sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A arte do encontro que é a substância da vida


Se a vida é a arte do encontro, como nos recorda o Papa na Fratelli tutti, aquele que teorizou e pôs em prática o encontro como instrumento de pesquisa e produção artística foi Vinícius de Moraes, a quem devemos a frase citada pelo Papa Francisco no número 215 da sua recente encíclica. Diplomata, dramaturgo, poeta, músico, Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu em 19 de outubro de 1913 no Rio de Janeiro, cidade onde faleceu a 9 de julho de 1980.

A sua história pessoal e artística encerra em si a capacidade de abordar com curiosidade e afeto as mais variadas experiências e depois sintetizá-las em algo novo e precioso. E afinal, o que é a bossa nova, o género musical do qual Vinícius de Moraes é considerado um dos pais, senão a síntese de muitas sugestões que atravessou o Brasil naquele período, na viragem entre os anos cinquenta e sessenta do século passado? A bossa nova soube acolher e fundir com o samba as sonoridades do jazz provenientes dos Estados Unidos e, com uma sensibilidade totalmente latina, foi capaz de gerar uma “nova tendência” (precisamente, bossa nova) que, numa espécie de contracolonização cultural, conquistou os melhores músicos americanos e mercados discográficos no mundo inteiro.

E também esta foi uma história gloriosa história de encontros. Pois Vinícius de Moraes unia a sua genialidade à dos músicos do calibre de Tom Jobim (a eles devemos a famosa Garota de Ipanema e outras pequenas obras-primas como Água de Beber), João Gilberto e Baden Powell. Este último escreveu a música de Samba da Benção, da qual foi tirada a frase citada pelo Papa na Fratelli tutti. A canção foi publicada em 1969 também em italiano (Vinícius de Moraes passou muito tempo na península durante os anos do regime militar brasileiro, obtendo grande sucesso graças à colaboração com vários cantores como Ornella Vanoni, Patty Pravo e Bruno Lauzi), num álbum não por acaso intitulado La vita, amico, è l’arte dell’incontro. Na capa do disco, além do músico carioca, aparecem os nomes de Sergio Endrigo e Giuseppe Ungaretti, a quem foi confiada a declamação de alguns poemas de Vinícius de Moraes traduzidos em italiano. Realmente outros tempos, em que um disco de sucesso, em vez da voz de um rapper, difundia a voz de um velho poeta. E juntamente com a de Ungaretti, a voz com o inconfundível sotaque brasileiro de Vinícius de Moraes. Não uma grande voz, claro, mas capaz de narrar (um talento verdadeiramente reservado a poucos) e sugerir, com grande discrição, uma chave para compreender a existência humana. Como no verso em que nos adverte que «a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida» ou como no verso em que nos recorda que a beleza do samba não pode ser separada de um fragmento de tristeza.

Outro grande encontro, aquele entre a alegria e a tristeza. Um encontro todo brasileiro, de uma cultura, por sua vez o fruto de um encontro-desencontro, que não tem medo de reconhecer e conferir direito de cidadania à dor e à morte. Uma cultura ligada à terra e ao céu — onde o transcendente faz parte da vida diária — capaz de compreender e transmitir que sem dor não pode haver alegria, e que sem morte não pode haver vida. No fundo, esta é a mensagem que viaja nas notas do samba, notas alegres mas sempre — como, na sua sabedoria, recomenda Vinícius de Moraes — veladas de uma nota de tristeza. Ou melhor, de uma nota de saudade, um termo e um conceito que só existe no Brasil e que não pode ser traduzido, como muitas pessoas pensam, com “nostalgia”. A saudade, com efeito, explicada por Marisa Monte, outra grande intérprete da tradição musical brasileira, durante um dos seus concertos em Roma, não é a sensação da falta de quem foi embora. É, ao contrário, a certeza da presença de quem permanece. Mesmo que já não esteja aqui!I

Giuseppe Fiorentino


(osservatoreromano.va)


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