quarta-feira, 4 de setembro de 2024

DISCURSO DO SANTO PADRE - ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, COM A SOCIEDADE CIVIL

VIAGEM APOSTÓLICA DE SUA SANTIDADE FRANCISCO
à INDONÉSIA, PAPUA NOVA GUINÉ,
TIMOR LESTE E SINGAPURA
(2 - 13 de setembro de 2024)

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, COM A SOCIEDADE CIVIL E COM O CORPO DIPLOMÁTICO

DISCURSO DO SANTO PADRE

Sala do Palácio Presidencial “Istana Negara” (Jacarta, Indonésia)
Quarta-feira, 4 de setembro de 2024


Senhor Presidente,
Distintas Autoridades,
Eminentíssimos Senhores Cardeais,
Senhores Bispos,
Ilustres representantes das comunidades religiosas, das diversas religiões,
Ilustres representantes da sociedade civil,
Membros do Corpo Diplomático
!

Agradeço-lhe cordialmente, Senhor Presidente, o convite para visitar o país e as amáveis palavras de saudação. Ao Senhor Presidente eleito, formulo os meus sinceros votos de um trabalho frutuoso ao serviço da Indonésia, deste vasto arquipélago de milhares e milhares de ilhas banhadas pelo mar que liga a Ásia à Oceânia.

Quase se poderia afirmar o seguinte: tal como o oceano é o elemento natural que congrega todas as ilhas indonésias, assim o respeito mútuo pelas características culturais, étnicas, linguísticas e religiosas específicas dos grupos humanos que compõem a Indonésia é o indispensável tecido conectivo que torna o povo indonésio unido e orgulhoso.

O vosso lema nacional “Bhinneka tunggal ika” (“Unidos na Diversidade”, literalmente “Muitos, porém um único”) manifesta bem esta realidade multiforme de povos diversos que estão firmemente unidos numa só Nação. E mostra também que, tal como a grande biodiversidade presente neste arquipélago é fonte de riqueza e esplendor, também as diferenças específicas contribuem para formar um magnífico mosaico, em que cada tessela é um elemento insubstituível na composição de uma grande obra original e preciosa. E este é o vosso tesouro, a vossa maior riqueza.

A harmonia no respeito pela diversidade é alcançada quando cada visão particular tem em conta as necessidades comuns, e quando cada grupo étnico e confissão religiosa age com espírito de fraternidade, buscando o nobre objetivo de servir o bem de todos. A consciência de participar numa história comum, na qual cada um dá o seu contributo e a solidariedade de cada parte é fundamental para o todo, ajuda a identificar as soluções corretas, a evitar a exasperação dos contrastes e a transformar o confronto em colaboração efetiva.

Esta sábia e delicada harmonia, entre a multiplicidade de culturas e de visões ideológicas diferentes com as razões que cimentam a unidade, deve ser continuamente defendido contra qualquer desequilíbrio. É um trabalho artesanal, repito, é um trabalho artesanal confiado a todos, mas de modo especial à ação da política, quando esta tem como objetivo a harmonia, a equidade, o respeito pelos direitos fundamentais do ser humano, o desenvolvimento sustentável, a solidariedade e a busca da paz, quer no seio da sociedade quer com outros povos e Nações. Eis a grandeza da política. Um sábio disse que a política é a forma mais elevada da caridade. Que bonito!

Tendo em vista fomentar uma harmonia pacífica e construtiva que garanta a paz e congregue forças para vencer desequilíbrios e bolsas de miséria, ainda persistentes em algumas zonas, a Igreja deseja incrementar o diálogo inter-religioso. Desta forma, podem eliminar-se preconceitos e pode desenvolver-se um clima de respeito e de confiança mútua, indispensável para enfrentar desafios comuns; entre os quais a contraposição ao extremismo e à intolerância que, distorcendo a religião, tentam impor-se através do engano e da violência. Pelo contrário, a proximidade, a escuta da opinião dos outros, cria a fraternidade de uma Nação. E isso é algo muito lindo, maravilhoso.

A Igreja Católica está ao serviço do bem comum e deseja reforçar a cooperação com as instituições públicas e outros agentes da sociedade civil, mas nunca fazendo proselitismo, nunca. Respeita a fé de cada pessoa, e assim favorece a formação de um tecido social mais equilibrado para assegurar uma assistência social mais eficiente e equitativa.

Permitam que me refira ao Preâmbulo da vossa Constituição de 1945, que oferece indicações preciosas sobre o sentido que a Indonésia democrática e independente escolheu. Trata-se de uma história muito bonita; quando a lemos, vemos que a escolha foi de todos.

Por duas vezes, em poucas linhas, o Preâmbulo refere-se a Deus Todo-Poderoso e à necessidade de que a Sua bênção desça sobre o então nascente Estado da Indonésia. Do mesmo modo, o texto que abre a vossa Lei Fundamental aborda duas vezes a justiça social, desejando que se instaure uma ordem internacional baseada nela, que é considerada um dos principais objectivos a alcançar em benefício de todo o povo indonésio.

A unidade na multiplicidade, a justiça social, a bênção divina são, portanto, princípios fundamentais destinados a inspirar e orientar os programas específicos, são como a estrutura de apoio, a base sólida sobre a qual se constrói a casa. E digno de nota que estes princípios se harmonizam muito bem no lema desta minha visita à Indonésia – “Fé, fraternidade, compaixão”.

Infelizmente, no mundo atual existem algumas tendências que dificultam o desenvolvimento da fraternidade universal (cf. Carta. enc. Fratelli tutti, 9). Em várias regiões, assistimos ao aparecimento de conflitos violentos, que muitas vezes são o resultado da falta de respeito mútuo, do desejo intolerante de fazer prevalecer a todo o custo os próprios interesses, a própria posição ou narrativa histórica parcial, mesmo quando isso implica sofrimentos intermináveis para comunidades inteiras e resulta em verdadeiras guerras sangrentas.

Por vezes, surgem tensões violentas no seio dos Estados, porque os detentores do poder gostariam de uniformizar tudo, impondo a sua visão até em questões que deveriam ser deixadas à autonomia dos indivíduos ou dos grupos.

Por outro lado, apesar de declarações programáticas persuasivas, há muitas situações em que falta empenho efetivo e clarividente na construção da justiça social. Em consequência, uma parte considerável da humanidade é deixada à margem, sem meios para viver dignamente e sem defesa para enfrentar graves e crescentes desequilíbrios sociais, que desencadeiam conflitos intensos. E como é que se resolve isto? Com uma lei da morte? Ou seja, limitando os nascimentos, limitando a maior riqueza que um país tem, que são os nascimentos? O vosso País, pelo contrário, tem famílias de três, quatro, cinco filhos. E isso vê-se no seu nível etário. Continuai assim. É um exemplo para todos os Países. Se calhar alguns sorriem; se calhar algumas famílias preferem ter um gato, um cachorrinho, e não um filho. Contudo, isso não está certo.

Noutros contextos, porém, as pessoas pensam que podem ou devem prescindir de procurar a bênção de Deus, julgando-a supérflua para o ser humano e para a sociedade civil, que se deveriam promover a partir das suas próprias forças. Porém, ao fazer assim, deparam-se frequentemente com a frustração e o fracasso. Noutros casos, a fé em Deus é continuamente colocada em primeiro plano, porém infelizmente é muitas vezes manipulada, não servindo já para construir a paz, a comunhão, o diálogo, o respeito, a colaboração, a fraternidade, para construir o País, mas para fomentar divisões e ódio.

Irmãos e irmãs, perante estas sombras, é fonte de alegria constatar como a filosofia que inspira a organização do Estado indonésio manifesta sabedoria e equilíbrio. A este propósito, faço minhas as palavras de São João Paulo II por ocasião da sua visita a este mesmo Palácio em 1989. Entre outras coisas, ele afirmou: «Ao reconhecerdes a presença da diversidade legítima, ao respeitar os direitos humanos e políticos de todos os cidadãos e ao encorajardes o crescimento da unidade nacional, baseada na tolerância e no respeito pelos outros, lançais os fundamentos para aquela sociedade justa e pacífica, que todos os indonésios desejam para si e almejam legar aos seus filhos» (Discurso ao Presidente da República Indonésia e às Autoridades, Jacarta, 9 de outubro de 1989).

Mesmo que, no decurso dos acontecimentos históricos, os princípios orientadores acima recordados não tiveram sempre a força de se impor em todas as circunstâncias, continuam a ser válidos e fiáveis, como um farol que indica a direção a seguir e alerta para os erros mais perigosos a evitar.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores!

Desejo que todos, no seu agir quotidiano e no exercício ordinário das respetivas funções, saibam inspirar-se nestes princípios e torná-los efetivos, porque opus justitiae pax, a paz é fruto da justiça. Com efeito, a harmonia alcança-se quando cada um se empenha, não apenas em favor dos seus interesses e da sua perspetiva, mas tendo em vista o bem de todos, a construção de pontes, o fomento de acordos e sinergias, a congregação de esforços para derrotar qualquer forma de miséria moral, económica e social, e promover a paz e a concórdia.

Queridos irmãos e irmãs, continuai o vosso caminho, que é tão belo e tão acertado. E deste modo abençoo todo o povo: Deus abençoe a Indonésia com a paz, de modo a que tenha um futuro cheio de esperança. Deus vos abençoe, a todos!



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