domingo, 26 de janeiro de 2020

Papa: vamos dar espaço à Palavra de Deus, lendo diariamente a Bíblia, inclusive no celular


Homilia
Ao pronunciar a homilia na missa que, pela primeira vez, celebra o Domingo da Palavra de Deus, Francisco nos encorajou novamente a ler o Evangelho todos os dias. A cerimônia foi instituída no ano passado e, neste domingo (26), foi celebrada para fortalecer e recuperar a identidade cristã, através da familiaridade com a Bíblia: “vamos ler diariamente qualquer versículo”, trazendo o Evangelho no bolso ou mesmo lendo pelo celular, disse o Papa.

Andressa Collet – Cidade do Vaticano

Pela primeira vez a Igreja celebrou o Domingo da Palavra de Deus dedicado ao estudo e à difusão do Evangelho. Esse dia é celebrado sempre no III Domingo do Tempo Comum, desde a instituição do Papa em setembro de 2019, para fortalecer e recuperar a identidade cristã, através da familiaridade com a Bíblia.
Na homilia deste domingo (26), na Basílica de São Pedro, Francisco se inspirou nas leituras do dia para voltar às origens da pregação de Jesus, que relata como, onde e a quem começou a pregar.

"1.    Como iniciou? Com uma frase muito simples: «Convertei-vos, porque está próximo o Reino do Céu» (4, 17). Esta é a base de todos os seus discursos: dizer-nos que o Reino do Céu está próximo. E que significa isto? Por Reino do Céu, entende-se o reino de Deus, ou o seu modo de reinar, de situar-se relativamente a nós. Ora Jesus diz-nos que o Reino do Céu está próximo, que Deus está próximo. Aqui está a novidade, a primeira mensagem: Deus não está longe, Aquele que habita nos céus desceu à terra, fez-Se homem. Removeu as barreiras, eliminou as distâncias. Não é mérito nosso: Ele desceu, veio ao nosso encontro. 
É uma mensagem de alegria: Deus veio pessoalmente visitar-nos, fazendo-Se homem. Não tomou a nossa condição humana por um sentido de dever, mas por amor. Amorosamente tomou a nossa humanidade, porque toma-se aquilo que se ama. E Deus tomou a nossa humanidade, porque nos ama e, gratuitamente, quer-nos dar a salvação que, sozinhos, não poderíamos obter. Deseja estar connosco, dar-nos o encanto de viver, a paz do coração, a alegria de ser perdoados e nos sentirmos amados.
Deste modo compreendemos o convite que nos dirigiu Jesus: «convertei-vos», isto é, «mudai de vida». Mudai de vida, porque começou um modo novo de viver: acabou o tempo de viver para si mesmo, começou o tempo de viver com Deus e para Deus, com os outros e para os outros, com amor e por amor. Hoje Jesus repete o mesmo a ti:
«Coragem, estou próximo de ti, dá-Me espaço e a tua vida mudará!» É para isto que o Senhor te dá a sua Palavra: para que a recebas como a carta de amor que escreveu para ti, para fazer-te sentir que Ele está junto de ti. A sua Palavra consola-nos e encoraja-nos; ao mesmo tempo provoca a conversão, nos desperta, liberta-nos da paralisia do egoísmo. Pois a sua Palavra tem este poder: o poder de mudar a vida, de fazer passar da escuridão à luz. Essa é a força da sua Palavra.

2.    Se observarmos onde Jesus começou a pregar, descobrimos que o fez precisamente a partir das regiões então consideradas «tenebrosas». De facto, a primeira Leitura e o Evangelho falam-nos daqueles que jaziam «na sombria região da morte»: são os habitantes da «terra de Zabulão e Neftali, caminho do mar, região de além do Jordão, Galileia dos gentios» (Mt 4, 15-16; cf. Is 8, 23 - 9, 1). Galileia dos gentios: assim se chamava a região onde Jesus começou a pregar, porque estava habitada por pessoas muito diferentes entre si formando uma verdadeira amálgama de povos, línguas e culturas. De facto, era o caminho do mar, que constituía uma encruzilhada. Lá viviam pescadores, comerciantes e estrangeiros: não era de certeza o lugar onde se encontrava o povo eleito na sua pureza religiosa melhor. E, no entanto, Jesus começou de lá: não do átrio do templo de Jerusalém, mas do lado oposto do país, da Galileia dos gentios, dum local de fronteira, duma periferia.
Disto mesmo podemos tirar uma lição: a Palavra que salva não procura lugares refinados, esterilizados, seguros. Vem à complicação dos nossos dias, às nossas obscuridades. Hoje, como então, Deus deseja visitar aqueles lugares, onde se pensa que lá Ele não vai. Quantas vezes, porém, somos nós que fechamos a porta, preferindo manter escondidas as nossas confusões, opacidades e duplicidades. Ocultamo-las dentro de nós, enquanto vamos encontrar o Senhor com qualquer oração formal, tendo cuidado para que a sua verdade não nos abale intimamente. E essa é uma hipocrisia oculta. Mas Jesus – como diz o Evangelho de hoje – «começou a percorrer toda a Galileia, (…) proclamando o Evangelho do Reino e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades» (4, 23): atravessava toda aquela região multiforme e complexa. De igual modo, não tem medo de explorar os nossos corações, os nossos lugares mais rudes e difíceis. Jesus sabe que apenas o seu perdão nos cura, apenas a sua presença nos transforma, apenas a sua Palavra nos renova. A Ele que percorreu o caminho do mar, abramos os nossos caminhos mais tortuosos: deixemos entrar em nós a sua Palavra, que é «viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; (…) discerne os sentimentos e intenções do coração» (Heb 4, 12).

3.    Por fim, a quem começou Jesus a falar? Narra o Evangelho que Ele, «caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos (…) que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes: “Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens”» (Mt 4, 18-19). Os primeiros destinatários da chamada foram pescadores: não pessoas atentamente selecionadas com base nas suas capacidades, nem homens piedosos que estavam no templo a rezar, mas gente comum que trabalhava. Pessoas normais, que trabalhavam.
Notemos o que lhes diz Jesus: farei de vós pescadores de homens. Fala a pescadores e usa uma linguagem que eles compreendem. Atrai-os a partir da sua vida: chama-os onde estão e como são, para os envolver na própria missão d’Ele. «E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-No» (4, 20). Porquê imediatamente? Simplesmente porque se sentiram atraídos. Não aparecem despachados e prontos por ter recebido uma ordem, mas porque foram atraídos pelo amor. Para seguir a Jesus, não bastam os bons propósitos; é preciso ouvir dia a dia a sua chamada. Só Ele, que nos conhece e ama profundamente, leva a fazer-nos ao largo no mar da vida, como fez com os discípulos que O escutaram.
Por isso, precisamos da sua Palavra: precisamos de escutar, no meio das infindas palavras de cada dia, a única Palavra que não nos fala de coisas, mas de vida.

Queridos irmãos e irmãs, demos espaço à Palavra de Deus! Leiamos diariamente qualquer versículo da Bíblia. Comecemos pelo Evangelho: mantenhamo-lo aberto na cómoda de casa, tragamo-lo connosco no bolso, visualizemo-lo no telemóvel, deixemos que nos inspire todos os dias. Descobriremos que Deus está perto de nós, ilumina as nossas trevas, amorosamente impele para o largo a nossa vida."

(vaticannews)

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