"Não compreenderemos
a Igreja, se olharmos para ela a partir das estruturas, programas e tendências:
entenderemos qualquer coisa dela, mas não o coração. Porque a Igreja tem um
coração de mãe. E nós, filhos, invocamos hoje a Mãe de Deus, que nos reúne como
povo crente. Ó Mãe, gerai em nós a esperança, trazei-nos a unidade. Mulher da
salvação, confiamo-Vos este ano, guardai-o no vosso coração. Nós Vos aclamamos:
Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus!
Homilia do
Santo Padre na Missa da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus
(Basílica de São Pedro, 1
de janeiro de 2020)
«Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o
seu Filho, nascido de uma mulher» (Gal 4, 4). Nascido de uma
mulher: assim veio Jesus. Não apareceu adulto no mundo, mas, como disse o
Evangelho, foi «concebido no seio materno» (Lc 2, 21): aqui, dia
após dia, mês após mês, assumiu a nossa humanidade. No seio duma mulher, Deus e
a humanidade uniram-se para nunca mais se deixarem: mesmo agora, no Céu, Jesus
vive na carne que tomou no seio de sua mãe. Em Deus, há a nossa carne humana!
No primeiro dia do ano, celebramos estas núpcias
entre Deus e o homem, inauguradas no seio de uma mulher. Em Deus, estará para
sempre a nossa humanidade, e Maria será a Mãe de Deus para sempre. É mulher e
mãe: isto é o essencial. D’Ela, mulher, surgiu a salvação e, assim, não há
salvação sem a mulher. N’Ela, Deus uniu-Se a nós e, se queremos unir-nos a Ele,
temos de passar pela mesma estrada: por Maria, mulher e mãe. Por isso,
começamos o ano sob o signo de Nossa Senhora, mulher que teceu a humanidade de
Deus. Se quisermos tecer de humanidade a trama dos nossos dias, devemos
recomeçar da mulher.
Nascido de uma mulher. O renascimento da humanidade começou pela mulher.
As mulheres são fontes de vida; e, no entanto, são continuamente ofendidas,
espancadas, violentadas, induzidas a prostituir-se e a suprimir a vida que
trazem no seio. Toda a violência infligida à mulher é profanação de Deus,
nascido de uma mulher. A salvação chegou à humanidade, a partir do corpo de uma
mulher: pelo modo como tratamos o corpo da mulher, vê-se o nosso nível de
humanidade. Quantas vezes o corpo da mulher acaba sacrificado nos altares
profanos da publicidade, do lucro, da pornografia, explorado como se usa uma
superfície qualquer. Há que libertá-lo do consumismo, deve ser respeitado e
honrado; é a carne mais nobre do mundo: concebeu e deu à luz o Amor que nos
salvou! Ainda hoje a maternidade é humilhada, porque o único crescimento que
interessa é o económico. Há mães que, na busca desesperada de dar um futuro
melhor ao fruto do seu seio, se arriscam a viagens impraticáveis e acabam
julgadas como número excedente por pessoas que têm a barriga cheia, mas de
coisas, e o coração vazio de amor.
Nascido de uma mulher. Segundo a narração da Bíblia, no cume da criação
surge a mulher, quase como compêndio de toda a obra criada. De facto, encerra
em si mesma a finalidade da própria criação: a geração e a conservação da vida,
a comunhão com tudo, a solicitude por tudo. É o que faz Nossa Senhora no
Evangelho de hoje. «Maria – diz o texto – conservava todas estas coisas,
ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19). Conservava tudo: a
alegria pelo nascimento de Jesus e a tristeza pela hospitalidade negada em
Belém; o amor de José e a admiração dos pastores; as promessas e as incertezas
quanto ao futuro. Interessava-se por tudo e, no seu coração, tudo reajustava,
incluindo as adversidades. Pois, no seu coração, tudo organizava com amor e
confiava tudo a Deus.
No Evangelho, esta atividade de Maria reaparece uma
segunda vez: na adolescência de Jesus, diz-se que a «sua mãe guardava todas
estas coisas no seu coração» (Lc 2, 51). Esta repetição faz-nos
compreender que o gesto de guardar no coração não era simplesmente um ato bom
que Nossa Senhora realizava de vez em quando, mas é um hábito d’Ela. É próprio
da mulher tomar a peito a vida. A mulher mostra que o sentido da vida não é
produzir coisas em continuação, mas tomar a peito as coisas que existem. Só vê
bem quem olha com o coração, porque sabe «ver dentro»: a pessoa
independentemente dos seus erros, o irmão independentemente das suas
fragilidades, a esperança nas dificuldades, Deus em tudo.
Ao começarmos um ano novo, interroguemo-nos: «Sei
olhar as pessoas, com o coração? Tenho a peito as pessoas com quem vivo? E
sobretudo tenho no centro do coração o Senhor?» Somente se tivermos a peito a
vida é que saberemos cuidar dela e vencer a indiferença que
nos rodeia. Peçamos esta graça: viver o ano com o desejo de ter a peito os
outros, cuidar dos outros. E se queremos um mundo melhor, que seja casa de paz
e não palco de guerra, tenhamos a peito a dignidade de cada mulher. Da mulher,
nasceu o Príncipe da paz. A mulher é doadora e medianeira de paz, e deve ser
plenamente associada aos seus processos decisores. Com efeito, quando é dada às
mulheres a possibilidade de transmitir os seus dons, o mundo encontra-se mais
unido e mais em paz. Por isso, uma conquista a favor da mulher é uma conquista
em prol da humanidade inteira.
Nascido de uma mulher. Jesus, logo que nasceu, espelhou-Se nos olhos
duma mulher, no rosto de sua Mãe. D’Ela recebeu as primeiras carícias, com Ela
trocou os primeiros sorrisos. Com Ela, inaugurou a revolução da ternura; a
Igreja, ao contemplar o Menino Jesus, é chamada a continuá-la. Pois também ela,
como Maria, é mulher e mãe, e encontra em Nossa Senhora os seus traços
caraterísticos. Vê-A imaculada e sente-se chamada a dizer «não» ao pecado e ao
mundanismo. Vê-A fecunda e sente-se chamada a anunciar o Senhor, a gerá-Lo nas
inúmeras vidas. Vê-A mãe e sente-se chamada a acolher cada homem como um filho.
Aproximando-se de Maria, a Igreja reencontra-se:
encontra o seu centro e a sua unidade. Ao contrário o diabo, inimigo da
natureza humana, procura dividi-la, colocando em primeiro plano as diferenças,
as ideologias, os pensamentos unilaterais e os partidos. Mas não
compreenderemos a Igreja, se olharmos para ela a partir das estruturas,
programas e tendências: entenderemos qualquer coisa dela, mas não o coração.
Porque a Igreja tem um coração de mãe. E nós, filhos, invocamos hoje a Mãe de
Deus, que nos reúne como povo crente. Ó Mãe, gerai em nós a esperança,
trazei-nos a unidade. Mulher da salvação, confiamo-Vos este ano, guardai-o no
vosso coração. Nós Vos aclamamos: Santa Mãe de Deus, Santa Mãe de Deus, Santa
Mãe de Deus!
(vaticannews)
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