sábado, 24 de setembro de 2022

Palavra de Vida – setembro 2022

 


“De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número” (1Cor 9,19)


A Palavra de vida deste mês é retirada da Primeira Carta de Paulo aos cristãos de Corinto. Ele encontrava-se em Éfeso e, através destas suas palavras, procurou dar uma série de respostas aos problemas da comunidade grega de Corinto, cidade cosmopolita e grande centro comercial, famosa pelo templo de Afrodite mas também pela proverbial corrupção. Os destinatários da carta tinham-se convertido, alguns anos antes, do paganismo à fé cristã graças à pregação do apóstolo. Uma das controvérsias que dividia a comunidade era sobre se se podia ou não consumir as carnes dos ritos pagãos sacrificadas aos ídolos. Evidenciando a liberdade que temos em Cristo, Paulo faz uma ampla reflexão sobre o modo como se comportar diante de certas escolhas e concentra-se, de modo especial, sobre o conceito de liberdade.

“De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número”


Uma vez que os cristãos sabem «que um ídolo nada é no mundo, e que ninguém é Deus senão um só» (8,4), é indiferente comer ou não as carnes sacrificadas aos ídolos. Contudo, a questão surge quando um cristão se encontra na presença de quem ainda não possui esta compreensão, este conhecimento da fé, e o seu comportamento pode escandalizar uma consciência frágil. Quando estão em jogo o conhecimento e o amor, para Paulo não há dúvidas: o discípulo deve escolher o amor, mesmo renunciando à própria liberdade, tal como fez Cristo que livremente se fez servo por amor. A atenção prestada ao irmão frágil, àqueles que têm uma consciência frágil e pouco conhecimento das coisas, é fundamental. O objetivo é “ganhar”, no sentido de fazer chegar ao maior número de pessoas a vida boa e bela do Evangelho.

“De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número”


Como escreveu Chiara Lubich: «Se estamos incorporados em Cristo, se somos Cristo, fomentar divisões, pensamentos conflituosos, é dividir Cristo. […] Quando entre os primeiros cristãos havia o perigo de quebrar a concórdia, aconselhava-se ceder nas próprias ideias, contanto que fosse mantida a caridade. […] É o que acontece também hoje: por vezes, mesmo estando convencidos que um certo modo de pensar é o melhor, o Senhor sugere-nos que é melhor ceder nas próprias ideias para salvar a caridade com todos. É melhor o menos perfeito, estando em concórdia com os outros, do que o mais perfeito na discórdia. Este vergar em vez de quebrar é uma das caraterísticas – talvez dolorosas, mas também mais eficazes e abençoadas por Deus – que mantêm a unidade segundo o mais autêntico pensamento de Cristo e, por consequência, sabe apreciar o seu valor»[1].


“De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número”


A experiência do Cardeal vietnamita François-Xavier Van Thuân, que esteve treze anos preso, nove dos quais em total isolamento, testemunha que quando o amor é verdadeiro e desinteressado suscita como resposta também o amor. Durante o período na prisão, ele estava entregue a cinco guardas. Os superiores ordenaram que fossem substituídos de quinze em quinze dias para não serem “contaminados” pelo Bispo. Por fim, decidiram deixar sempre os mesmos guardas, caso contrário teria “contaminado” todos os polícias da prisão. Ele próprio contou: «No início, os guardas não falavam comigo. Apenas respondiam sim e não. […] Uma noite tive este pensamento: “Francisco, tu tens ainda uma grande riqueza, tens o amor de Jesus no teu coração; ama-os como Jesus te amou”. No dia seguinte comecei a estimá-los ainda mais, a amar Jesus em cada um deles, sorrindo, falando-lhes com gentileza. […] Pouco a pouco, tornámo-nos amigos»[2]. Com a ajuda dos seus carcereiros, fez na prisão a sua cruz peitoral, formada por pedaços de madeira e uma corrente de metal, que usou depois até à morte: símbolo da amizade que nasceu entre eles.

Văn Thuận nasceu em 1928, numa família católica e morreu em Roma em 2002. A 15 de agosto de 1975, pouco depois de ter sido nomeado pelo papa Paulo VI arcebispo coadjutor de Saigão, foi preso pelas autoridades vietnamitas. Começou assim o seu atribulado percurso, ao longo de 13 anos, entre prisão domiciliária, celas de isolamento, campos de concentração e vários tipos de tortura. Viveu sempre iluminado por uma inabalável esperança. 

Letizia Magri


[1] C. Lubich, A arte de amar, Cidade Nova, Abrigada 2006, pp. 120-121. [2] F.X. Nguyễn Văn Thuận, Testemunhas da esperança, Gráfica de Coimbra 2002.


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