quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Os sacerdotes filhos de mães muçulmanas: famílias inter-religiosas, uma característica da Indonésia

 

 

Cinquenta e seis sacerdotes diocesanos de toda a Indonésia participaram de um programa nacional de formação contínua organizado pela Associação de Padres Diocesanos da Indonésia (UNINDO) em Yogyakarta, Java Central. 

 

As histórias de vida de quatro sacerdotes indonésios de famílias inter-religiosas, "mostram que as diferenças não são barreiras, que a vida espiritual é sempre uma riqueza, que o vínculo familiar é dom de Deus e é forte. A batina e o véu não são obstáculos à harmonia, mas indicadores de fraternidade”. Entre esses, há um sacerdote verbita pároco no Brasil.

por Paolo Affatato

Falando da celebração pela sua ordenação episcopal, dom Ciprianus Hormat, bispo de Ruteng, na ilha indonésia de Flores, menciona quase que en passant a ampla e entusiástica participação dos seus “parentes muçulmanos”. Sinal eloquente de como as famílias “inter-religiosas” representam uma realidade difundida e bem presente na sociedade indonésia. Uma realidade em que se experimenta na vida quotidiana uma aptidão para acolher a experiência espiritual do outro, seja ela qual for: mesmo quando se trata de crianças, que podem escolher uma fé diferente da da sua própria família.

“Isto acontece também quando se trata de respeitar e não criar obstáculo à vocação à vida sacerdotal e religiosa, que no entanto é acolhida como dom pelos pais ou familiares que professam o Islã ou uma fé diferente”, observa o bispo de Ruteng. “A prevalecer são os laços familiares e, em nível espiritual, há um profundo respeito pela fé de cada um dos parentes, na consciência de que a harmonia é um dom precioso a ser preservado”, observa.

Um caso exemplar diz respeito aos sacerdotes nascidos de casais em que um ou ambos os pais não são católicos: as histórias de vida de quatro sacerdotes indonésios de famílias inter-religiosas, "mostram que as diferenças não são barreiras, que a vida espiritual é sempre uma riqueza, que o vínculo familiar é dom de Deus e é forte. A batina e o véu não são obstáculos à harmonia, mas indicadores de fraternidade”, observa o prelado, citando a história de dois religiosos Verbitas, padre Robertus Belarminus Asiyanto e padre Agustín Horowura, ambos naturais da ilha das Flores; de padre Mayolus Jefrigus Ghoba, de Sumba; de padre Edi Prasetyo, sacerdote indonésio de honiano (da Congregação do Sagrado Coração de Jesus), ordenado sacerdote na vizinha Malásia com outros irmãos da sua congregação.

Flores, a ilha das vocações na Indonésia

Em Flores, ilha indonésia no leste do arquipélago, na província de Nusa Tenggara, tem início a história de Robertus Belarminus Asiyanto, que em 2015, aos 31 anos, foi ordenado sacerdote no Seminário St. Paul Ledalero, em Maumere.

No arquipélago do Sudeste Asiático conhecido por ser o país de maioria islâmica mais populoso do mundo, com mais de 275 milhões de habitantes, 85% muçulmanos, Flores é considerada “o coração católico da Indonésia” pois, entre as 17 mil ilhas, constitui uma exceção: é uma ilha de maioria católica onde, de cerca de 4 milhões de habitantes, os católicos representam 80%. Flores é ilha onde os Seminários Maiores e Menores estão repletos de jovens e as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada são uma riqueza universalmente reconhecida. Até o Papa Francisco, na homilia da Missa do Dia da Vida Consagrada de 2022, disse, falando de improviso, que, perante a crise vocacional, se poderia ir “para a ilha da Indonésia (Flores, precisamente, ndr. ) para encontrá-las."

A bênção da mãe muçulmana na ordenação

A mãe de Asiyanto, Siti Asiyah, como muçulmana, deu sua bênção e o seu apoio ao filho. Na celebração da ordenação usava roupas islâmicas, incluindo o hijab e estave presente ao seu lado na procissão de entrada, com os outros pais. A mulher colocou as mãos na cabeça do filho e disse que estava muito feliz em ver seu filho ordenado sacerdote católico.

Naquele dia, todos os presentes aplaudiram o seu gesto e a sua afirmação pública, pronunciada com emoção enquanto assistia aos ritos de ordenação. Asiyanto é católico desde criança, com o consentimento de ambos os pais. Com forte desejo de prosseguir a vocação sacerdotal, dirigiu-se ao Seminário dos Verbitas e pediu a bênção de sua mãe. Ela disse: “Segue o teu coração”. Uma mãe que criou o seu filho tendo bem presente “o maior dom, a liberdade de se tornar sacerdote”, diz hoje pe. Robertus.

Filho de pai católico e mãe muçulmana, hoje é pároco no Brasil

Padre Agustin Horowura, sacerdote e missionário indonésio de trinta anos, também pertence à Sociedade do Verbo Divino e hoje é pároco no Brasil. A sua vocação também começou em Flores e cresceu no Seminário dos Padres Verbitas da Diocese de Maumere (uma das cinco dioceses de Flores). Desde jovem sentiu o desejo de “pertencer completamente a Deus”. Ele contou ao pai, católico, e à mãe, muçulmana. E a mulher, desde sua infância, acompanhava-o à paróquia católica para frequentar o catecismo, atendendo ao seu pedido de seguir a preparação para a Primeira Comunhão e depois a Crisma. Não hesitou, então, em acertar com o reitor a sua entrada no Seminário: Agustín queria ser padre.

Depois de um caminho em que os seus pais sempre o apoiaram, no dia da sua ordenação sacerdotal a família de Agustín, tios e tias católicos, avós, parentes e amigos muçulmanos, reuniram-se partilhando a alegria de uma escolha de vida que é considerada um dom precioso para todos, cristãos ou muçulmanos, porque “na Indonésia a presença de famílias com membros que professam confissões diferentes é vivida com grande naturalidade, sem qualquer preconceito ou sem que isso represente um problema”, afirma o pároco, agradecendo “ao meu pai, à minha mãe, todos os meus familiares católicos e muçulmanos: o seu apoio fortaleceu os meus passos”. Hoje ele sente “uma alegria imensa ao pensar na minha ordenação sacerdotal, porque vejo a minha família unida e todos os familiares muçulmanos que quiseram participar e alegrar-se comigo, na igreja e na festa”.

Na ordenação, comunhão espiritual com parentes muçulmanos

Também na ilha de Sumba, uma das Pequenas Ilhas da Sonda, padre Frederikus Mayolus Jefrigus Ghoba fala da “atmosfera de comunhão espiritual compartilhada com seus parentes muçulmanos quando foi ordenado sacerdote na Catedral de Waitabula”. O forte vínculo humano e espiritual, diz ele, ainda perdura e se fortalece com o passar dos anos.

Padre Edi Prasetyo SCJ, sacerdote católico da Congregação do Sagrado Coração de Jesus (Dehonaiani) lembra com emoção o abraço com sua avó, muçulmana fervorosa, presente na Missa de ordenação realizada na Malásia com outros confrades em 2019 e conta: “Todos membros da família alargada e os parentes das famílias de ambos os pais, cristãos e muçulmanos, estavam presentes nessas celebrações e em tantas outras, para imensa alegria de todos”.

A religiosa católica e sua devota irmã muçulmana

Famílias islâmico-cristãs são encontradas espalhadas por todo o país. Na ilha de Sumatra, onde a situação social e religiosa é muito diferente daquela de Flores e os cristãos são uma pequena minoria, a história de duas irmãs gêmeas que percorreram dois caminhos diferentes chamou a atenção e ofereceu um exemplo de convivência e de amor profundo: uma é muçulmana devota, segue as práticas da sua fé e participa na peregrinação a Meca; a outra, Irmã Tarcisiana M., é católica e ingressou na Congregação das Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração em Merauke, na Papua indonésia, onde trabalha em um orfanato. Ambas têm um amor visceral uma pela outra, vivem boas relações na família que continua a ser o lugar acolhedor onde regressam para vivenciar o amor reciproco, no profundo respeito pelas suas diferentes crenças.

Pais aceitam com serenidade diferentes crenças dos filhos

Também na ilha de Java há exemplos iluminados: o Sr. Budi e a Sra. Rosa (nomes fictícios por razões de privacidade, ndr.) vivem em Cibinong, na província de Java Ocidental. Todos os dias, o marido administra a atividade da família de venda de frangos em mercados e restaurantes. Ele e sua esposa aderem às crenças confucionistas. Têm três filhos: o mais velho, Cakra, tem 35 anos e é casado com Rena, também de 35 anos: têm dois filhos e professam a fé cristã. A segunda filha de Budi e Rosa, Kristin, 33 anos, é casada com Karam, eles têm um filho e seguem o Islã. Tara, 30 anos, terceira filha, é casada com Rudi: o casal tem um filho e são católicos.

Budi e Rosa aceitam com serenidade as diferentes crenças de seus filhos. Quando é celebrada uma festividade religiosa, as famílias dos parentes se unem para felicitações e celebrações compartilhadas. As diferenças religiosas não impedem os laços familiares harmoniosos. Foi isso que ensinaram aos filhos Rosa e Budi. Este espírito vive na grande família inter-religiosa.

(vaticannews)

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