sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Iraque: a necessária reconstrução do patrimônio cristão


A guerra levou à fuga centenas de milhares de cristãos da região. Os poucos que voltaram fizeram uma contatação dramática: os jihadistas destruíram ou danificaram quase todo seu patrimônio religioso. Agora chegou a hora da reconstrução. O inventário do fotógrafo Pascal Maguésyan

                                                                                                Jean-Charles Putzolu – Vatican News

Pascal Maguésyan fez sua primeira viagem ao Iraque em 2008 para conhecer as comunidades cristãs, e encontrou populações ainda profundamente marcadas pela ação de organizações terroristas. Na planície de Nínive, Pascal foi acolhido por pessoas devastadas pela guerra, a maioria das quais fugiu da capital Bagdá e Mosul. E que contam as pressões e perseguições sofridas. A consequência desta viagem foi que Pascal se dedicou às comunidades cristãs do Oriente até publicar, hoje, o álbum de fotografias "Mesopotâmia", que revisa o patrimônio cristão da região. Um patrimônio religioso destruído ou vandalizado em todos os lugares por onde passou a organização do chamado Estado islâmico.


"Quando Isis assumiu a planície de Nínive e Mosul em 2014, logo entendi o que estava acontecendo", diz Pascal. "Entendi que o Ísis não queria apenas atingir as populações civis - cristãos, yazidas ou outras - mas queria acabar com as comunidades humanas e seu patrimônio cultural com o objetivo estratégico de erradicar civilizações inteiras”. Por isso a decisão de criar a Associação "Herança Mesopotâmia" para inventariar a herança cristã e yazida.


15 anos de viagens na Mesopotâmia


Pascal Maguésyan viajou por todo o Iraque, fotografou monumentos danificados, entrou em contato com associações e fundações para sensibilizar as consciências sobre a necessidade manter vivo esse patrimônio, sem o qual o retorno das comunidades cristãs - já amplamente comprometido - seria ainda mais difícil. Pascal observou que no Iraque não há nenhum edifício religioso que tenha escapado da fúria destruidora do Ísis. "Uma política sistemática", diz o fotógrafo, mas ele confirma também que em Mosul alguns edifícios religiosos, igrejas e mosteiros - especialmente na cidade antiga - também foram destruídos por bombardeios da coalizão internacional em operações militares para expulsar os jihadistas e libertar a cidade.

 

Uma reconstrução frágil


Hoje o Iraque está escrevendo uma nova página em sua história e muitas comunidades no país ainda apoiam a viabilidade da "coexistência". Cerca de um terço dos cristãos deslocados na Planície de Nínive voltaram para se estabelecer em sua comunidade de origem; outro terço ainda está no Curdistão e, portanto, ainda deslocado; o último terço deixou o Iraque, em alguns casos definitivamente, para ir viver em outros países do Golfo Árabe, na Europa ou nos Estados Unidos.


Quanto a Mosul, porém, a situação é diferente. Apenas cinquenta famílias retornaram à cidade, especialmente na parte oriental de Mosul, mas não à cidade antiga. "Ainda estamos longe de ter alcançado o objetivo", diz Pascal Maguésyan; "uma vez, antes da queda do regime de Saddam Hussein, antes do Al Qaeda, antes do Isis, Mosul contava com dezenas de milhares de cristãos". Para estimular o retorno dos cristãos, o componente do patrimônio religioso parece fundamental, considerando que a igreja ou o mosteiro são os únicos locais de encontro para essas comunidades. É por isso que é absolutamente necessário restaurar ou reconstruir esses edifícios para que os cristãos possam recuperar suas raízes, fortalecer-se e reconectar-se com suas cidades e suas terras.


Na Planície de Nínive, os cristãos são suficientemente numerosos para se encarregarem, do ponto de vista financeiro, da restauração de seus locais de culto, mas também são ajudados por doadores internacionais, ONGs e algumas associações. Graças a esses esforços combinados e às comunidades locais, hoje 80-90 por cento da herança cristã e yazida na planície de Nínive está em reconstrução. E mais uma vez, a situação é diferente em relação à cidade de Mosul. Na cidade antiga, que contém a maior parte do patrimônio cristão, infelizmente, a segurança nem sempre é garantida. Além disso, existem dificuldades administrativas, étnicas e políticas que atrasam qualquer projeto para recuperar os lugares de culto. Portanto até o momento apenas 10% dos trabalhos de restauração foram iniciados. Assim, a igreja católico-siríaca em Mar Toma recuperou os três altares do santuário - o central e os dois altares laterais - a igreja de Al Bichara em Mosul foi inteiramente reconstruída, incluindo o presbitério e uma residência estudantil, e foi inaugurada em dezembro de 2019. Estas obras foram concluídas graças ao árduo trabalho da comunidade católica-siríaca local, que retornou, e ao apoio financeiro de várias fundações e associações. Mas ao lado desses dois exemplos positivos, em Mosul ainda há uma dúzia de igrejas a serem reconstruídas e cujos projetos ainda estão pendentes.


Em suas viagens, Pascal Maguésyan foi capaz de detectar uma mudança na percepção dos iraquianos sobre seu patrimônio cultural e religioso. Se no passado eles conseguiram, sem fazer muitas perguntas, substituir edifícios antigos com arquiteturas especiais com edifícios muitas vezes insignificantes de concreto armado, a passagem do Isis revelou aos iraquianos o valor histórico, arquitetônico e cultural de seu patrimônio. Deste ponto a reflexão sobre a necessidade de reconstruir os edifícios da mesma forma que no passado ou, pelo menos, respeitando a estrutura antiga.



(vaticannews)


Sem comentários: