ESPÍRITO NA GAIOLA
«Profecia, memória e esperança»: são as
três características que tornam livres as pessoas, o povo, a Igreja, impedindo
que se acabe num «sistema fechado» de normas que engaiolam o Espírito Santo,
recordou o Papa Francisco na missa celebrada na manhã de segunda-feira 30 de
Maio na capela da Casa de Santa Marta.
«É claro a quem fala Jesus com esta
parábola: aos chefes dos sacerdotes, aos escribas e aos idosos do povo» fez
notar imediatamente o Papa referindo-se ao trecho evangélico de Marcos (12,
1-12) proposto pela liturgia. Portanto «para eles» o Senhor usa «a imagem da
videira», que «na Bíblia é a imagem do povo de Deus, a imagem da Igreja e
também da nossa alma». Assim, explicou Francisco, «o Senhor cura a videira,
circunda-a, escava um buraco para a prensa, constrói uma torre».
Reconhece-se precisamente neste trabalho
«todo o amor e ternura de Deus para criar o seu povo: o Senhor sempre fez isto
com muito amor e ternura». E «ele lembra sempre a este povo quando lhe era
fiel, quando o seguia no deserto, quando procurava o seu rosto». Mas «depois a
situação inverteu-se e o povo apoderou-se deste dom de Deus» gritando: «Nós
somos nós, somos livres!». Aquele povo «não pensa, não recorda que foram as
mãos, o coração de Deus que o fez, e assim torna-se um povo sem memória, sem
profecia, sem esperança».
Por conseguinte, é «aos chefes deste
povo» que Jesus se dirige «com esta parábola: um povo sem memória perdeu a
memória dom dom, da oferenda; e atribui a si mesmo aquilo que é: nós podemos!».
Muitas vezes na Bíblia fala-se de «ascetas, profetas» – a firmou o Papa – e «o
próprio Jesus sublinha a importância da memória: um povo sem memória não é
povo, esquece as suas raízes, esquece a sua história».
Moisés no livro do Deuteronómio, repete
várias vezes este conceito: «Recordai, recorda!». Com efeito, é «o livro da
memória do povo, do povo de Israel; é o livro da memória da Igreja, mas é
também o livro da nossa memória pessoal». É precisamente «aquela dimensão
deuteronómica da vida, da vida de um povo ou da vida de uma pessoa, que faz
voltar sempre às raízes para recordar e fazer com que não erremos no caminho».
Ao contrário, as pessoas às quais Jesus se dirige com a parábola «tinham
perdido a memória: tinham perdido a memória do dom, da prenda que Deus lhes
tinha feito».
«Tendo perdido a memória, é um povo incapaz
de dar lugar aos profetas», prosseguiu Francisco. De facto, o próprio Jesus
lhes «diz que mataram os profetas, porque os profetas são incómodos, os
profetas dizem-nos sempre aquilo que nós não queremos ouvir». E assim «Daniel
em Babilónia lamenta-se: “Nós, hoje, não temos profetas!”». Palavras que
encerram aquela realidade de «um povo sem profetas» que lhes «indiquem o
caminho e lhes recordem: o profeta é aquele que recupera a memória e faz ir em
frente». Eis porque «Jesus diz aos chefes do povo: “Vós perdestes a memória e
não tendes profetas. Aliás: quando vieram os profetas, matatastes-los!”».
A atitude dos chefes do povo era
evidente: «Não precisamos dos profetas, nós somos nós!”». Mas «sem memória e
sem profetas – admoestou o Pontífice – torna-se um povo sem esperança, um povo
sem horizontes, um povo fechado em si mesmo que não se abre às promessas de
Deus, que não espera as promessa de Deus». Portanto, «um povo sem memória, sem
profecia e sem esperança: este é o povo que os chefes dos sacerdotes, os
escribas, os idosos fizeram do povo de Israel».
E «onde está a fé?», questionou-se
Francisco. «Na multidão», respondeu, evidenciando que no Evangelho se lê:
«Procuravam capturá-lo, mas tiveram medo da multidão». Com efeito, estas
pessoas «tinham compreendido a verdade e, no meio dos seus pecados, tinham
memória, estavam abertos à profecia, procuravam a esperança». Um exemplo, neste
sentido, vem dos «dois idosos, Simeão e Ana, pessoas de memória, de profecia e
de esperança».
Ao contrário, «os chefes do povo»
legitimavam o seu pensamento circundando-se «de advogados, de doutores da lei,
que fazem seu um sistema jurídico fechado: acho – comentou o Pontífice – que
havia quase seiscentos mandamentos». E assim «fechado, seguro», era o seu
pensamento, com a ideia que «se salvarão aqueles que fizerem isto; dos outros
não nos interessa, a memória não interessa». No que diz respeito à «profecia:
melhor que os profetas não venham» E «a esperança? Mas, cada um a verá». Este
«é o sistema através do qual legitimam: doutores da lei, teólogos que percorrem
sempre o caminho da casuística e não permitem a liberdade do Espírito Santo;
não reconhecem o dom de Deus, o dom do Espírito e engaiolam o Espírito, porque
não permitem a profecia na esperança».
É precisamente este «o sistema religioso
ao qual Jesus fala». Um sistema «de corrupção, de mundanidade e de
concupiscência», como diz o trecho da segunda carta de São Pedro (1, 2-7),
proposto na primeira leitura. Até o próprio Jesus «foi tentado a perder a
memória da sua missão, a não dar lugar à profecia e a escolher a segurança em
vez da esperança». A este propósito o Papa recordou «as três tentações no
deserto: “Faz um milagre e demonstra o teu poder!”; “Lança-te do pináculo do
templo e assim todos acreditarão!”; “Adora-me!”».
«A estas pessoas Jesus, dado que
conhecia por experiência a tentação» do «sistema fechado», reprova o facto de
percorrer «meio mundo para obter um prosélito» e para o tornar «escravo». E
assim «este povo tão organizado, esta Igreja tão organizada, cria escravos». A
ponto que «se compreende como reage Paulo, quando fala da escravidão da lei e
da liberdade que a graça te proporciona». Porque «um povo é livre, uma Igreja é
livre quando tem memória, quando dá lugar aos profetas, quando não perde a
esperança».
«Que o Senhor nos ensine esta lição,
também para a nossa vida» auspiciou Francisco na conclusão, sugerindo que
perguntemos a nós mesmos com um verdadeiro exame de consciência: «Será que
tenho memória das maravilhas que o Senhor fez na minha vida? Tenho memória dos
dons do Senhor? Sou capaz de abrir o coração aos profetas, ou seja, ao que me
diz: “isto não está bem, tens que ir por outro lado, vai em frente, arrisca”,
como fazem os profetas? Será que estou aberto a isto ou sou medroso e prefiro
fechar-me na gaiola da lei?». E por fim: «Será que tenho esperança nas
promessas de Deus, como teve o nosso pai Abraão, que saiu da sua terra sem
saber para onde ia, somente porque esperava em Deus?».
30.05.2016
osservatoreromano.va/pt
Sem comentários:
Enviar um comentário