Vaticano,
06 Out. 19 / 07:01 am (ACI).- O Papa Francisco presidiu neste domingo
6 de outubro, na Basílica de São Pedro do Vaticano, a Missa de
abertura da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Panamazônica,
conhecida também como Sínodo da Amazônia, e que se desenvolverá no Vaticano até
o próximo 27 de outubro.
Na
Missa, em que participaram também os 13 novos Cardeais criados no consistório celebrado
ontem, sábado 5 de outubro, o Santo Padre contrapôs o fogo de Deus, “que
ilumina, esquenta e dá vida”, ao
fogo do mundo, “que destrói”.
O Santo
Padre destacou a importância do Sínodo “para renovar os caminhos da Igreja na Amazônia, de modo que não se
apague o fogo da missão”. Do mesmo modo, recordou que “muitos irmãos e irmãs na
Amazônia levam cruzes pesadas e esperam a consolação libertadora do Evangelho e
a carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos”.
A seguir,
a homilia completa do Papa Francisco:
O apóstolo Paulo, o maior missionário da história da Igreja, ajuda-nos a «fazer
Sínodo», a «caminhar juntos»; parece dirigido a nós, Pastores ao serviço do
povo de Deus, aquilo que escreve a Timóteo.
Começa
dizendo: «Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela
imposição das minhas mãos» (2 Tm 1, 6). Somos bispos, porque recebemos um dom
de Deus. Não assinamos um acordo; colocaram-nos, não um contrato de trabalho
nas mãos, mas mãos sobre a cabeça, para sermos, por nossa vez, mãos levantadas
que intercedem junto do Senhor e mãos estendidas para os irmãos. Recebemos um
dom, para sermos dons. Um dom não se compra, não se troca nem se vende:
recebe-se e dá-se de presente. Se nos apropriarmos dele, se nos colocarmos a
nós mesmos no centro e não deixarmos no centro o dom, passamos de Pastores a
funcionários: fazemos do dom uma função, e desaparece a gratuidade; assim
acabamos por nos servir a nós mesmos, servindo-nos da Igreja. Ao passo que a
nossa vida, dom recebido, é para servir. No-lo recorda o Evangelho, que fala de
«servos inúteis» (Lc 17, 10); expressão esta, que pode querer dizer também
«servos sem lucro». Por outras palavras, não trabalhamos para obter lucro, um
ganho nosso, mas, sabendo que gratuitamente recebemos, gratuitamente damos (cf.
Mt 10, 8). Colocamos toda a nossa alegria em servir, porque fomos servidos por
Deus: fez-Se nosso servo. Queridos irmãos, sintamo-nos chamados aqui para
servir, colocando no centro o dom de Deus.
Para
sermos fiéis a esta chamada, à nossa missão, São Paulo lembra-nos que o dom
deve ser reaceso. O verbo usado é fascinante: reacender é, literalmente, «dar
vida a uma fogueira» [anazopurein]. O dom que recebemos é um fogo, é amor
ardente a Deus e aos irmãos. O fogo não se alimenta sozinho; morre se não for
mantido vivo, apaga-se se a cinza o cobrir. Se tudo continua igual, se os
nossos dias são pautados pelo «sempre se fez assim», então o dom desaparece,
sufocado pelas cinzas dos medos e pela preocupação de defender o status quo.
Mas «a Igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de “manutenção”
para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo. O ardor missionário é um
sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial» (Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum
Domini, 95). Jesus veio trazer à terra, não a brisa da tarde, mas o fogo.
O fogo
que reacende o dom é o Espírito Santo, dador dos dons. Por isso, São Paulo
continua: «Guarda, pelo Espírito Santo que habita em nós, o precioso bem que te
foi confiado» (2 Tm 1, 14). E antes escrevera: «Deus não nos concedeu um
espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de prudência» (1, 7). Não um
espírito de timidez, mas de prudência: em oposição à timidez, Paulo coloca a
prudência. Que é, então, esta prudência do Espírito? Como ensina o Catecismo, a prudência «não se confunde com a
timidez ou o medo», mas «é a virtude que dispõe a razão prática para discernir,
em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos
meios de o atingir» (n. 1806). A prudência não é indecisão, não é um
comportamento defensivo. É a virtude do Pastor que, para servir com sabedoria,
sabe discernir, sensível à novidade do Espírito. Então, reacender o dom no fogo
do Espírito é o oposto de deixar as coisas correr sem se fazer nada. E ser
fiéis à novidade do Espírito é uma graça que devemos pedir na oração. Ele, que
faz novas todas as coisas, nos dê a sua prudência audaciosa; inspire o nosso
Sínodo a renovar os caminhos para a Igreja na Amazónia, para que não se apague
o fogo da missão.
O fogo de
Deus, como no episódio da sarça ardente, arde mas não consome (cf. Ex 3, 2). É
fogo de amor que ilumina, aquece e dá vida; não fogo que alastra e devora.
Quando sem amor nem respeito se devoram povos e culturas, não é o fogo de Deus,
mas do mundo. Contudo quantas vezes o dom de Deus foi, não oferecido, mas
imposto! Quantas vezes houve colonização em vez de evangelização! Deus nos
preserve da ganância dos novos colonialismos. O fogo ateado por interesses que
destroem, como o que devastou recentemente a Amazónia, não é o do Evangelho. O
fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com a
partilha, não com os lucros. Pelo contrário, o fogo devorador alastra quando se
quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar
as diferenças para homogeneizar tudo e todos.
Reacender
o dom; receber a prudência audaciosa do Espírito, fiéis à sua novidade; São
Paulo faz uma última exortação: «Não te envergonhes de dar testemunho (…), mas
compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus» (2 Tm 1,
8). Pede para testemunhar o Evangelho, sofrer pelo Evangelho; numa palavra:
viver para o Evangelho. O anúncio do Evangelho é o critério primeiro para a
vida da Igreja. Mais adiante, Paulo escreve:
«Estou
pronto para oferecer-me como sacrifício» (4, 6). Anunciar o Evangelho é viver a
oferta, é testemunhar radicalmente, é fazer-se tudo por todos (cf. 1 Cor 9,
22), é amar até ao martírio. De facto, como assinala o Apóstolo, serve-se o
Evangelho, não com a força do mundo, mas simplesmente com a força de Deus:
permanecendo sempre no amor humilde, acreditando que a única maneira de possuir
verdadeiramente a vida é perdê-la por amor.
Queridos
irmãos, olhemos juntos para Jesus Crucificado, para o seu coração aberto por
nós. Comecemos dali, porque dali brotou o dom que nos gerou; dali foi derramado
o Espírito que renova (cf. Jo 19, 30). Dali, sentimo-nos chamados, todos e cada
um, a dar a vida. Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e
aguardam pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da
Igreja. Por eles, com eles, caminhemos juntos.
(acidigital)
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