Em um artigo inédito, o Papa Francisco fala da necessidade de
pedir e dar o perdão, ações possíveis somente no Espírito Santo, para superar a
atual crise ecológica. O texto, do qual o 'Corriere della Sera' publicou uma
parte, está contido no livro “Nostra Madre Terra. Una lettura cristiana della
sfida dell'ambiente", publicado pela LEV, que reúne os discursos do Papa
sobre o cuidado da criação e será lançada em 24 de outubro na Itália e na
França, com prefácio assinado pelo patriarca Bartolomeu.
Papa Francisco
Precisamente porque tudo
está interligado (cfr Laudato si' 42; 56) no bem, no amor, precisamente por
isto cada falta de amor repercute em tudo. A crise ecológica que estamos
enfrentando é, acima de tudo, um dos efeitos desse olhar doente sobre nós,
sobre os outros, sobre o mundo, sobre o tempo que passa; um olhar doente que
não nos faz perceber tudo como um dom oferecido para nos descobrirmos amados.
É esse amor autêntico,
que às vezes chega a nós de uma maneira inimaginável e inesperada, que nos pede
para rever nossos estilos de vida, nossos critérios de julgamento, os valores
nos quais baseamos nossas escolhas. De fato, já é sabido que a poluição,
mudanças climáticas, desertificação, migrações ambientais, consumo
insustentável dos recursos do planeta, acidificação dos oceanos, redução da
biodiversidade, são aspectos inseparáveis da desigualdade social: da
crescente concentração do poder e da riqueza nas mãos de poucos e da assim
chamada sociedade do bem-estar, dos loucos gastos militares, da cultura
do descarte desperdício e de uma falta de consideração do mundo do ponto de
vista das periferias, da falta de proteção das crianças e dos menores, dos
idosos vulneráveis e nascituros.
Soluções
puramente ambientais não são suficientes
Um dos grandes riscos de
nosso tempo, então, diante da séria ameaça à vida no planeta causada pela crise
ecológica, é o de esse fenômeno nãos er lido como o aspecto de uma crise
global, mas de nos limitarmos a procurar - embora necessárias e indispensáveis
- soluções puramente ambientais.
Ora, uma crise global
requer uma visão e uma abordagem global, que passam antes de tudo por um
renascimento espiritual no sentido mais nobre do termo.
Paradoxalmente, as
mudanças climáticas poderiam se tornar uma oportunidade para nos fazer perguntas
de fundo sobre o mistério de ser criado e sobre aquilo pelo qual vale a pena
viver. Isso levaria a uma profunda revisão de nossos modelos culturais e
econômicos, para um crescimento na justiça e na partilha, na redescoberta do
valor de cada pessoa, no empenho para que quem hoje está à margem, possa ser
incluído e aquele que vier amanhã, ainda possa desfrutar do beleza do nosso
mundo, que é e continuará a ser um dom oferecido à nossa liberdade e à nossa
responsabilidade.
Tomar
consciência de uma cultura que se impõe
A cultura dominante -
aquela que respiramos por meio das leituras, encontros, entretenimento, nas
mídias etc. - baseia-se na posse: das coisas, do sucesso, da visibilidade, do
poder.
Quem tem muito vale
muito, é admirado, considerado e exerce alguma forma de poder; enquanto aqueles
que têm pouco ou nada, correm o risco de perder até mesmo o próprio rosto,
porque desaparece, torna-se um daqueles invisíveis que povoam nossas cidades,
uma daquelas pessoas das quais não nos damos conta ou com quem procuramos não
entrar em contato. Certamente, cada um de nós é, antes de tudo vítima dessa
mentalidade, porque somos de muitas maneiras bombardeados por ela.
Desde pequenos, crescemos
em um mundo onde uma ideologia mercantil generalizada, que é a verdadeira
ideologia e prática da globalização, estimula em nós um individualismo que se
torna narcisismo, ganância, ambições elementares, negação do outro ...
Portanto, neste nossa situação atual, um comportamento justo e sábio, antes que
a acusação ou o julgamento, é antes de tudo o da tomada de consciência.
Estruturas
de pecado
Estamos envolvidos, de
fato, em estruturas de pecado (como São João Paulo II a chamou) que produzem o
mal, poluem o meio ambiente, ferem e humilham os pobres, favorecem a lógica da
posse e do poder, explorando os recursos naturais de maneira exagerada,
obrigando populações inteiras a abandonar suas terras, alimentam o ódio, a
violência e a guerra. Trata-se de uma tendência cultural e espiritual que
distorce nosso senso espiritual que vice-versa - em virtude de termos sido
criados à imagem e semelhança de Deus - naturalmente nos direciona ao bem, ao
amor e ao serviço aos outros.
Redescobrir-se
pessoas pertencentes a uma só família
Por essas razões, o ponto
de virada não poderá vir simplesmente do nosso esforço ou de uma revolução
tecnológica: sem negligenciar tudo isso, precisamos redescobrir-nos pessoas,
isto é, homens e mulheres que reconhecem serem incapazes de saber quem são sem
os outros, e que se sentem chamados a considerar o mundo à sua volta não como
um objetivo em si, mas como um sacramento da comunhão. Dessa maneira, os
problemas de hoje podem se tornar autênticas oportunidades para que
possamos nos descobrir verdadeiramente como uma única família, a família
humana.
O
perdão para superar a crise ecológica
Enquanto tomamos
consciência de que estamos perdendo o objetivo, que estamos priorizando o que
não é essencial ou até mesmo o que não é bom e faz mal, pode nascer em nós o
arrependimento e o pedido de perdão. Eu sinceramente sonho com um crescimento
da consciência e de um sincero arrependimento de todos nós, homens e mulheres
do século XXI, crentes e não crentes, de nossas sociedades, por nos deixarmos
levar por lógicas que dividem, provocam fome, isolam e condenam. Seria belo se
nos tornássemos capazes de pedir perdão aos pobres, aos excluídos; então nos
tornaríamos capazes de nos arrepender sinceramente também do mal feito à terra,
ao mar, ao ar, aos animais ...
Pedir e perdoar são ações
possíveis apenas no Espírito Santo, porque é Ele o artífice da comunhão que
abre os fechamentos dos indivíduos; e é necessário muito amor para deixar de
lado o próprio orgulho, para perceber que cometeu um erro e para ter esperança
de que novos caminhos sejam realmente possíveis.
O arrependimento,
portanto, para todos nós, para a nossa época, é uma graça a ser implorada
humildemente ao Senhor Jesus Cristo, para que essa nossa geração possa ser
recordada na história não por seus erros, mas pela humildade e a sabedoria de
ter sabido reverter a rota.
Recomeçar
a partir dos relacionamentos, a inovação tecnológica não é suficiente
O que estou dizendo
talvez possa parecer idealista e pouco concreto, enquanto aparecem mais
caminhos viáveis que visam desenvolver inovações tecnológicas, a redução no uso
de embalagens, o desenvolvimento de energia a partir de fontes renováveis
etc. Tudo isso é, sem dúvida, não apenas um dever, mas necessário. No
entanto, não é suficiente.
A ecologia é ecologia do
homem e de toda a criação, não apenas de uma parte. Assim como para uma doença
grave o remédio por si só não é suficiente, mas é necessário olhar para o
doente e entender as causas que levaram ao aparecimento do mal, assim
analogamente a crise de nosso tempo deve ser enfrentada em suas raízes. O
caminho proposto consiste, então, em repensar nosso futuro a partir das
relações: os homens e as mulheres de nosso tempo têm tanta sede de
autenticidade, de rever sinceramente os critérios da vida, de apostar naquilo
que vale a pena, reestruturando a existência e a cultura.
(vaticannews)
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