Papa Francisco
convoca a viver a unidade
e superar todo tipo
de violência no Chile
Temuco,
17 Jan. 18 / 12:05 pm (ACI).- O Papa Francisco presidiu nesta
quarta-feira, 17 de janeiro, uma Missa no
aeródromo de Manquehue, em Temuco, Chile. Em sua homilia, incentivou a viver a
unidade a superar todo tipo de violência.
“Procuremos
o caminho da não-violência ativa, ‘como estilo de uma política de paz’. Nunca
nos cansemos de procurar o diálogo para a unidade. Por isso, digamos
vigorosamente: Senhor, fazei-nos artesãos de unidade”, afirmou.
A seguir,
o texto completo da homilia do Santo Padre:
«Mari,
Mari [bom dia]».
«Küme
tünngün ta niemün [A paz esteja convosco!]» (Lc 24, 36).
Dou
graças a Deus por me permitir visitar esta parte linda do nosso continente, a
Araucania: terra abençoada pelo Criador com a fertilidade de imensos campos
verdes, com florestas cheias de imponentes araucarias – o quinto elogio de
Gabriela Mistral a esta terra chilena –, seus majestosos vulcões cobertos de
neve, seus lagos e rios cheios de vida. Esta paisagem eleva-nos a Deus, sendo
fácil ver a sua mão em cada criatura. Muitas gerações de homens e mulheres
amaram, e amam, este solo com ciosa gratidão. E quero deter-me aqui para saudar
de forma especial os membros do povo Mapuche, bem como os outros povos
indígenas que vivem nestas terras do sul: Rapanui (Ilha de Páscoa), Aymara,
Quechua e Atacama, e muitos outros.
Esta terra, se a virmos com olhos de turista, deixar-nos-á extasiados, mas
depois continuaremos a nossa estrada como antes; se, pelo contrário, nos
aproximarmos do solo, ouvi-lo-emos cantar: «Arauco tem uma pena que não posso
calar, são injustiças de séculos que todos veem aplicar».
É neste
contexto de ação de graças por esta terra e pelo seu povo, mas também de
tristeza e dor, que celebramos a Eucaristia.
E fazemo-lo neste aeródromo de Maquehue, onde se verificaram graves violações
de direitos humanos. Oferecemos esta celebração por todas as pessoas que
sofreram e foram mortas e pelas que diariamente carregam aos ombros o peso de
tantas injustiças. O sacrifício de Jesus na cruz está repleto de todo o pecado
e do sofrimento dos nossos povos, um sofrimento a ser resgatado.
No
Evangelho que ouvimos, Jesus pede ao Pai que «todos sejam um só» (Jo 17, 21).
Numa hora crucial da sua vida, detém-Se a pedir a unidade. O seu coração sabe
que uma das piores ameaças que atinge, e atingirá, o seu povo e toda a
humanidade será a divisão e o conflito, a subjugação de uns pelos outros.
Quantas lágrimas derramadas! Hoje queremos agarrar-nos a esta oração de Jesus,
queremos entrar com Ele neste horto de dor, também com as nossas dores, para
pedir ao Pai com Jesus: que também nós sejamos um só. Não permitais que nos
vença o conflito nem a divisão.
Esta
unidade, implorada por Jesus, é um dom que devemos pedir insistentemente pelo
bem da nossa terra e seus filhos. E é necessário estar atento a eventuais
tentações que possam aparecer e «contaminar pela raiz» este dom com que Deus
nos quer presentear e com o qual nos convida a ser autênticos protagonistas da
história.
Os falsos sinônimos
Uma das
principais tentações a enfrentar é confundir unidade com uniformidade. Jesus
não pede a seu Pai que todos sejam iguais, idênticos; pois a unidade não nasce,
nem nascerá, de neutralizar ou silenciar as diferenças. A unidade não é uma
simulação de integração forçada nem de marginalização harmonizadora. A riqueza
duma terra nasce precisamente do facto de cada parte saber partilhar a sua
sabedoria com as outras. Não é, nem será, uma uniformidade asfixiante que
normalmente nasce do predomínio e da força do mais forte, nem uma separação que
não reconheça a bondade dos outros. A unidade pedida e oferecida por Jesus
reconhece o que cada povo, cada cultura são convidados a oferecer a esta terra
abençoada. A unidade é uma diversidade reconciliada, porque não tolera que, em
seu nome, se legitimem as injustiças pessoais ou comunitárias. Precisamos da
riqueza que cada povo pode oferecer, pondo de lado a lógica de pensar que há
culturas superiores ou inferiores. Um belo chamal [manto] requer tecelões que
conheçam a arte de harmonizar os diferentes materiais e cores; que saibam dar
tempo a cada coisa e a cada fase. Poder-se-á imitar de modo industrial, mas
todos reconheceremos que é uma peça de roupa confeccionada sinteticamente. A
arte da unidade precisa e requer artesãos autênticos que saibam harmonizar as
diferenças nos «laboratórios» das aldeias, das estradas, das praças e das
paisagens. Não é uma arte de escrivaninha ou feita apenas de documentos; é uma
arte de escuta e reconhecimento. Nisto se enraíza a sua beleza e também a sua
resistência ao desgaste do tempo e às inclemências que terá de enfrentar.
A
unidade, de que necessitam os nossos povos, requer que nos escutemos, mas
sobretudo que nos reconheçamos, o que não significa apenas «receber informações
sobre os outros (…), mas recolher o que o Espírito semeou neles como um dom
também para nós». Isto introduz-nos no caminho da solidariedade como forma de
tecer a unidade, como forma de construir a história; solidariedade, que nos
leva a dizer: temos necessidade uns dos outros com as nossas diferenças, para
que esta terra continue a ser linda. É a única arma que temos contra o
«desflorestamento» da esperança. Por isso pedimos: Senhor, fazei-nos artesãos
de unidade.
As
armas da unidade
A
unidade, se quer ser construída a partir do reconhecimento e da solidariedade,
não pode aceitar um meio qualquer para esse fim. Há duas formas de violência
que, em vez de fomentar os processos de unidade e reconciliação, acabam por os
ameaçar. Em primeiro lugar, devemos estar atentos à elaboração de acordos
«lindos», que nunca se concretizam. Palavras bonitas, planos terminados sim – e
necessários – mas que, por não se tornar concretos, acabam por «borratar com o
cotovelo o que se escreveu com a mão». Isto também é violência, porque frustra
a esperança.
Em
segundo lugar, é imprescindível defender que uma cultura do reconhecimento
mútuo não se pode construir com base na violência e destruição, que acaba por
ceifar vidas humanas. Não se pode pedir reconhecimento, aniquilando o outro, porque
a única coisa que isso gera é maior violência e divisão. A violência clama
violência, a destruição aumenta a fratura e a separação. A violência acaba por
tornar falsa a causa mais justa. Por isso, digamos «não à violência que
destrói», em qualquer uma dessas duas formas.
Estas
atitudes são como lava de vulcão que tudo destrói, tudo queima, deixando atrás
de si apenas esterilidade e desolação. Em vez disso, procuremos o caminho da
não-violência ativa, «como estilo duma política de paz». Nunca nos cansemos de
procurar o diálogo para a unidade. Por isso, digamos vigorosamente: Senhor,
fazei-nos artesãos de unidade.
Todos nós
que, de certo modo, somos povo formado da terra (cf. Gn 2, 7), estamos chamados
ao bom viver (Küme Mongen), como no-lo recorda a sabedoria ancestral do povo
Mapuche. Quanto caminho a percorrer, quanto caminho para aprender! Küme Mongen,
um anseio profundo que brota não só dos nossos corações, mas ressoa como um
grito, como um canto em toda a criação. Por isso, irmãos, pelos filhos desta
terra, pelos filhos dos seus filhos, digamos com Jesus ao Pai: que também nós
sejamos um só; fazei-nos artesãos de unidade.
(ACI Digital)
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