Homilia
Ao pronunciar a homilia na missa que, pela primeira vez, celebra
o Domingo da Palavra de Deus, Francisco nos encorajou novamente a ler o
Evangelho todos os dias. A cerimônia foi instituída no ano passado e, neste
domingo (26), foi celebrada para fortalecer e recuperar a identidade cristã,
através da familiaridade com a Bíblia: “vamos ler diariamente qualquer
versículo”, trazendo o Evangelho no bolso ou mesmo lendo pelo celular, disse o
Papa.
Andressa Collet – Cidade do Vaticano
Pela primeira vez a
Igreja celebrou o Domingo da Palavra de Deus dedicado ao estudo e à difusão do
Evangelho. Esse dia é celebrado sempre no III Domingo do Tempo Comum, desde a
instituição do Papa em setembro de 2019, para fortalecer e recuperar a
identidade cristã, através da familiaridade com a Bíblia.
Na homilia deste domingo
(26), na Basílica de São Pedro, Francisco se inspirou nas leituras do dia para
voltar às origens da pregação de Jesus, que relata como, onde e a quem começou
a pregar.
"1. Como
iniciou? Com uma frase muito simples: «Convertei-vos, porque está
próximo o Reino do Céu» (4, 17). Esta é a base de todos os seus discursos:
dizer-nos que o Reino do Céu está próximo. E que significa isto? Por Reino do
Céu, entende-se o reino de Deus, ou o seu modo de reinar, de situar-se
relativamente a nós. Ora Jesus diz-nos que o Reino do Céu está próximo,
que Deus está próximo. Aqui está a novidade, a primeira mensagem: Deus não está
longe, Aquele que habita nos céus desceu à terra, fez-Se homem. Removeu as
barreiras, eliminou as distâncias. Não é mérito nosso: Ele desceu, veio ao
nosso encontro.
É uma mensagem de
alegria: Deus veio pessoalmente visitar-nos, fazendo-Se homem. Não tomou a
nossa condição humana por um sentido de dever, mas por amor. Amorosamente tomou
a nossa humanidade, porque toma-se aquilo que se ama. E Deus tomou a nossa
humanidade, porque nos ama e, gratuitamente, quer-nos dar a salvação que,
sozinhos, não poderíamos obter. Deseja estar connosco, dar-nos o encanto de
viver, a paz do coração, a alegria de ser perdoados e nos sentirmos amados.
Deste modo compreendemos
o convite que nos dirigiu Jesus: «convertei-vos», isto é, «mudai de vida».
Mudai de vida, porque começou um modo novo de viver: acabou o tempo de viver
para si mesmo, começou o tempo de viver com Deus e para Deus, com os outros e
para os outros, com amor e por amor. Hoje Jesus repete o mesmo a ti:
«Coragem, estou próximo
de ti, dá-Me espaço e a tua vida mudará!» É para isto que o Senhor te dá a sua
Palavra: para que a recebas como a carta de amor que escreveu para ti, para
fazer-te sentir que Ele está junto de ti. A sua Palavra consola-nos e
encoraja-nos; ao mesmo tempo provoca a conversão, nos desperta, liberta-nos da
paralisia do egoísmo. Pois a sua Palavra tem este poder: o poder de mudar a
vida, de fazer passar da escuridão à luz. Essa é a força da sua Palavra.
2. Se
observarmos onde Jesus começou a pregar, descobrimos que o fez
precisamente a partir das regiões então consideradas «tenebrosas». De facto, a
primeira Leitura e o Evangelho falam-nos daqueles que jaziam «na sombria região
da morte»: são os habitantes da «terra de Zabulão e Neftali, caminho do mar,
região de além do Jordão, Galileia dos gentios» (Mt 4, 15-16;
cf. Is 8, 23 - 9, 1). Galileia dos gentios: assim se chamava a
região onde Jesus começou a pregar, porque estava habitada por pessoas muito
diferentes entre si formando uma verdadeira amálgama de povos, línguas e
culturas. De facto, era o caminho do mar, que constituía uma encruzilhada. Lá
viviam pescadores, comerciantes e estrangeiros: não era de certeza o lugar onde
se encontrava o povo eleito na sua pureza religiosa melhor. E, no entanto,
Jesus começou de lá: não do átrio do templo de Jerusalém, mas do lado oposto do
país, da Galileia dos gentios, dum local de fronteira, duma periferia.
Disto mesmo podemos tirar
uma lição: a Palavra que salva não procura lugares refinados, esterilizados,
seguros. Vem à complicação dos nossos dias, às nossas obscuridades. Hoje, como
então, Deus deseja visitar aqueles lugares, onde se pensa que lá Ele não vai.
Quantas vezes, porém, somos nós que fechamos a porta, preferindo manter
escondidas as nossas confusões, opacidades e duplicidades. Ocultamo-las dentro
de nós, enquanto vamos encontrar o Senhor com qualquer oração formal, tendo
cuidado para que a sua verdade não nos abale intimamente. E essa é uma
hipocrisia oculta. Mas Jesus – como diz o Evangelho de hoje – «começou a
percorrer toda a Galileia, (…) proclamando o Evangelho do
Reino e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades» (4, 23): atravessava toda aquela
região multiforme e complexa. De igual modo, não tem medo de explorar os nossos
corações, os nossos lugares mais rudes e difíceis. Jesus sabe que apenas o seu
perdão nos cura, apenas a sua presença nos transforma, apenas a sua Palavra nos
renova. A Ele que percorreu o caminho do mar, abramos os nossos caminhos mais
tortuosos: deixemos entrar em nós a sua Palavra, que é «viva, eficaz e mais
afiada que uma espada de dois gumes; (…) discerne os sentimentos e intenções do
coração» (Heb 4, 12).
3. Por
fim, a quem começou Jesus a falar? Narra o Evangelho que Ele,
«caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos (…) que lançavam as
redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: “Vinde comigo e Eu farei de vós
pescadores de homens”» (Mt 4, 18-19). Os primeiros destinatários da
chamada foram pescadores: não pessoas atentamente selecionadas com base nas
suas capacidades, nem homens piedosos que estavam no templo a rezar, mas gente
comum que trabalhava. Pessoas normais, que trabalhavam.
Notemos o que lhes diz
Jesus: farei de vós pescadores de homens. Fala a pescadores e usa
uma linguagem que eles compreendem. Atrai-os a partir da sua vida: chama-os
onde estão e como são, para os envolver na própria missão d’Ele. «E eles
deixaram as redes imediatamente e seguiram-No» (4, 20). Porquê imediatamente?
Simplesmente porque se sentiram atraídos. Não aparecem despachados e prontos
por ter recebido uma ordem, mas porque foram atraídos pelo amor. Para seguir a
Jesus, não bastam os bons propósitos; é preciso ouvir dia a dia a sua chamada.
Só Ele, que nos conhece e ama profundamente, leva a fazer-nos ao largo no mar
da vida, como fez com os discípulos que O escutaram.
Por isso, precisamos da
sua Palavra: precisamos de escutar, no meio das infindas palavras de cada dia,
a única Palavra que não nos fala de coisas, mas de vida.
Queridos irmãos e irmãs,
demos espaço à Palavra de Deus! Leiamos diariamente qualquer versículo da
Bíblia. Comecemos pelo Evangelho: mantenhamo-lo aberto na cómoda de casa,
tragamo-lo connosco no bolso, visualizemo-lo no telemóvel, deixemos que nos
inspire todos os dias. Descobriremos que Deus está perto de nós, ilumina as
nossas trevas, amorosamente impele para o largo a nossa vida."
(vaticannews)
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