sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Papa Francisco e Justin Welby: Declaração Comum anglicano-católica




Roma (RV) – Ao final da celebração das Vésperas na Igreja São Gregório al Celio, o Papa Francisco e o Primaz da Igreja da Inglaterra, o Arcebispo de Cantuária Justin Welby, foi divulgada uma Declaração Comum.

Eis a íntegra do texto:

“Há cinquenta anos os nossos predecessores, Papa Paulo VI e o Arcebispo Michael Ramsey, encontraram-se nesta cidade, tornada sagrada pelo ministério e pelo sangue dos Apóstolos Pedro e Paulo. Mais tarde, João Paulo II e os Arcebispos Robert Runcie e George Carey, o Papa Bento XVI e o Arcebispo Rowan Williams, rezaram juntos nesta Igreja de São Gregório al Celio, de onde o Papa Gregório enviou Agostinho para evangelizar os povos anglo-saxões. Em peregrinação ao túmulo destes Apóstolos e Santos Padres, Católicos e Anglicanos se reconhecem herdeiros do tesouro do Evangelho de Jesus Cristo e do chamado para compartilhá-lo com todo o mundo.

Recebemos a Boa Nova de Jesus Cristo por meio das vidas santas de homens e mulheres, que pregaram o Evangelho em palavras e obras, e fomos encarregados, e animados pelo Espírito Santo, para sermos testemunhas de Cristo “até os confins do mundo” (At 1,8). Estamos unidos na convicção de que “os confins da terra” hoje não representam somente uma expressão geográfica, mas um chamado a levar a mensagem salvífica do Evangelho, em modo particular àqueles que estão à margem e na periferia das nossas sociedades.


Em seu histórico encontro de 1966, o Papa Paulo VI e o Arcebispo Ramsey, instituíram a Comissão Internacional anglicano-católica com o objetivo de perseguir um sério diálogo teológico que, “alicerçado nos Evangelhos e nas antigas tradições comuns, conduza à unidade na Verdade pela qual Cristo rezou”.

Cinquenta anos mais tarde, damos graças pelos resultados da Comissão Internacional anglicano-católica, que examinou doutrinas que criaram divisões ao longo da história, a partir de uma nova perspectiva de mútuo respeito e caridade. Hoje somos agradecidos em particular pelos documentos do ARCIC II, que examinaremos, e aguardamos as conclusões do ARCIC III, que está procurando avançar nas novas situações e nos novos desafios para a nossa unidade.

Há cinquenta anos os nossos predecessores reconheceram os “sérios obstáculos” que impediam o caminho do restabelecimento de uma partilha completa da fé e da vida sacramental entre nós. Não obstante isto, na fidelidade à oração do Senhor para que os seus discípulos sejam um só, não se desencorajaram em iniciar o caminho, mesmo sem saber quais passos poderiam ser dados ao longo da estrada. Grande progresso foi realizado em muitos âmbitos que nos mantiveram distantes. Todavia, novas circunstância trouxeram novos desacordos entre nós, particularmente em relação à ordenação de mulheres e das recentes questões relativas à sexualidade humana. Por detrás destas divergências, permanece uma perene questão sobre o modo de exercício da autoridade na comunidade cristã . Estes são alguns aspectos que constituem sérios obstáculos à nossa plena unidade. Assim como com os nossos predecessores, também nós não vemos ainda soluções para os obstáculos diante de nós, mas não estamos desencorajados. Com confiança e alegria no Espírito Santo confiamos que o diálogo e o mútuo empenho tornarão mais profunda a nossa compreensão e nos ajudarão a discernir a vontade de Cristo para a sua Igreja. Estamos confiantes na graça de Deus e na Providência, sabendo que o Espírito Santo abrirá novas portas e nos encaminhará para toda a verdade (cfr João 16,13).
As divergências mencionadas não podem nos impedir de nos reconhecermos reciprocamente irmãos e irmãs em Cristo em razão do nosso comum Batismo. Também nunca deveríamos abster-nos de descobrir e de alegrarmo-nos na profunda fé cristã e na santidade que encontramos nas tradições dos outros. Estas divergências não devem levar-nos a diminuir os nossos esforços ecumênicos. A oração de Cristo durante a Última Ceia para que todos sejam um (João 17, 20-23) é um imperativo para os seus discípulos hoje, como o foi então, no momento iminente da sua paixão, morte e ressurreição e o consequente nascimento da sua Igreja. Nem sequer as nossas divergências deveriam impedir a nossa oração comum: não somente podemos rezar juntos, mas devemos rezar juntos, dando voz à fé e à alegria que compartilhamos no Evangelho de Cristo, nas antigas Profissões de Fé e no poder do amor de Deus, feito presente pelo Espírito Santo, para superar todo pecado e divisão. Assim, com os nossos predecessores, exortamos o nosso clero e os fieis a não negligenciar ou subestimar esta comunhão, que mesmo sendo imperfeita, já compartilhamos.

Mais amplas e profundas do que as nossas divergências são a fé que compartilhamos e a nossa alegria comum no Evangelho. Cristo rezou para que os seus discípulos possam ser todos um, “para que o mundo creia” (João 17,21). O vivo desejo de unidade que nós experimentamos nesta Declaração Comum está intimamente ligado ao desejo compartilhado de que homens e mulheres cheguem a acreditar que Deus enviou o seu Filho, Jesus, ao mundo, para salvá-lo do mal que oprime e enfraquece toda a criação. Jesus deu a sua vida por amor e ressuscitando dos mortos venceu até mesmo a morte. Os cristãos, que abraçaram esta fé, encontraram Jesus e a vitória de seu amor em suas próprias vidas, e são levados a compartilhar com os outros a alegria desta Boa Nova. A nossa capacidade de nos reunir no louvor e na oração a Deus e de testemunhar ao mundo, se apoia na confiança de que compartilhamos uma fé comum e em medida substancial um acordo na fé.

O mundo deve nos ver testemunhar, no nosso trabalhar juntos, esta fé comum em Jesus. Podemos e devemos trabalhar juntos para proteger e preservar a nossa casa comum: vivendo, instruindo e agindo de forma a favorecer um rápido fim da destruição ambiental, que ofende o Criador e degrada as suas criaturas, e gerando modelos de comportamento individuais e sociais que promovam um desenvolvimento sustentável e integral para o bem de todos. Podemos, e devemos, estar unidos na causa comum de apoiar e defender a dignidade de todos os homens. A pessoa humana é rebaixada pelo pecado pessoal e social. Em uma cultura da indiferença, muros de afastamento nos isolam dos outros, das suas lutas e dos seus sofrimentos, que também muitos nossos irmãos e irmãs em Cristo sofrem atualmente. Em uma cultura do descarte, as vidas mais vulneráveis na sociedade são frequentemente marginalizadas e descartadas. Em uma cultura do ódio, assistimos a indizíveis atos de violência, seguidamente justificados por uma compreensão distorcida do credo religioso. A nossa fé cristã nos leva a reconhecer o inestimável valor de toda vida humana e a honrá-la por meio de obras de misericórdia, oferecendo educação, cuidado à saúde, alimento, água limpa e abrigo, sempre buscando resolver os conflitos e construir a paz. Enquanto discípulos de Cristo, consideramos a pessoa humana sagrada e enquanto apóstolos de Cristo devemos ser os seus advogados.

Há cinquenta anos o Papa Paulo VI e o Arcebispo Ramsey inspiraram-se nas palavras do Apóstolo: “esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Filipenses 3,13-14). Hoje, “aquilo que está para trás” – dolorosos séculos de separação – foi parcialmente curado por cinquenta anos de amizade. Damos graças pelos cinquenta anos do Centro Anglicano em Roma, destinado a ser um local de encontro e de amizade. Nos tornamos amigos e companheiros de viagem no peregrinar, enfrentando as mesmas dificuldades e fortalecendo-nos reciprocamente, aprendendo a apreciar os dons que Deus deu ao outro e a recebê-los como próprios, com humildade e gratidão.

Estamos impacientes em progredir para poder estar plenamente unidos em proclamar a todos, nas palavras e nos fatos, o Evangelho salvífico e curador de Cristo. Por isto recebemos grande encorajamento do encontro deste dias entre tantos Pastores católicos e anglicanos da Comissão internacional Anglicano-católica para a Unidade e a Missão (IARCCUM), os quais, com base naquilo que lhes é comum e que gerações de estudiosos do ARCIC cuidadosamente trouxeram à luz, estão vivamente desejosos em prosseguir na missão de colaborar e no testemunho até “os confins da terra”. Hoje nos alegramos em encarregá-los e em enviá-los em frente, dois em dois, como o Senhor enviou os setenta e dois discípulos. Que a sua missão ecumênica em direção àqueles que se encontram à margem da sociedade, seja um testemunho para todos nós, e deste lugar sagrado, como a Boa Nova há tantos séculos, saia a mensagem de que católicos e anglicanos trabalham juntos para dar voz à fé comum no Senhor Jesus Cristo, para levar alívio no sofrimento, paz onde existe conflito, dignidade onde negada e pisada.

Nesta Igreja de São Gregório Magno, invocamos ardentemente a bênção da Santíssima Trindade sobre o prosseguimento da obra da ARCIC e do IARCCUM, e sobre todos aqueles que rezam e contribuem para o restabelecimento da unidade entre nós.

Roma, 5 outubro de 2016


SUA GRAÇA JUSTIN WELBY                SUA SANTIDADE FRANCISCO



(Tradução livre do Programa Brasileiro – br.radiovaticana)
           

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