sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Irão vai a votos. Mas ...o Irão é uma democracia?



A resposta curta é “não, o Irão não é uma democracia”. Mas, como todas as respostas curtas, também esta esconde uma série de nuances que são importantes para entender as eleições desta sexta-feira, 26 de fevereiro, no Irão.

Desde que a República Islâmica do Irão foi instituída em 1979 — após o derrube do Xá Mohammad Reza Pahlavi, o monarca apoiado pelos EUA –, o país já teve várias eleições. Presidenciais: 11. Legislativas, para eleger o parlamento, cujos representantes são conhecidos por Majlis: 10, sem contar com as que agora vão acontecer. Além disso, as eleições de sexta-feira vão ser as quintas para a Assembleia de Peritos — que, além de assegurar que os princípios islâmicos são mantidos na governação do país, nomeia o Líder Supremo.

O Líder Supremo e o Presidente são, cada um do seu lado, as figuras cimeiras da política iraniana.
O atual Líder Supremo é Ali Khamenei (foi nomeado para o cargo em 1989) e foi precedido de Ruhollah Khomeini (1979-1989), o fundador da República Islâmica do Irão. Este cargo é o o mais importante na hierarquia política do país, tendo a última palavra na política interna e externa do Irão, agindo sobretudo como um supervisor. Formalmente o cargo não é vitalício, mas na prática tem sido assim — o Conselho dos Guardiães, o órgão que nomeia o Líder Supremo, também pode depô-lo. Algo que nunca aconteceu.

O Presidente é Hassan Rouhani, eleito em 2013 e com mandato até 2017. No Irão, o Presidente é chefe de Governo mas está abaixo do Líder Supremo. Assim, embora coordene a economia do país e possa intervir noutras áreas, a sua ação estará sempre dependente da aprovação do Líder Supremo e da esfera deste.

O Líder Supremo não é eleito por sufrágio universal. O Presidente é.

Se é um facto que o país presidido por Hassan Rouhani tem um historial considerável de eleições, também é verdade que estas não acontecem sem percalços ou condicionamentos. Foi assim em 2009, o ano da reeleição do então Presidente Mahmoud Ahmadinejad, uma das caras da linha mais radical, dos ultraconservadores, fortemente islamista.

Nesse ano, Ahmadinejad venceu com 62,6% dos votos, contra os 33,9% do ex-primeiro-ministro (1981-1989) e reformista Mir-Hossein Mousavi.

As alegações de fraude eleitoral não tardaram a surgir — embora nunca tenham sido apresentadas provas nesse sentido, muito em parte por não haver monitorização das eleições — e deram origem ao Movimento Verde, um grupo liderado pelo próprio Mir-Hossein Mousavi e que motivou várias manifestações. A tensão só viria a terminar em 2010, após repressão violenta de protestos, prisão de ativistas e outros opositores ao regime. Além de acusar o regime de tortura dos presos políticos, a oposição referiu na altura que a reação do Governo iraniano ao Movimento Verde resultou na morte de 72 pessoas — o dobro dos números apresentados pelas autoridades, que referiam serem 36 as vítimas mortais.

A repressão daqueles anos — e o relativo silêncio de vozes discordantes, conseguido graças ao encarceramento de vários opositores, inclusive de Mousavi, que desde 2011 está em prisão domiciliária — veio dar a prova de que o Irão não é, de facto, um país democrático apesar de ter eleições.

E, mesmo admitindo que os votos são contados de forma mais ou menos legítima, há outros fatores que determinam que o Irão não tem eleições verdadeiramente livres. Um deles é a falta de liberdade de imprensa — no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras, o Irão aparece em 173º lugar num total de 180 países. E também noutro ranking, o Democracy Index da Economist Intelligence Unit, que tem em conta cinco princípios (processo eleitoral e pluralismo; funcionamento do governo; participação política; cultura política; liberdades civis) o Irão surge em 156º entre 167 países.

No que diz respeito a este ano, e ainda antes de os iranianos irem mesmo a votos, o processo eleitoral não tem decorrido de forma totalmente justa e livre. Mas isso não diz respeito a uma particularidade deste ano, mas antes ao funcionamento do sistema político do Irão.

( observador.pt)

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