Em diálogo com Carlos Afonso Nobre,
convidado
especial para o Sínodo
10 de
Outubro de 2019
Hoje
na Amazônia é possível alcançar «um equilíbrio entre o conhecimento tradicional
e a ciência e a tecnologia moderna», de maneira a oferecer ao mundo um modelo
econômico capaz de conciliar desenvolvimento e defesa da floresta. Está
convencido disto o cientista brasileiro Carlos Afonso Nobre, prêmio Nobel da
paz em 2007 e membro da Comissão de ciências ambientais do conselho nacional de
desenvolvimento científico e tecnológico (Cnpq), que participa no Sínodo para a
região pan-amazônica como convidado especial. Nesta entrevista a «L'Osservatore
Romano» o cientista explica o seu ponto de vista, aprofundando algumas ideias
já expostas durante o discurso que tinha proferido na tarde de 8 de outubro,
diante da assembleia sinodal.
O
senhor tomou a palavra na Assembleia sinodal para a região pan-amazônica e no
seu breve discurso recordou que a Amazônia — descrita não como “pulmão do
planeta”, mas como “coração biológico” da Terra — está ameaçada de maneira
crônica, e no entanto a ganância do lucro por parte do homem não parece
conhecer limites. Na sua opinião, é possível conciliar a floresta com a
agricultura (“agrofloresta”), sem comprometer para sempre a fertilidade do
território?
Sim,
é possível. Se tivermos em consideração os 11 mil anos da presença humana na
Amazônia, vemos que ao longo do tempo todos os povos indígenas desenvolveram
uma forma de recurso aos produtos da floresta, sem nunca a destruir. Pode-se
dizer que eles “antropizaram” a floresta. Hoje, a floresta tropical amazônica
dispõe de milhares de produtos aos quais os indígenas recorrem, em maior
quantidade do que no período precedente à presença humana no seu território. E
a floresta continua a existir sem a extinção de qualquer espécie. Disto podemos
aprender uma lição para melhorar a qualidade de vida também de outros povos,
não só dos indígenas e das populações tradicionais. A ciência moderna
desenvolveu sistemas chamados agroecológicos, para fazer com que as florestas
tenham maior densidade de algumas espécies, aumentando assim o seu valor
econômico. Estas agroflorestas já começaram a proporcionar um maior bem-estar
para as famílias que promovem a agricultura a nível local. Por exemplo, há
sistemas que produzem açaí, castanha, cacau e babaçu. Contudo, não obstante
estas famílias tenham melhorado a sua vida, ainda não conseguem um rendimento suficiente
para alcançar a classe média. Estes sistemas são economicamente muito mais
viáveis do que o seriam se a floresta fosse substituída pela pecuária ou pela
agricultura da soja, e até mais rentáveis do que a própria mineração. No
entanto, temos que dar o próximo salto, ou seja, levar a ciência moderna a
fazer com que estes produtos da floresta adquiram maior valor. Além disso,
existem milhares de produtos da floresta que não são consumidos nos mercados
fora da Amazônia e que realmente poderiam agregar um valor muito maior à
economia destas famílias, até mesmo com o extrativismo. Este é um modelo de
desenvolvimento totalmente viável, com as ferramentas de que hoje dispomos,
também porque promove um equilíbrio entre o conhecimento tradicional e a ciência
e a tecnologia moderna.
Referindo-se
à “quarta revolução industrial”, o senhor afirmou que as tecnologias avançadas
podem dar uma contribuição para proteger este e outros ecossistemas do planeta.
Como a ciência pode intervir concretamente para debelar a ameaça que incumbe
sobre essa região?
As
tecnologias da “quarta revolução industrial”, do século xxi, já estão dominando
o mundo e podem ser aplicadas, pois são amigáveis, duráveis e baratas, ao
alcance de qualquer pessoa, e podem chegar ao centro da floresta, tornando
realizável a exploração sustentável de produtos da floresta “em pé”, e tornar
as populações amazônicas independentes da tecnocracia. Elas agregarão valor aos
produtos das comunidades e proporcionarão melhor qualidade de vida às
comunidades.
De
que maneira os governos dos países amazônicos podem agir conjuntamente,
ancorados na lei, para salvaguardar os povos indígenas, levando-os a assumir
uma participação mais ativa na construção da sua própria história?
Há
uma necessidade muito urgente da democracia, que deve ser implementada nos
países amazônicos. Todos os países amazônicos sofrem criticamente devido à
falta de uma verdadeira democracia. As nossas democracias são realmente
imperfeitas, dado que a população elege em boa-fé os seus governantes, os quais
depois nem sempre a representam. Mais de 80 por cento dos políticos destes
países parecem buscar em primeiro lugar os seus interesses econômicos,
inclusive aqueles que se escondem por trás da destruição da floresta.
A
seu ver o “desenvolvimento sustentável”, um conceito às vezes abusado, pode
representar uma solução viável em vista do bem-estar daquelas populações, sem
as fazer perder a riqueza das próprias culturas e tradições?
Um
elemento essencial do desenvolvimento sustentável é a união entre o benefício
econômico e a manutenção dos serviços ecossistêmicos da floresta, o que
representa a própria existência da floresta. A busca deste equilíbrio é
possível e desejável, e este é o caminho que temos de percorrer na Amazônia.
Para
o Papa Francisco, especialmente na “Laudato si’”, tudo está interligado, e se a
visão integrada “Deus-homem-mundo” não for devidamente respeitada, a criação
poderá perder para sempre a sua beleza original. Como representante da
comunidade científica internacional, o senhor está de acordo com esta visão?
A
visão da casa comum tem uma força muito grande, emblemática, simbólica, e hoje
podemos ver os enormes riscos que corre a casa comum amazônica. Por isso, é
deveras importante uma visão holística, como a do Papa Francisco, uma
cosmovisão, pois devemos ter a noção de que se hoje não cuidarmos da Amazônia
para ela não haverá um futuro.
Em
2007 o senhor foi laureado com o prêmio Nobel da paz, por ter ajudado a
“disseminar conhecimentos sobre as mudanças climáticas provocadas pelo homem”.
Qual é o denominador comum entre a paz e o meio ambiente?
Existe
uma ligação muito clara entre a paz e o meio ambiente. Por exemplo, vemos que a
urbanização no mundo continua a gerar uma pobreza incrível, sobretudo nas
grandes cidades dos países em desenvolvimento, também na região amazônica. Esta
perturbação que trouxemos às grandes cidades causa uma perda da qualidade de
vida e portanto da felicidade, e isto tem provocado desequilíbrios enormes,
como por exemplo o crime e a violência, levando a criar um tecido urbano onde a
ausência da paz é palpável.
Sérgio
Suchodolak
(osservatoreromano)
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