sexta-feira, 28 de outubro de 2022

AUDIÊNCIA GERAL (Texto)

 PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Praça São Pedro

Quarta-feira, 26 de outubro de 2022


Catequeses sobre o discernimento 7. A matéria do discernimento. A desolação

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Como vimos nas catequeses anteriores, o discernimento não é principalmente um procedimento lógico; ele incide sobre as ações, e as ações têm uma conotação também afetiva, que deve ser reconhecida, porque Deus fala ao coração. Então, abordemos a primeira modalidade afetiva, objeto do discernimento: isto é, a desolação. De que se trata?

A desolação foi definida assim: «Obscuridade da alma, perturbação interior, impulso para coisas baixas e terrenas, inquietação devida a várias agitações e tentações: assim a alma inclina-se para a desconfiança, fica sem esperança e sem amor, torna-se indolente, tíbia, triste e como que separada do seu Criador e Senhor» (Santo Inácio de Loyola, Exercícios espirituais, 317). Todos nós temos esta experiência. Acredito que, de um modo ou de outro, vivemos esta experiência da desolação. O problema é como poder lê-la, pois também ela tem algo importante para nos dizer, e se tivermos pressa de nos livrar dela, correremos o risco de a perder.

Ninguém gostaria de se sentir desolado, triste: isto é verdade. Todos gostaríamos de uma vida sempre jubilosa, alegre e realizada. E, no entanto, isto, além de não ser possível – pois não é possível – também não seria bom para nós. Com efeito, a mudança de uma vida orientada para o vício pode começar a partir de uma situação de tristeza, de remorso pelo que se fez. É deveras bonita a etimologia desta palavra, “remorso”: o remorso da consciência, todos conhecemos isto. Remorso: literalmente, é a consciência que morde, que não dá paz. Alessandro Manzoni, em Os noivos, ofereceu-nos uma maravilhosa descrição do remorso, como ocasião para mudar de vida. Trata-se do célebre diálogo entre o cardeal Federico Borromeo e o Inominado que, depois de uma noite terrível, se apresenta transtornado ao cardeal, que se dirige a ele com palavras surpreendentes: «“Tem uma boa notícia para me dar, e faz-me suspirar tanto?”. “Boa notícia, eu? – disse o outro - Tenho o inferno no coração [...]. Diga-me, se o souber, qual é esta boa notícia?”. “Que Deus tocou o seu coração e quer fazê-lo seu”, retorquiu pacatamente o cardeal» (cap. XXIII). Deus toca o coração e vem-te algo dentro, a tristeza, o remorso por alguma coisa, e é um convite a iniciar um caminho. O homem de Deus sabe observar profundamente o que se move no coração.

É importante aprender a ler a tristeza. Todos sabemos o que é a tristeza: todos. Mas sabemos lê-la? Sabemos compreender o que ela significa para mim hoje? No nosso tempo – a tristeza – é considerada sobretudo negativamente, como um mal a evitar custe o que custar, e ao contrário pode ser um indispensável sinal de alarme para a vida, convidando-nos a explorar paisagens mais ricas e férteis que a fugacidade e a evasão não permitem. S. Tomás define a tristeza como uma dor da alma: como os nervos para o corpo, ela desperta a atenção diante de um possível perigo, ou de um bem ignorado (cf. Summa Th. I-II, q. 36, a. 1). Por isso, é indispensável para a nossa saúde, protege-nos para não nos ferirmos a nós próprios e aos outros. Seria muito mais grave e perigoso não ter este sentimento e ir em frente. A tristeza às vezes age como semáforo: “Pare, pare! Está vermelho, aqui. Pare”.

Ao contrário, para quem tem o desejo de praticar o bem, a tristeza é um obstáculo com que o tentador quer desencorajar-nos. Neste caso, deve-se agir exatamente ao contrário em relação ao que é sugerido, determinado a continuar o que se tinha proposto cumprir (cf. Exercícios espirituais, 318). Pensemos no trabalho, no estudo, na oração, num compromisso assumido: se os deixássemos, assim que sentíssemos tédio ou tristeza, nunca realizaríamos nada. Também esta é uma experiência comum à vida espiritual: o caminho para o bem, recorda o Evangelho, é estreito e íngreme, requer um combate, uma vitória de si mesmo. Começo a rezar ou dedico-me a uma boa obra e, é estranho, precisamente nesse momento vêm-me à mente coisas urgentes a fazer – para não rezar e não fazer as coisas boas. Todos temos esta experiência.  Para quem quer servir o Senhor, é importante não se deixar enganar pela desolação.  E isto que… “Mas não, não tenho vontade, isto é aborrecedor…”: estai atentos. Infelizmente, alguns decidem abandonar a vida de oração, ou a escolha feita, o matrimónio ou a vida religiosa, impelidos pela desolação, sem primeiro fazer uma pausa para considerar este estado de espírito, e sobretudo sem a ajuda de um guia. Uma regra sábia diz para não fazer mudanças quando se está desolado. O tempo seguinte, e não o humor do momento, mostrará a bondade ou não das nossas escolhas.

É interessante observar, no Evangelho, que Jesus afasta as tentações com uma atitude de firme determinação (cf. Mt 3, 14-15; 4, 1-11; 16, 21-23). As situações de provação advêm-lhe de várias partes, mas sempre, encontrando n’Ele esta firmeza decidida a cumprir a vontade do Pai, esmorecem e deixam de impedir o caminho. Na vida espiritual, a provação é um momento importante, como a Bíblia recorda explicitamente, diz assim: «Se quiseres servir a Deus, prepara a tua alma para a provação» (Eclo 2, 1).  Se quiseres ir pelo bom caminho, prepara-te: há obstáculos, tentações, momentos de tristeza. É como quando um professor examina o estudante: quando vê que conhece os pontos essenciais da matéria, não insiste: passou a prova! Mas deve superar a prova.

Se soubermos atravessar a solidão e a desolação com abertura e consciência, poderemos sair revigorados sob os aspetos humano e espiritual. Nenhuma prova está fora do nosso alcance; nenhuma prova será superior ao que nós podemos fazer. Mas não fujamos das provas: verificar o que significa esta prova, o que significa que estou triste: por que estou triste? O que significa que neste momento sinto desolação? O que quer dizer que estou em desolação e não posso ir em frente? São Paulo lembra que ninguém é tentado além das próprias possibilidades, pois o Senhor nunca nos abandona e, tendo Ele perto, poderemos vencer todas as tentações (cf. 1 Cor 10, 13). E se não a vencermos hoje, erguemo-nos outra vez, caminhamos e vencê-la-emos amanhã. Mas não permaneçamos mortos – digamos assim – não permaneçamos vencidos por um momento de tristeza, de desolação: vamos em frente! Que o Senhor vos abençoe neste caminho – corajoso! – da vida espiritual, que é sempre caminhar.


Saudações:

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, em especial quantos vieram de São Salvador da Bahia, Anicuns, Taubaté e São Paulo. Queridos irmãos e irmãs, anteontem, em Crato, no Estado brasileiro do Ceará, foi beatificada Benigna Cardoso da Silva, uma jovem mártir que, seguindo a Palavra de Deus, manteve pura a sua vida, defendendo a sua dignidade. O seu exemplo nos ajude a ser generosos discípulos de Cristo. A vida do mundo depende do nosso testemunho coerente e alegre do Evangelho. Um aplauso à nova beata! (aplauso) Peço a Nossa Senhora Aparecida que proteja e cuide do povo brasileiro, que o livre do ódio, da intolerância e da violência.


APELO

Assistimos horrorizados aos acontecimentos que continuam a ensanguentar a República Democrática do Congo. Exprimo a minha firme deploração pela inaceitável agressão que teve lugar nos últimos dias em Maboya, província do Kivu do Norte, onde pessoas indefesas, incluindo uma religiosa que prestava assistência médica, foram assassinadas. Rezemos pelas vítimas e pelos seus familiares, bem como por aquela Comunidade cristã e pelos habitantes daquela região que há demasiado tempo se encontram exaustos pela violência.


Resumo da catequese do Santo Padre:

Caros irmãos e irmãs, o discernimento, que nos vem ocupando nestas catequeses, tem a ver sobretudo com as nossas ações e a sua dimensão afetiva, porque Deus fala ao coração. Assim, hoje dedicar-me-ei a reflectir sobre a experiência da desolação, que se manifesta numa certa escuridão da alma, que se sente tíbia, preguiçosa e triste. Aprendermos a ler esta tristeza é importante, para evitar que o tentador a utilize como instrumento para nos desencorajar. Quando o desânimo sobrevém, devemos continuar com firmeza o que nos tínhamos proposto fazer. Se abandonássemos o trabalho ou o estudo por sentir tédio ou tristeza, nunca terminaríamos nada. O mesmo sucede na vida espiritual. Infelizmente, por causa da desolação, alguns abandonam a oração, e até o matrimónio ou a vida religiosa, sem parar, primeiro, a interpretar esse estado de espírito, com a ajuda de uma pessoa prudente. Para quem quer servir o Senhor, há uma regra de ouro: nunca fazer alterações em tempo de desolação. Antes, aproveitar a desolação como uma oportunidade para converter a vida ou para imitar Jesus naquela firme resolução com que rejeitou as tentações. Se soubermos atravessar a solidão e a desolação com esta consciência e abertura ao Espírito Santo, podemos sair delas mais fortes tanto a nível humano como espiritual.


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