«Fratelli tutti» (“Todos irmãos”) é o título que o Papa escolheu para a sua nova encíclica dedicada, como se lê no subtítulo, à “fraternidade” e à “amizade social”. O título original em língua italiana permanecerá tal — e portanto sem ser traduzido — em todas as línguas em que o documento for divulgado. Como se sabe, as primeiras palavras da nova “carta circular” (este é o significado do termo “encíclica”) inspiram-se no grande Santo de Assis de quem o Papa Francisco escolheu o nome.
Enquanto esperamos conhecer o conteúdo desta mensagem, que o Sucessor de Pedro pretende dirigir a toda a humanidade e que assinará no próximo dia 3 de outubro diante do túmulo do Santo, nos últimos dias assistimos a debates a propósito do único dado disponível, isto é, o título e o seu significado. Dado que se trata de uma citação de São Francisco (que se encontra nas Admoestações, 6, 1: ff 155), o Papa obviamente não a modificou. Mas seria absurdo pensar que o título, na sua formulação, contém alguma intenção de excluir dos destinatários mais de metade dos seres humanos, ou seja, as mulheres.
Pelo contrário, Francisco escolheu as palavras do Santo de Assis para inaugurar uma reflexão com a qual se preocupa muito, sobre a fraternidade e a amizade social e, portanto, tenciona dirigir-se a todas as irmãs e irmãos, a todos os homens e mulheres de boa vontade que povoam a terra. A todos, de modo inclusivo e nunca exclusivo. Vivemos num tempo marcado por guerras, pobreza, migrações, alterações climáticas, crise económica, pandemia: reconhecer-nos irmãos e irmãs, ver em quem encontramos um irmão e uma irmã; e para os cristãos, reconhecer no outro que sofre a face de Jesus, é uma maneira de reafirmar a dignidade irredutível de cada ser humano criado à imagem de Deus. É também uma forma de recordarmos que das dificuldades correntes nunca poderemos sair sozinhos, uns contra os outros, o Norte contra o Sul do mundo, ricos contra pobres.
No passado dia 27 de março, em plena pandemia, o Bispo de Roma rezou pela salvação de todos numa praça de São Pedro vazia, sob a chuva torrencial, acompanhado unicamente pelo olhar doloroso do Crucificado de São Marcelo e pelo olhar amoroso de Maria Salus Populi Romani. «Com a tempestade — disse Francesco — desfez-se a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso “eu” sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos». O tema central da carta papal é esta “abençoada pertença comum” que nos torna irmãos e irmãs.
Fraternidade e amizade social, os temas apontados no subtítulo, indicam o que une homens e mulheres, um afeto que se estabelece entre pessoas que não são parentes de sangue e que se exprime através de gestos benevolentes, com formas de ajuda e ações generosas em momentos de necessidade. Um afeto abnegado pelos outros seres humanos, prescindindo de qualquer diferença e pertença. Por este motivo, não é possível que haja interpretações erradas nem leituras parciais da mensagem universal e inclusiva das palavras “Todos irmãos”.
Andrea Tornielli
(osservatoreromano.va)
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