segunda-feira, 4 de setembro de 2023

ENCONTRO COM OS AGENTES DA CARIDADE (Texto)

 VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO

À MONGÓLIA

[31 de agosto - 4 de setembro 2023]

    ENCONTRO COM OS AGENTES DA CARIDADE

E INAUGURAÇÃO DA CASA DE MISERICÓRDIA  

 DISCURSO DO SANTO PADRE

Ulaanbaatar

Segunda-feira, 4 de setembro de 2023


Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

De coração vos agradeço o acolhimento, o canto, a dança, a saudação de boas-vindas e os vossos testemunhos. Creio que estes se podem resumir nas seguintes palavras de Jesus: «Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me de beber» (Mt 25, 35). Assim nos ofereceu, o Senhor, o critério para O reconhecermos, para O reconhecermos presente no mundo, e a condição para entrarmos na alegria definitiva do seu Reino no momento do Juízo Final.

Esta verdade foi tomada a sério pela Igreja desde as suas origens, demonstrando nos factos que a dimensão caritativa está na base da sua identidade. A dimensão caritativa está na base da identidade da Igreja. Penso nas narrações dos Atos dos Apóstolos, com as numerosas iniciativas tomadas pela primeira comunidade cristã para realizar as palavras de Jesus, dando vida a uma Igreja construída sobre quatro colunas: comunhão, liturgia, serviço e testemunho. É maravilhoso ver que, depois de tantos séculos, o mesmo espírito permeia a Igreja na Mongólia: na sua pequenez, vive de comunhão fraterna, oração, serviço desinteressado à humanidade sofredora e testemunho da própria fé. Precisamente como as quatro colunas das grandes ger, que sustentam o cone central superior, permitindo que a estrutura se aguente de pé e proporcione dentro dela um espaço acolhedor.

E aqui estamos dentro desta casa que construístes e que hoje tenho a alegria de benzer e inaugurar. É uma expressão concreta daquele cuidar do outro que identifica os cristãos; porque, onde há acolhimento, hospitalidade e abertura ao outro, respira-se o bom odor de Cristo (cf. 2 Cor 2, 15). Desde o início que se encontra, nesta dinâmica porção do Povo de Deus, o gastar-se pelo próximo, pela sua saúde, suas necessidades primárias, sua formação e cultura. Desde que os primeiros missionários chegaram a Ulaanbaatar, na década de 1990, sentiram imediatamente o apelo à caridade, que os levou a cuidar da infância abandonada, irmãos e irmãs sem abrigo, doentes, pessoas portadoras de deficiência, reclusos e quantos na sua condição de sofrimento pediam para ser acolhidos.

Hoje vemos como daquelas raízes cresceu um tronco, brotaram ramos e desabrocharam muitos frutos: numerosas e louváveis iniciativas de beneficência que se desenvolveram em projetos de longo prazo, sustentados na sua maioria pelos vários Institutos missionários aqui presentes e apreciados pela população e pelas autoridades civis. Aliás, fora o próprio Governo mongol que pediu a ajuda dos missionários católicos para enfrentar as numerosas emergências sociais dum país que então se encontrava numa delicada fase de transição política, marcada por pobreza generalizada. Ainda hoje estão envolvidos nestes projetos missionários e missionárias de tantos países, que colocam ao serviço da sociedade mongol os seus conhecimentos, a sua experiência, os seus recursos e sobretudo o seu amor. Para eles e quantos mais apoiam estas numerosas obras de bem-fazer, vai a minha admiração e o meu mais sentido «obrigado».

A Casa da Misericórdia propõe-se como ponto de referência para uma multiplicidade de intervenções sociocaritativas, mãos estendidas aos irmãos e irmãs que lutam para enfrentar os problemas da vida. É uma espécie de porto onde podem atracar, onde encontram escuta e compreensão. Mas esta nova iniciativa, se, por um lado, vem juntar-se a tantas outras sustentadas pelas várias instituições católicas, por outro, representa uma versão inédita: aqui, de facto, é a Igreja particular que dirige a obra, na sinergia de todos os componentes missionários, mas com uma clara identidade local, genuína expressão da Prefeitura Apostólica como um todo. E gosto muito do nome que lhe quisestes dar: Casa da Misericórdia. No binómio «casa» e «misericórdia», temos a definição da Igreja, chamada a ser morada acolhedora onde todos podem experimentar um amor superior, que toca e comove o coração: o amor terno e providente do Pai, que nos quer irmãos, que nos quer irmãs na sua casa. Espero, pois, que possais todos vós congregar-vos à volta desta realização, que nela participem ativamente as várias comunidades missionárias, empenhando pessoal e recursos.

Para a concretização disto, é indispensável o voluntariado, ou seja, o serviço gratuito e desinteressado que as pessoas decidem livremente oferecer a quem é necessitado: não na base duma compensação financeira ou qualquer forma de retribuição individual, mas por puro amor ao próximo. Tal é o estilo de serviço que Jesus nos ensinou, dizendo: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8). Este modo de servir parece uma aposta perdedora, mas, quando apostamos, descobre-se que aquilo que se dá sem esperar retribuição não é desperdiçado; pelo contrário, torna-se uma grande riqueza para quem oferece tempo e energias. De facto, a gratuidade torna leve o espírito, cura as feridas do coração, aproxima de Deus, descerra a fonte da alegria e mantém intimamente jovem. Neste país cheio de jovens, dedicar-se ao voluntariado pode ser uma via decisiva de crescimento pessoal e social.

Pode-se constatar também que, mesmo nas sociedades altamente tecnológicas e com um elevado padrão de vida, o sistema de segurança social por si só não é suficiente para fornecer todos os serviços aos cidadãos; requerem-se ainda grupos de voluntários e voluntárias que dediquem tempo, capacidades e recursos por amor do outro. Com efeito, o verdadeiro progresso das nações não se mede pela riqueza económica e menos ainda pelo valor investido na força ilusória dos armamentos, mas pela capacidade de prover à saúde, à educação e ao crescimento integral do povo. Quero, pois, encorajar todos os cidadãos mongóis, conhecidos pela sua magnanimidade e capacidade de abnegação, a empenharem-se no voluntariado, colocando-se à disposição dos outros. Aqui, na Casa da Misericórdia, tendes um «ginásio» sempre aberto onde é possível exercitar os vossos desejos de bem-fazer e treinar o coração.

Gostava, enfim, de dissipar alguns «mitos». Em primeiro lugar, o mito segundo o qual só as pessoas ricas se podem comprometer no voluntariado. É uma “ilusão”. A realidade aponta para o contrário: não é preciso ser rico para fazer bem; aliás, são quase sempre as pessoas comuns que dedicam tempo, conhecimentos e coração para cuidar dos outros. Um segundo mito a dissipar: a Igreja Católica, que se distingue no mundo pelo seu grande empenho em obras de promoção social, não o faz por proselitismo, como se cuidar do outro fosse uma forma de convencer visando atrair «para o seu lado». Não é isso! A Igreja não avança através do proselitismo, avança através da atração. Os cristãos identificam a pessoa necessitada e fazem todo o possível por aliviar as suas tribulações, porque nela veem Jesus, o Filho de Deus, e n’Ele a dignidade de cada pessoa, chamada a ser filho ou filha de Deus. Apraz-me imaginar esta Casa da Misericórdia como o lugar onde pessoas de diferentes «credos» e mesmo não-crentes unem os seus esforços aos dos católicos locais para socorrer compassivamente tantos irmãos e irmãs em humanidade. A palavra é esta: compaixão, a capacidade de sofrer com o outro. E isto o Estado saberá adequadamente preservar e promover. Com efeito, para que este sonho se torne realidade é indispensável, aqui e em toda a parte, que os responsáveis públicos apoiem estas iniciativas humanitárias, dando provas duma virtuosa sinergia em prol do bem comum. Por fim, um terceiro mito a dissipar: os únicos que contariam seriam os meios económicos, como se a única forma de cuidar do outro fosse o recurso a pessoal assalariado e o investimento em grandes estruturas. Claro que a caridade exige profissionalismo, mas as iniciativas de beneficência não devem tornar-se empresas, mas conservar o frescor de obras de caridade, onde o necessitado encontra pessoas capazes de escuta, capazes de compaixão, independentemente de qualquer compensação.

Por outras palavras, indispensável para fazer verdadeiramente o bem é um coração bom, um coração decidido a procurar aquilo que é melhor para o outro. Comprometer-se apenas por remuneração não é verdadeiro amor; só o amor vence o egoísmo e faz avançar o mundo. A propósito gostava de concluir recordando um episódio ligado a Santa Teresa de Calcutá. Uma vez um jornalista, vendo-a curvada sobre a ferida mal odorante dum paciente, disse-lhe: «Aquilo que fazeis é belíssimo, mas eu pessoalmente não o faria nem por um milhão de dólares». Madre Teresa sorriu e respondeu: «Por um milhão de dólares, eu também não! Faço-o por amor de Deus!» Rezo para que este estilo de gratuidade seja a mais-valia da Casa da Misericórdia. Por todo o bem que fizestes e fareis, eu vos agradeço de coração – obrigado, muito obrigado! – e vos abençoo. E, por favor, tende também a caridade de rezar por mim. Obrigado.


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