Habituei-me, talvez por defeito de profissão a, sempre que me desloco para fora da residência habitual, a confrontar os preços dos bens essenciais, para avaliar o custo de vida.
Agora que estou na Ilha do Pico, retomei esse exercício e deparei-me com desníveis que me parecem inaceitáveis, apesar das justificações que me foram apresentadas.
Um dos exemplos mais flagrantes é o preço da batata da terra. Vinha habituado a comprá-la no Mercado da Graça a cerceade 50 centimos/Kg, mas vim encontrá-la a 1.40€. Confrontei a assistente de uma loja com tão grande disparidade, mas ela não ficou admirada: É o preço que o vendedor nos faz. Perguntei-lhe por que não a importavam de São Miguel, como fazem com outros produtos da terra, mas não obtive resposta. A diferença de preços atinge também a manteiga: mais 50 centimos, pelo menos, em pacote. Não será por causa dos transportes, pois também aqui se compra leite a 0.49€ o pacote e esse fator que pesa na formação dos preços, tem custos identicos seja aqui seja em S.Miguel, embora digam o contrário.
Não fossem os habitantes desta ilha, cada vez mais envelhecida, cultivarem os seus bocadinhos de terra com produtos hortículas e frutículas, e o seu poder de compra seria ainda menor, pois nuns concelhos, devido à falta de concorrência a vida é mais.
Di-lo o Estudo, divulgado há dias, sobre o Poder de Compra Concelhio, realizado pela PORDATA.
Uma análise superficial revela que, apesar de alguns impostos (IVA, IRS e IRC) serem mais baixos nos Açores, o poder de compra no arquipélago (82,35) é mais baixo que no continente (100,83). Se aprofundarmos a análise, constata-se também que na Área Metropolitana de Lisboa o indicador atinge os 130,97, o maior de todas as regiões do país, ficando os Açores na cauda da tabela.
Internamente falando, as distorções são flagrantes. Por ilhas, Sta Maria ocupa a primeira posição (87,3), seguida do Faial (86,4), da Terceira (84,2) de S.Miguel (83,2) do Pico (75,17) e das Flores (74,2). Todavia, Ponta Delgada, com 104,27 e Angra com 91,2 ultrapassam os indices das próprias ilhas, se bem que quer um quer o outro concelho tenham baixado o indice relativamente à análise anterior.
Este estudo revela também que os concelhos açorianos com menor poder de compra são o Nordeste (55,8) e a Povoação (57,8) os quais, apesar das subidas registadas continuam a ser muito penalizados.
Constata-se, por outro lado, que os tradicionais centros urbanos, Ponta Delgada, Angra e Horta, onde se concentram há décadas as administrações centrais dos serviços públicos e da maioria das empresas, proporcionando maior oferta de trabalho e empregos mais bem remunerados, é maior o poder de compra, o que atrai cada vez mais jovens formados ou não.
Esse é o preço da concentração de bens, serviços e pessoas que tanta contestação recebe dos habitantes das periferias.
A olhos vistos, isso reflete-se no despovoamento e no envelhecimento da maioria das ilhas, onde se sente na carne a diferença de custo dos produtos alimentares e de outros bens essenciais como sejam: a saúde, os transportes e comunicações, a educação, e até a aquisição de medicamentos. Há dias, aviei uma receita numa farmácia do Pico. Pedi o medicamento mais barato que custaria, segundo a informação anexa, 1.11€. Respondeu-me o farmaceutico que não tinha medicamento àquele preço e que a informação da receita só se aplicava no continente e não nos Açores. Fiquei admirado com a explicação do senhor que tentou também convencer-me da pouca qualidade dos genéricos. E bem bom que havia o medicamento, pois na maioria das vezes o cliente tem de esperar que ele venha da Horta, no dia seguinte. Alega-se que a população residente não justifica a armazenagem de medicamentos no Pico ou a existência de maiores stoks e os utentes aceitam a explicação, sem reclamação...
Neste e noutros domínios a Ilha do Pico não se libertou da centralidade da Horta e tarde ou nunca terminarão as sujeições aos gabinetes das administrações e serviços públicos e privados, cujos salários contribuem grandemente para elevar o poder de compra das ex-capitais de distrito.
É por isso que as ilhas “mais pequenas” em população, precisam sobretudo de projetos de desenvolvimento que atenuem, rapidamente, o fosso que as separa dos maiores centros urbanos. Ao ritmo a que diminui essa distância, tarde ou nunca deixará de haver cidadãos de primeira e população de segunda.
Este, sim, deveria ser o maior desígnio da administração Regional Autónoma.
José Gabriel Ávila
jornalista c.p. 536
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