O Papa: “no
confessionário entendi o drama do aborto”
Francisco no voo de retorno do Panamá: "Às mulheres que têm
essa angústia eu digo: seu filho está no céu, fale com ele, cante a canção de
ninar que você não pôde cantar a ele". Para a Venezuela pede uma solução
pacífica: "Assusta-me o derramamento de sangue". No encontro de
fevereiro para a proteção dos menores: "devemos nos conscientizar sobre o
drama e ter protocolos, os bispos devem saber o que fazer".
Andrea Tornielli – Cidade do Vaticano
Para entender o drama do
aborto é preciso estar no confessionário e ajudar as mulheres a se
reconciliarem com o filho não nascido. Para ser Papa é preciso
"sentir" as pessoas, ferir-se nos encontros que se realiza, ferir-se
com pessoas que nos atingem com suas histórias e seus dramas, levando tudo
diante do Senhor para que os confirme na fé. No encontro de fevereiro sobre a
proteção de menores, será necessário "tomar consciência" do que
significam um menino ou uma menina abusados, para ficar do lado daqueles que
sofreram essa violência terrível. E nessa idêntica perspectiva está a
preocupação pela Venezuela, que leva Francisco a pedir uma solução pacífica e
evitar o derramamento de sangue. O Papa, que disse estar "destruído"
pela intensidade de uma viagem na qual não se poupou, dialoga por cinquenta
minutos com os jornalistas no voo que o trouxe de volta a Roma, na primeira
coletiva de imprensa guiada pelo diretor interino da Sala de Imprensa da Santa
Sé, Alessandro Gisotti.
Qual o impacto que sua
missão teve no Panamá? Que impacto lhe provocou?
"Minha missão em uma Jornada Mundial da Juventude é a missão de Pedro,
confirmar na fé e isso não com mandatos" frios "ou preceptivos, mas
deixando-me tocar o coração e respondendo ao que acontece ali. Eu a vivo assim,
custa-me pensar que alguém possa realizar uma missão só com a cabeça. Para
realizar uma missão você deve sentir, e quando sente, você é atingido. Isso
afeta sua vida, você é atingido por problemas. No aeroporto eu estava saudando
o Presidente e trouxeram um menino de cor, simpático, pequeno assim. E ele me
disse: "Olha, essa criança estava atravessando a fronteira da Colômbia,
sua mãe morreu, e ele ficou sozinho. Ele tem cinco anos de idade. Vem da
África, mas ainda não sabemos de qual país porque não fala inglês, nem
português, nem francês. Ele fala apenas a língua da sua tribo. Nós em certo
sentido o adotamos". O drama de uma criança abandonada pela vida, porque
sua mãe morreu e um policial a entregou às autoridades para tomar conta dela,
afeta você, e assim a missão começa a tomar cor, faz você dizer algo, faz você
acariciar. A missão sempre envolve você. Pelo menos a mim envolve. Eu sempre
digo aos jovens: vocês, o que fazem na vida, devem fazer caminhando e com as
três linguagens: a da cabeça, a do coração, e a das mãos. E as três linguagens
harmonizadas, de modo que vocês pensem o que sentem e o que fazem, sintam o que
pensam e o que fazem, façam o que sentem e o que pensam. Eu não posso fazer um
balanço da missão. Com tudo isso eu vou diante do Senhor para rezar, às vezes
adormeço diante do Senhor, mas levo todas essas coisas que vivi na missão e
peço a Ele para confirmá-los na fé através de mim. É assim que eu procuro viver
a missão de Papa e como eu a vivo."
A JMJ no Panamá
correspondeu às suas expectativas?
"Sim, o termômetro é a fadiga e eu estou destruído."
Existe um problema que é comum em toda a América Central, incluindo o
Panamá e grande parte da América Latina: gravidez precoce. Só no Panamá foram
dez mil no ano passado. Os detratores da Igreja Católica culpam-na por resistir
à educação sexual nas escolas. Qual é a opinião do Papa?
"Creio que nas escolas é preciso dar educação sexual. Sexo é um dom de
Deus não é um monstro. É o dom de Deus para amar e se alguém o usa para ganhar
dinheiro ou explorar o outro, é um problema diferente. Precisamos oferecer uma
educação sexual objetiva, como é, sem colonização ideológica. Porque se nas
escolas se dá uma educação sexual embebida de colonizações ideológicas, destrói
a pessoa. O sexo como dom de Deus deve ser educado, não rigidamente. Educado,
de "educere", para fazer emergir o melhor da pessoa e acompanhá-la no
caminho. O problema está nos responsáveis pela educação, seja a nível
nacional, seja local, como também em cada unidade escolar: quem são os
professores para isso, que livros de textos usar... Eu vi de todos os tipos, há
coisas que amadurecem e outras que causam danos. Digo isso sem entrar nos
problemas políticos do Panamá: precisamos dar educação sexual para as crianças.
O ideal é que comecem em casa, com os pais. Nem sempre é possível por causa de
muitas situações familiares, ou porque não sabem como fazê-lo. A escola
compensa isso e deve fazê-lo, caso contrário, resta um vazio que é preenchido
por qualquer ideologia."
Nestes dias o senhor
falou com várias pessoas e muitos jovens. Falou também com os jovens que se
distanciaram da Igreja. Quais são os motivos que os afastaram?
“São muitos, alguns são
pessoais. Mas o mais geral é a falta de testemunho dos cristãos, dos padres e
dos bispos. Não digo dos Papas porque seria demais, mas ... também. Se um pastor
é um empreendedor ou organizador de um plano pastoral, se não está próximo das
pessoas, não dá um testemunho de pastor. O pastor deve estar com as pessoas. O
pastor deve estar na frente do rebanho, para indicar o caminho, no meio do
rebanho para sentir o cheiro das pessoas e entender o que as pessoas sentem e o
que precisam. Deve estar atrás do rebanho para proteger a retaguarda. Mas se um
pastor não vive com paixão, as pessoas se sentem abandonadas ou sentem um certo
sentido de desprezo. Sentem-se órfãs. Falei sobre os pastores, mas há também os
cristãos, os católicos. Existem os católicos hipócritas que vão à missa todos
os domingos e não pagam o décimo terceiro, pagam por fora, exploram as pessoas.
Depois, vão ao Caribe de férias com o que explorou das pessoas. Se você faz
isso, dá uma contratestemunho. A meu ver, isso é o que distancia mais as
pessoas da Igreja. Sugeriria aos leigos: não diga que é católico se não dá
testemunho. Em vez disso, você pode dizer: venho de uma educação católica, mas
sou morno, sou mundano, peço desculpa, não me olhem como exemplo. Isso é o que
se deve dizer. Tenho medo de católicos assim, que acreditam ser perfeitos. A
história se repete, o mesmo aconteceu com Jesus com os doutores da Lei que
rezavam, dizendo: “Obrigado, Senhor, por não ser como esses pecadores.”
Vimos por quatro dias os
jovens rezar com muita intensidade, podemos pensar que muitos tenham a vocação.
Talvez alguns deles estão hesitando, porque não podem se casar. É possível que
o senhor permita aos homens casados se tornarem padres na Igreja católica de
rito latino, como acontece nas Igrejas orientais?
“Na Igreja católica de
rito oriental eles podem fazer isso se fazem a opção celibatária ou de esposo
antes do diaconato. Quanto ao rito latino, lembro-me de uma frase de São Paulo
VI: “Prefiro dar a vida antes de mudar a lei do celibato”. Isso me veio em
mente e quero afirmá-lo porque é uma frase corajosa. Ele disse isso em
1968-1970, num momento mais difícil do que o atual. Pessoalmente, penso que o
celibato seja um dom para a Igreja e não concordo em permitir o celibato
opcional. Não. Permaneceria alguma possibilidade nos lugares mais distantes,
penso nas ilhas do Pacífico, mas é algo em que pensar quando há necessidade
pastoral. O pastor deve pensar nos fiéis. Existe um livro do pe. Lobinger,
interessante. É algo em discussão entre os teólogos, não há uma decisão minha.
A minha decisão é: não ao celibato opcional antes do diaconato. É uma coisa
minha, pessoal. Eu não o farei, isso é claro. Sou fechado? Talvez, mas não me
sinto de colocar-me diante de Deus com esta decisão. Padre Lobinger diz: “A
Igreja faz a eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja. Mas onde não há Eucaristia
há comunidade, pense nas ilhas do Pacífico. Lobinger pergunta: quem faz a
Eucaristia? Os diretores e organizadores dessas comunidades são diáconos,
religiosas ou leigos. Lobinger diz ainda: se poderia ordenar sacerdote um idoso
casado, esta é a sua tese. Mas que exercite apenas o munus sanctificandi, isto
é, celebre a missa, administre o Sacramento da Reconciliação e dê a unção dos
enfermos. A ordenação sacerdotal dá os três munera: o munus regendi (o pastor
que guia), o munus docendi (o pastor que ensina) e o munus sanctificandi. O
bispo só lhe daria a licença para o munus sanctificandi. Esta é a tese. O livro
é interessante e talvez isso possa ajudar a responder o problema. Acredito que
o tema deve ser aberto nesse sentido para os lugares onde existe um problema
pastoral, por falta de sacerdotes. Não digo que deve ser feito, eu não refleti,
não rezei o suficiente sobre isso. Mas os teólogos debatem sobre isso, devem
estudar. Estava conversando com um oficial da Secretaria de Estado, um bispo
que teve que trabalhar num país comunista no início da revolução. Quando viram
como essa revolução chegava nos anos 50, os bispos ordenaram secretamente
camponeses, bons e religiosos. Depois que a crise passou, trinta anos depois, a
coisa se resolveu. Ele me contou a emoção que sentiu quando numa celebração viu
esses camponeses com mãos de camponeses colocarem suas vestes para concelebrar
com os bispos. Na história da Igreja isso se verificou. É algo a ser pensado e
sobre o qual rezar. Por fim, me esqueci de citar o Anglicanorum coetibus, de
Bento XVI, para os sacerdotes anglicanos que se tornaram católicos, mantendo
suas vidas como se fossem orientais. Lembro-me ter visto muitos deles com o
colarinho clerical e com mulheres e crianças numa audiência de quarta-feira.”
Durante a Via-Sacra um
jovem pronunciou palavras muito fortes sobre o aborto: “Há um túmulo que brada
ao céu e denuncia a terrível crueldade da humanidade, é o túmulo que se abre no
ventre das mães... Deus nos conceda defender com firmeza a vida e fazer de modo
que as leis que matam a vida sejam eliminadas para sempre”. Trata-se de uma
posição muito radical. Gostaria de saber se essa posição respeita também o
sofrimento das mulheres nesta situação e se corresponde à sua mensagem de
misericórdia.
“A mensagem da
misericórdia é para todos, inclusive para a pessoa humana que é gestante. Após
este falimento, há também a misericórdia. Mas uma misericórdia difícil, porque
o problema não é conceder o perdão, mas acompanhar uma mulher que tomou
consciência de ter abortado. São dramas terríveis. Uma mulher quando pensa
naquilo que fez... É preciso estar no confessionário, ali deve dar consolação e
por isso concedi a todos os padres a faculdade de absolver o aborto, por
misericórdia. Muitas vezes, mas sempre, elas devem “encontrar-se” com o filho.
Quando choram e têm essa angústia eu muitas vezes as aconselho assim: seu filho
está no céu, fale com ele, cante-lhe o nana neném que não pôde
cantar-lhe. E ali se encontra um caminho de reconciliação da mãe com o filho.
Com Deus já existe a reconciliação, Deus perdoa sempre. Mas ela também deve
elaborar o ocorrido. O drama do aborto, para ser bem entendido, você precisa
estar num confessionário. É terrível.”
O senhor disse no Panamá
fazer-se muito próximo dos venezuelanos e pediu uma solução justa e pacífica,
no respeito pelos direitos humanos de todos. Os venezuelanos querem entender: o
que significa? A solução passa mediante o reconhecimento de Juan Guaidó que foi
apoiado por muitos países? Outros pedem eleições livres em breve tempo. O povo
quer ouvir seu apoio, sua ajuda e seu conselho.
“Eu apoio neste momento
todo o povo da Venezuela porque está sofrendo, os de um lado e os do outro. Se
eu ressaltasse aquilo que diz este ou aquele país, estaria me expressando sobre
algo que não conheço, seria uma imprudência pastoral de minha parte e seria
danoso. As palavras que eu disse foram por mim pensadas e repensadas. E creio
que com elas expressei a minha proximidade, aquilo que sinto. Eu sofro com o
que está acontecendo neste momento na Venezuela e por isso peço que haja uma
solução justa e pacífica. O que me espanta é o derramamento de sangue. E peço
grandeza na ajuda por parte daqueles que podem ajudar a resolver o problema. O
problema da violência me aterroriza, após todo o processo de paz na Colômbia,
pensem naquele atentado outro dia na escola dos cadetes, algo terrificante. Por
isso devo ser... não gosto da palavra “equilibrado”, quero ser pastor e se há
necessidade de uma ajuda, que peçam de comum acordo.”
Uma jovem estadunidense
contou-nos que durante seu almoço com os jovens o senhor lhe falou da dor pela
crise dos abusos. Muitos católicos estadunidenses se sentem traídos e abatidos
após as notícias de abusos e acobertamentos por parte de alguns bispos. Quais
são suas expectativas e esperanças para o encontro de fevereiro, a fim de que a
Igreja possa reconstruir a confiança?
“A ideia deste encontro
nasceu no C9 porque nós vimos que alguns bispos não entendiam bem ou não sabiam
o que fazer ou faziam uma coisa boa e outra errada. Sentimos a responsabilidade
de dar uma “catequese” sobre esse problema às conferências episcopais e por
isso os presidentes dos episcopados foram chamados. Primeiro: que se tome
consciência do drama, de que se trata de um menino ou uma menina vítimas de
abuso. Recebo regularmente pessoas vítimas de abuso. Recordo uma pessoa: 40
anos sem poder rezar. É terrível, o sofrimento é terrível. Segundo: que saibam
o que deve ser feito, qual é o procedimento. Porque às vezes o bispo não sabe o
que fazer. É algo que cresceu muito forte e não chegou a todos os lugares. E
ademais, que sejam feitos programas gerais, mas que cheguem a todas as
conferências episcopais sobre aquilo que o bispo deve fazer, e aquilo que devem
fazer o arcebispo metropolitano e o presidente da conferência episcopal. Que
haja protocolos claros. Esse é o objetivo principal. Mas antes das coisas que
devem ser feitas, é preciso tomar consciência. No encontro se rezará, haverá
alguns testemunhos para se tomar consciência, alguma liturgia penitencial para
pedir perdão por toda a Igreja. Estão trabalhando bem na preparação do
encontro. Permito-me dizer ter percebido uma expectativa de certo modo
exagerada. É preciso moderar as expectativas em relação a estes pontos que lhes
disse, porque o problema dos abusos continuará, é um problema humano, em todos
os lugares. Outro dia li uma estatística. Diz: 50% dos casos é denunciado, e
somente para 5% destes casis há uma condenação. É terrível. É um drama humano
do qual tomar consciência. Também nós, resolvendo o problema na Igreja,
ajudaremos a resolvê-lo na sociedade e nas famílias, onde a vergonha cobre
tudo. Mas primeiro devemos tomar consciência e ter os protocolos.”
O senhor disse que é
absurdo e irresponsável considerar os migrantes como portadores do mal social.
Na Itália as novas políticas sobre os migrantes levaram ao fechamento do centro
de acolhida “Castelnuovo di Porto”, que o senhor conhece bem. No Centro havia
claros sinais de integração, as crianças frequentavam a escola e agora correm o
risco de marginalização.
“Ouvi falar sobre o que
estava acontecendo na Itália, mas estava imerso nesta viagem. Não conheço os
fatos com precisão, mas posso imaginá-los. É verdade, o problema é muito
complexo. É preciso memória. Devemos nos perguntar se a minha pátria é formada
por migrantes. Nós, argentinos, somos todos migrantes. Os Estados Unidos, todos
migrantes. Um bispo escreveu um artigo muito bonito sobre o problema da falta
de memória. Usou palavras que eu uso: receber, o coração aberto para receber.
Acompanhar, ajudar a crescer e integrar. O governante deve usar a prudência,
porque a prudência é a virtude dos que governam. É uma equação difícil.
Recorda-me o exemplo sueco, que nos anos 1970, com as ditaduras na América
Latina recebeu muitos imigrantes, e todos foram integrados na sociedade.
Recordo também do trabalho que é feito pela Comunidade de Santo Egídio, por
exemplo: preocupa-se em logo integrar os migrantes. Mas no ano passado os
suecos disseram: teremos que diminuir a entrada porque não conseguimos
completar o percurso de integração. E esta é a prudência do governante. É um
problema de caridade, de amor, de solidariedade. Reitero que as nações mais
generosas em receber foram a Itália e a Grécia e um pouco também a Turquia. A
Grécia foi muito generosa assim como a Itália, muito mesmo. É verdade que se
deve pensar com realismo. Também tem outra coisa: um modo de resolver o
problema das migrações é ajudar os países de onde vêm os migrantes. Eles vêm
por causa da fome ou da guerra. A Europa tem a possibilidade de investir onde
há fome, e este é um modo de ajudar aqueles países a crescerem. Mas há sempre
aquela imaginação popular que temos na inconsciência: a África deve ser
explorada! Isso pertence à história e faz mal! Os migrantes do Oriente Médio
encontraram outras saídas: O Líbano é uma maravilha em sua generosidade,
hospeda mais de um milhão de sírios. A Jordânia, faz o mesmo. E fazem o que
pode, tentando integrá-los. A Turquia também recebeu migrantes. Nós também, na
Itália recebemos alguns. É um problema complexo sobre o qual deve-se falar sem
preconceitos.”
“Agradeço a todos pelo
seu trabalho – concluiu o Papa – gostaria de dizer uma coisa sobre o Panamá:
ali senti um novo sentimento, veio-me esta palavra: o Panamá uma nação nobre.
Encontrei nobreza. E também gostaria de dizer outra coisa, que nós na Europa,
não vemos o que eu vi no Panamá. Vi pais que erguiam seus filhos nos braços e
diziam: esta é a minha vitória, este é o meu orgulho, este é o meu futuro. No
inverno demográfico que vivemos na Europa – e na Itália é abaixo de zero – deve
nos fazer pensar. Qual é o meu orgulho? O turismo, as férias, a casa, o
cachorrinho? Ou o filho?."
(vaticannews)