência do poder de Deus.

O Papa então concluiu com uma recomendação aos fiéis:

“As bem-aventuranças levam à alegria, sempre. São o caminho para chegar à alegria. E nos fará bem hoje pegar o Evangelho de Mateus, capítulo 5, versículos 1-11 e ler as bem-aventuranças e talvez repetir isso algumas vezes durante a semana para entender este caminho belo e certo da felicidade que o Senhor nos propõe.” 

(vaticannews)

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Papa: cristãos sem alegria são prisioneiros das formalidades


Missa em Santa Marta

Não sentir vergonha de expressar a alegria do encontro com o Senhor: foi o que disse o Papa Francisco na homilia desta manhã, acrescentando que o Evangelho só irá avante com evangelizadores cheios de vida.

Adriana Masotti - Cidade do Vaticano

O Papa Francisco celebrou esta manhã (28/01) a missa na capela da Casa Santa Marta e no centro da sua homilia esteve a alegria de ser cristão.
O Pontífice inspirou-se na Primeira Leitura, extraída do Segundo Livro de Samuel, que narra a festa de Davi e de todo o povo de Israel pelo regresso da Arca da Aliança ao seu lugar, isto é, a Jerusalém.

O povo faz festa porque Deus está próximo

A arca tinha sido levada embora, recordou o Papa, e o seu retorno foi “uma grande alegria para o povo”, já que ele sente que Deus lhe está próximo, e exulta.
O rei Davi está com eles, coloca-se à frente da procissão, faz o sacrifício de um boi e de um carneiro a cada seis passos. Com o povo, exulta, canta e dança “com todas as forças”.

Havia uma festa: a alegria do povo de Deus porque Deus estava com eles. E Davi? Dança. Dança diante do povo, expressa a sua alegria sem sentir vergonha; é a alegria espiritual do encontro com o Senhor: Deus voltou entre nós. E isto nos dá tanta alegria. Davi não pensa que é o rei e que o rei deve ficar distante do povo, a sua majestade - não? -, com a distância... Davi ama o Senhor, está feliz com este evento de conduzir a arca do Senhor. Expressa esta felicidade, esta alegria dançando, e certamente também cantava como todo o povo.

Francisco afirmou que acontece o mesmo com a gente, de sentir alegria “quando estamos com o Senhor” e às vezes, na paróquia, as pessoas fazem festa. E citou outro episódio da história de Israel, quando foi reencontrado o livro da lei no tempo de Neemias e também ali “o povo chorava de alegria”, continuando a festejar inclusive em casa.  

O desprezo pela espontaneidade da alegria

O texto do profeta Samuel continua descrevendo a volta de Davi para sua casa, onde encontra uma das mulheres, Micol, a filha de Saul. Ela o acolhe com desprezo. Vendo o rei dançar, sentiu vergonha dele e o repreendeu dizendo: “Mas não sente vergonha dançando como um vulgar, como alguém do povo?”.
É o desprezo da religiosidade requintada pela espontaneidade da alegria com o Senhor. E Davi explica para ela: “Mas veja, isso foi motivo de alegria. Alegria no Senhor, porque trouxemos a arca para casa!". [Ela] despreza. E diz a Bíblia que essa senhora – se chamava Micol - não teve filhos por isso. O Senhor a puniu. Quando falta a alegria em um cristão, esse cristão não é fecundo; quando falta a alegria em nosso coração, não há fecundidade.

É preciso evangelizadores alegres para seguir em frente

O Papa Francisco observa então que a festa não se expressa apenas espiritualmente, mas se torna partilha. Davi, naquele dia, após a bênção, havia distribuído "um pão de forno para cada um, uma porção de carne assada e torta de uvas", para que cada um festejasse em sua própria casa.
"A Palavra de Deus não se envergonha da festa", afirma Francisco, que acrescenta: "É verdade, às vezes o perigo da alegria é ir além e acreditar que isso é tudo. Não: esta é a atmosfera de festa."
E recorda então que São Paulo VI em sua Exortação Apostólica "Evangelii Nuntiandi", fala desse aspecto e exorta à alegria. E Francisco conclui sua homilia com este pensamento:

“A Igreja não irá em frente. O Evangelho não irá em frente com evangelizadores enfadonhos, amargurados. Não. Somente irá em frente com evangelizadores alegres e cheios de vida. A alegria no receber a Palavra de Deus, a alegria de ser cristãos, a alegria de seguir em frente, a capacidade de festejar sem se envergonhar e não ser como esta senhora, Micol, cristãos formais, cristãos prisioneiros das formalidades".

(vaticannews)