D. António, bispo de angra e Açores
«Felizes os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7)
«O tempo
chegou ao seu termo. O Reino de Deus está próximo: mudai de vida e acreditai na
Boa Nova» (Mc 1, 5). Foi com estas palavras que Jesus iniciou o Seu
ministério público. Palavras muito oportunas para a caminhada quaresmal, que
agora iniciamos, como momento especial da graça do Senhor, que vem ao nosso
encontro, para transformar a nossa vida, com a Sua misericórdia, a máxima
expressão do amor.
«Ninguém
jamais viu a Deus: o Filho Único, que está no seio do Pai, é que O deu a
conhecer» (Jo 1, 18), precisamente como Deus-Amor, que é todo
misericórdia. «Sede, pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Celeste»
(Mt 5, 48) – recomenda-nos Jesus.
O caminho da
perfeição humana é, pois, o do amor, que tem a sua máxima expressão na
misericórdia, que é a capacidade de se “compadecer”: “padecer-com”, isto é, ser
capaz de se pôr no lugar do outro, assumindo a sua situação. Com Cristo e como
Cristo, que não Se valeu da Sua condição divina, mas assumiu a nossa condição
humana, sob a forma de servo, que dá a vida pelo bem de todos (cf Fil
2, 6).
O Papa
Francisco recomenda continuamente uma nova “saída” missionária da Igreja, para
levar o Evangelho a todas as periferias existenciais (cf Exortação Apostólica, Evangelii
Gaudium=EG, 2013). O Santo Padre apresenta a imagem de uma Igreja sempre de
“portas abertas”, que acolhe e vai ao encontro das pessoas:
•
«corre o risco do encontro com o rosto do outro» (EG 88);
•
cultiva a «arte do acompanhamento» (EG 169);
•
sabe «escutar, que é mais do que ouvir… (EG 171… ).
«Escutar… é a
capacidade do coração que torna possível a proximidade», sem a qual não existe
um verdadeiro encontro com o outro, em atitude de «escuta respeitosa e
compassiva» (EG 171).
1.Na Sua
Mensagem da Quaresma deste ano, o Santo Padre insiste, precisamente, na luta
contra a «globalização da indiferença». «Tempo de renovação para a Igreja, para
as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é, sobretudo, um “tempo
favorável” de graça» (cf 2 Cor 6, 2). Deus nada nos pede, que antes não
no-lo tenha dado: “nós amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4,
19). Ele não nos olha com indiferença…
«Coisa diversa
se passa connosco. Quando estamos bem e comodamente instalados, facilmente nos
esquecemos dos outros…: encontrando-me relativamente bem e confortável,
esqueço-me dos que não estão bem. Hoje esta atitude egoísta de indiferença
atingiu uma dimensão mundial tal que podemos falar de uma globalização da
indiferença. Trata-se de um mal-estar que temos a obrigação, como cristãos, de
enfrentar» (Papa Francisco, Mensagem para a Quaresma =MQ2015).
Que fazer para
não nos deixarmos absorver por esta espiral de indiferença?
* «Em primeiro
lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos
a força da oração de muitos (…)! Se humildemente pedirmos a graça de Deus e
aceitarmos os limites das nossas possibilidades, então confiaremos nas
possibilidades infinitas que têm de reserva o amor de Deus. E poderemos
resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos salvar-nos e
salvar o mundo sòzinhos (…).
«A iniciativa 24
horas para o Senhor, que espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível
diocesano – nos dias 13 e 14 de Março, pretende dar expressão a esta
necessidade de oração (Trata-se de ligar esta iniciativa ao tradicional
“Laus-Perenne”).
* «Em segundo
lugar, podemos levar ajuda, com gestos de caridade, tanto a quem vive próximo
de nós, como a quem está longe, graças aos inúmeros organismos da Igreja. A
Quaresma é um tempo propício para mostrar este interesse pelo outro, através de
um sinal – mesmo pequeno, mas concreto – da nossa participação na humanidade,
que temos em comum» (MQ2015).
2. Nesse
sentido, destinamos o fruto da Renúncia Quaresmal deste ano às
populações da Ilha do Fogo (Cabo Verde), atingidas pelas consequências de uma
erupção vulcânica, que tem causado muitos estragos materiais. Nós
precisamos, mas não podemos esquecer quem precisa mais do que nós.
Vamos procurar,
ao longo desta Quaresma, renunciar a algo, para que o resultado obtido até
Domingo de Ramos constitua uma ajuda significativa para as famílias sinistradas
da Ilha do Fogo. No ano passado a Renúncia Quaresmal somou: Euros 13. 426, 13
(treze mil quatrocentos e vinte e seis Euros e treze cêntimos). Não nos
deixemos vencer em generosidade! Sejamos solidários e generosos!
Nesta caminhada
quaresmal, vamos também ter presente a Semana da Caritas, de 2 a 8 de
Março, com o lema: «Um só coração, uma só família humana». Ao longo dessa
semana, haverá o Peditório Nacional da Caritas. Como sabemos, a Caritas é o
serviço oficial da Igreja, em apoio à acção social, no sentido mais abrangente
de promoção social, que vai para além da simples ajuda material. É de toda a
importância apoiar essa acção e desenvolver uma rede de intercâmbio e de
colaboração com a Caritas Diocesana.
3.«Felizes
os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7)!
Como muito bem
explicava S. João Paulo II, «se todas as bem-aventuranças do Sermão da Montanha
indicam o caminho da conversão e da mudança de vida, a que se refere aos
misericordiosos é particularmente eloquente a esse respeito. O ser humano
alcança o amor misericordioso de Deus e a Sua misericórdia , na medida em que ele
próprio» for misericordioso para com o próximo (Carta Encíclica, Dives in
Misericórdia, 1980, 14).
Assim, a
Quaresma será tempo favorável da misericórdia divina, na medida, em que formos
misericordiosos uns para com os outros. Começando por quem mais precisa, mesmo
que menos mereça. É que a verdadeira misericórdia é gratuita. Vence o mal com o
bem.
Como adverte o
Papa Francisco, «nem sempre conseguimos manifestar adequadamente a beleza do
Evangelho, mas há um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por
aqueles que a sociedade descarta e lança fora» (AE 195). É o que nos diz
claramente na Mensagem Quaresmal de 2015: «desejo que (…) as nossas
comunidades se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença».
+ António, Bispo de Angra
Angra,
11 de Fevereiro de 2015.