segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Beleza tão antiga, tão nova

Xavier Tourais 



“No princípio, Deus criou o céu e a terra.”. E, no final, “[a] beleza salvará o mundo”. Então, o que acontece nos entretantos? 

Deus criou o céu e a terra e, com eles, tudo o que existe sobre a Terra. Ao sexto dia, a par dos “animais domésticos, répteis e feras”, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança - “homem e mulher ele os criou” -, aos quais concedeu a missão de encher e submeter a terra. Ora, antes de tudo isto, “a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus agitava a superfície das águas.” 

É, com efeito, no início, no princípio, no começo da ação de Deus que se manifesta a beleza. Ou seja, a beleza surge como consequência, como efeito desse poder criativo que vem de Deus, o único capaz de, do nada, criar tudo - ex nihilo sui et subiecti. Perante o vazio que enchia a terra, perante as trevas que cobriam o abismo, um sopro divino (ruah) pairava sobre as águas, esse sopro insuflado nas narinas do homem, tornando-o “ser vivente”. Aqui reside a diferença entre o Homem e a Natureza: além de criado à imagem e semelhança de Deus, o Homem é tornado ser animado por um sopro vital, isto é, por um espírito. 


Assim, o Homem é parte integrante da Natureza, porque criado por Deus, mas simultaneamente participa de uma realidade superior, pela centelha divina que Deus nele colocou, provendo o Homem de poder criativo. Este espírito, este sopro vital insuflado no Homem por Deus é o que nos dá testemunho da beleza daquilo que nos rodeia. Pintores, escultores, arquitetos, músicos, poetas, atores, entre tantos outros… Quantos homens não buscaram e não buscam nas suas vidas maravilhar-se com tudo o que Deus criou? Porque a beleza revela-se naquilo que nós vemos, naquilo que somos capazes de apreciar sensorialmente, causando em nós aquilo que se pode chamar de deleite estético - “[ao] pôr em relevo que tudo o que tinha criado era bom, Deus viu também que era belo”. No entanto, e como podemos constatar nesta frase de S. João Paulo II, numa carta em que se dirige a todos os artistas, a beleza facilmente se confunde com o bom e com o bem. A beleza é, assim, “expressão visível do bem”, enquanto que o bem é “a condição metafísica da beleza”.


Na Grécia Antiga, existiam três famosos conceitos: o verdadeiro, o bom e o belo. Cristo. Ele, o verdadeiro, o bom e o belo. Ele, beleza sem igual, porque bom e verdadeiro. “Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna.” Na tradução e transmissão da beleza, a arte, pelas mãos do artista que lhe dá forma e significado, é a ação humana que permite essa atitude de assombro, “[tornando] percetível e até o mais fascinante possível o mundo do espírito, do invísivel, de Deus.” 


A beleza é, pois, a vocação do artista, que do assombro faz nascer o entusiasmo. Frente à vida e às suas adversidades, frente aos nossos pecados e dificuldades, é este entusiasmo consequente do assombro que nos permite continuar, que nos permite levantar depois de cairmos. É a beleza, transformada em entusiasmo, em alegria e muitas vezes manifestada pela misericórdia. Nesse sentido, afirma Dostoievsky: a beleza salvará o mundo. 


Possamos nós, frente ao que vivemos, recuperar a alegria, fruto da beleza de viver, da beleza do viver, da beleza que é viver. Aprendamos e treinemos a contemplação da Criação, que nos torna conscientes que somos parte integrante e participante de uma mesma realidade, que nos dá testemunho da unidade que é viver em Deus. Possamos rezar quando nos reconciliamos como Santo Agostinho após a sua conversão, dando graças pelo dom da vida e pelo amor de Deus, dizendo com simplicidade “Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei!” Ex nihilo sui et subiecti. 


Antes de Deus, nada. Depois de Deus, nada. Em Deus, tudo.


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