Cidade do Vaticano (RV) - O Papa
Francisco concedeu uma entrevista sobre sua viagem apostólica à Suécia, que se
realizará de 31 deste mês a 1° de novembro, ao sacerdote jesuíta Pe. Ulf Jonsson,
diretor da revista jesuíta sueca “Signum”, junto com o diretor da revista
jesuíta italiana “La Civiltà Cattolica”, Pe. Antonio Spadaro.
"Não se pode ser católico e
sectários" disse o Pontífice na entrevista concedida na véspera da visita
à Suécia para a comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma Luterana.
“Na entrevista o Papa falou,
entre vários assuntos, sobre sua amizade com os luteranos desde quando era
garoto e depois nos tempos de seu ministério episcopal. Além de explicar as
modalidades da visita e seu significado, Francisco falou sobre o desafio
espiritual para as Igrejas “envelhecidas” e sobre a importância da inquietude
na sociedade marcada pelo bem-estar. A propósito do diálogo ecumênico sublinhou
a importância de “caminhar juntos” para não permanecer fechados em perspectivas
rígidas, porque nelas não há possibilidade de reforma.
Introdução do Pe. Jonsson
“Durante um encontro dos
diretores das revistas culturais europeias da Companhia de Jesus, na metade de
junho, manifestei ao Pe. Antonio Spadaro, diretor de La Civiltà Cattolica, um
desejo que eu tinha no curacao há muito tempo: entrevistar o Papa Francisco na
véspera de sua viagem apostólica à Suécia, 31 de outubro de 2016, para
participar da comemoração ecumênica dos 500 anos da Reforma Luterana. Pensei
que uma entrevista fosse a melhor maneira de preparar o país para a mensagem
que o Pontífice teria endereçado às pessoas durante sua visita. Como diretor da
revista cultural dos jesuítas suecos Signum, pensei que este objetivo entrasse
plenamente em nossa missão.
O
ecumenismo, assim como o diálogo entre as religiões e também com os não fiéis,
está muito no coração do Papa. Ele fez entender isso de muitas maneiras. Ele é
um homem de reconciliação.
Francisco
está profundamente convencido de que os homens devem superar barreiras e cercas
de qualquer tipo. Acredita no que define “cultura do encontro”. Isso para que
todos possam colaborar para o bem comum da humanidade. Queria que esta visão de
Francisco pudesse tocar a mente e o coração de muitos antes de sua chegada à
Suécia:
a
entrevista teria sido o meio melhor para alcançar tal objetivo. Disse isso ao
Pe. Spadaro com o qual prossegui a reflexão até agosto, quando juntos chegamos
à conclusão de que era realmente oportuno apresentar ao Pontífice este pedido a
fim de que pudesse decidir se realizá-la ou não. O Papa tomou tempo pra
refletir sua oportunidade. No final, a resposta foi positiva e nos deum um
encontro na Santa Marta na tarde do sábado, 24 de setembro passado.
Foi um dia realmente agradável
por causa da temperatura e luminosidade do céu. Atravessando o trânsito de Roma
de carro com Pe. Spadaro, estava ansioso, mas feliz. Chegamos a Santa Marta 15
minutos antes do previsto. Pensei que devíamos esperar e ao invés fomos logo convidados
a subir ao andar onde o Papa tem o seus aposentos. Quando o elevador se abriu,
vi um guarda-suíço que nos saudou com cortesia. Ouvi a voz do Papa falar
cordialmente com outras pessoas em espanhol, mas não o vi. A um certo ponto ele
apareceu com duas pessoas, conversando amigavelmente. Nos saudou com um sorriso
indicando-nos de entrar em seus aposentos: ele voltaria logo.
Fiquei surpreso com esta simples
e calorosa familiaridade o acolhimento. Foi-nos dito na portaria que o Papa
teve um dia intenso, e eu pensei que estivesse cansado no final do dia. Ao
invés disso, fiquei surpreso em vê-lo tão cheio de energia e relaxado.
O
Papa entrou na sala e nos convidou a sentar onde preferíamos. Sentei-me numa
poltrona e Pe. Spadaro diante de mim. O Papa se sentou no sofá no meio das duas
poltronas. Apresentei-me no meu italiano pobre, mas suficiente para entender e
dialogar com simplicidade. Depois de algumas brincadeiras do Papa acendemos os
gravadores e iniciamos a conversa.
Pe. Spadaro traduziu do inglês algumas
perguntas que eu queria fazer ao Papa e que eu tinha preparado, mas depois da
conversa entre nós três fluiu naturalmente, numa atmosfera amigável e sem
distâncias artificiais. Sobretudo porque foi claro e direto, sem rodeios e sem
que a atmosfera típica dos encontros com os grandes líderes ou pessoas a
respeito. Não tenho nenhuma dúvida de que o Papa Francisco ama conversar,
comunicar com os outros. Às vezes toma tempo para refletir antes de responder,
e suas respostas sempre transmitem uma sensação de envolvimento sério, mas não
pesada ou triste. Na verdade, durante a nossa visita, ele deu várias vezes
sinais de seu humorismo.
Entrevista
Santo
Padre, em 31 de outubro o senhor visitará Lund e Malmö para participar da
Comemoração Ecumênica dos 500 anos da Reforma, organizada pela Federação
Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos
Cristãos. Quais são as suas esperanças e suas expectativas para este evento
histórico?
Digo somente uma palavra:
aproximar-se. A minha esperança e expectativa são as de me aproximar mais de
meus irmãos e irmãs. A proximidade faz bem a todos. A distância ao invés nos
faz adoecer. Quando nos distanciamos, nos fechamos dentro de nós mesmos e nos
tornamos nômades, incapazes de nos encontrar. Nos deixamos levar pelo medo. É
preciso aprender a se transcender para encontrar os outros. Se não o fazemos
nós cristãos nos adoecemos de divisão. A minha expectativa é a de conseguir
fazer um passo de proximidade, de estar próximo aos meus irmãos e irmãs que
vivem na Suécia.”
Na Argentina os luteranos formam
uma comunidade restrita. O senhor teve modo de se encontrar com eles no
passado?
“Sim,
bastante. Lembro-me da primeira vez que fui a uma igreja luterana: foi
precisamente em sua sede na Argentina, na Calle Esmeralda, Buenos Aires. Eu
tinha 17 anos. Lembro-me bem daquele dia. Casou-se um amigo meu de
trabalho, Axel Bachmann. Ele era o tio da teóloga luterana Mercedes Garcia
Bachmann. E a mãe da Mercedes, Ingrid, trabalhava no laboratório onde eu trabalhava.
Esta foi a primeira vez que participei de uma celebração luterana. A segunda
vez, foi uma experiência mais forte. Nós jesuítas temos a Faculdade de Teologia
em San Miguel, onde ensinei. Ali perto, a menos de 10 km de distância, havia a
Faculdade de Teologia Luterana. O reitor era um húngaro, Leskó Béla, realmente
um bom homem. Com ele tinha contatos muito cordiais. Eu era professor e tinha a
cátedra de Teologia espiritual. Convidei o professor de Teologia espiritual
daquela Faculdade, um sueco, Anders Ruuth, para dar junto comigo aulas de
espiritualidade. Lembro-me que aquele era um momento muito difícil para a minha
alma. Eu tinha muita confiança nele e abri o meu coração. Ele me ajudou muito
naquele momento. Depois foi enviado ao Brasil, conhecia bem também o português,
e depois voltou para a Suécia. Ali publicou as suas teses de habilitação sobre
“A Igreja universal do Reino de Deus”, que
surgiu no Brasil no final dos anos setenta. Era uma tese crítica. Ele a escreveu
em sueco, mas tinha um capítulo em inglês. Ele me enviou e eu li aquele
capítulo em inglês: era uma pérola. Depois, passou o tempo. Enquanto isso, me
tornei bispo auxiliar de Buenos Aires. Um dia foi me visitar na casa episcopal
o então arcebispo primaz de Uppsala. O Cardeal Quarracino não estava. Ele me
convidou para ir à missa deles na Calle Azopardo, na Iglesia Nórdica de Buenos
Aires, que antes era chamada de «Igreja sueca». A ele eu falei sobre Anders
Ruuth, que depois voltou mais uma vez a Argentina para celebrar um matrimônio.
Naquela ocasião nos revimos, e foi a última: um de seus dois filhos, o músico,
o outro era médico, um dia me telefonou para dizer que ele tinha morrido.
Outro
capítulo da minha relação com os luteranos diz respeito à Igreja da Dinamarca.
Tive um bom relacionamento com o pastor de então, Albert Andersen, que agora se
encontra nos Estados Unidos. Ele me convidou duas vezes para fazer uma
pregação. A primeira era num contexto litúrgico. Naquela ocasião foi muito
delicado: para evitar recriar constrangimento acerca da participação na
comunhão, naquele dia não celebrou a missa, mas um batizado. Sucessivamente, me
convidou para fazer uma conferencia para os jovens. Lembro-me que com ele tive
uma discussão muito forte à distância, quando ele estava já nos Estados Unidos.
O pastor me repreendeu muito por causa do que eu disse sobre uma lei relativa
aos problemas religiosos na Argentina. Mas digo que me repreendeu com
honestidade e sinceridade, como um amigo verdadeiro. Quando voltou a Buenos
Aires, fui pedir-lhe desculpas porque de fato a maneira como eu me expressei
naquele caso foi um pouco ofensiva. Depois, eu tive uma grande proximidade com
o Pastor David Calvo, argentino, da Igreja Evangélica Luterana Unida. Ele
também era uma pessoa boa.
Lembro-me
também que para o “Dia da Bíblia” que em Buenos Aires se celebrava no final de
setembro, voltei à primeira igreja em que fui quando jovem, na Calle Esmeralda.
Ali eu encontrei Mercedes García Bachmann. Tivemos uma conversa. Aquele foi o
último encontro institucional que tive com os luteranos quando era arcebispo de
Buenos Aires. Depois, eu continuei a me relacionar com amigos luteranos no
âmbito pessoal. Mas o homem que fez muito bem à minha vida foi Anders Ruuth:
penso nele com muito afeto e reconhecimento. Quando veio me encontrar aqui
a Arcebispa primaz da Igreja da Suécia, falamos sobre aquela amizade
entre nós dois. Recordo-me bem quando a Arcebispa Antje Jackelén veio aqui ao
Vaticano, em maio de 2015, em visita oficial: fez um grande discurso. Eu a encontrei
sucessivamente também por ocasião da canonização de Maria Elisabeth Hesselblad.
Então eu pude saudar também o marido: são pessoas realmente amáveis. Depois,
como Papa fui pregar na Igreja Luterana de Roma. Fiquei muito impressionado com
as perguntas que me foram feitas então: a do menino e de uma senhora sobre a
intercomunhão. Perguntas bonitas e profundas. O pastor daquela igreja é
realmente bom!
Nos diálogos ecumênicos as
diferentes comunidades deveriam tentar se enriquecer reciprocamente com o
melhor de suas tradições. O que a Igreja Católica poderia aprender da tradição
luterana?
Penso em duas palavras:
«reforma» e «Escritura». Vou me explicar. A primeira é a palavra «reforma». No
início, o de Lutero foi um gesto de reforma num momento difícil para a Igreja.
Lutero queria curar uma situação complexa. Depois, este gesto, também por causa
de situações políticas, pensemos também na cuius regio eius religio, se
tornou um “estado” de separação, e não um processo de reforma de toda a Igreja,
que era fundamental, porque a Igreja é semper reformanda. A segunda
palavra é “Escritura”, a Palavra de Deus. Lutero fez um grande passo para
colocar a Palavra de Deus nas mãos do povo. Reforma e Escritura são as duas
coisas fundamentais que podemos aprofundar, olhando a tradição luterana. Penso
nas Congregações Gerais antes do Conclave e quanto o pedido de uma reforma
tenha sido vivo e presente em nossas discussões.”
Somente
uma vez ante do senhor, um Papa visitou a Suécia, Joao Paulo II, em 1989.
Aquele era um tempo de entusiasmo ecumênico e desejo profundo de unidade entre
católicos e luteranos. Desde então, o movimento ecumênico parece ter perdido o
vigor e novos obstáculos surgiram. Como deveria ser geridos estes obstáculos?
Quais são, a seu ver, os meios melhores para promover a unidade dos cristãos?
Claramente cabe aos teólogos
continuar a dialogar e estudar os problemas: sobre isso não tenho dúvidas. O
diálogo teológico deve prosseguir, porque é um caminho a ser percorrido. Penso
nos resultados que nesta estrada foram alcançados com o grande documento
ecumênico sobre a justificação: foi um grande passo positivo. Certo, depois
deste passo imagino que não será fácil ir adiante por causa das várias
capacidades de compreender algumas questões teológicas. Perguntei ao Patriarca
Bartolomeu se era verdade aquilo que se fala do Patriarca Atenágoras, ou seja,
que teria dito a Paulo VI: “Nós vamos em frente e coloquemos os teólogos numa
ilha para discutirem entre eles”. Me disse que é uma piada verdadeira. Mas sim,
o diálogo teológico deve continuar, mesmo se não será fácil.
Pessoalmente, acredito que se
deve mover o entusiasmo para a oração comum e as obras de misericórdia, ou
seja, o trabalho feito em conjunto no sentido de ajudar os doentes, os pobres,
os encarcerados. Fazer algo juntos é uma forma elevada e eficaz de diálogo.
Penso também na educação. É importante trabalhar juntos e não maneira sectária.
Devemos ter claro um critério em qualquer caso: fazer proselitismo no campo
eclesial é pecado. Bento XVI nos disse que a Igreja não cresce por
proselitismo, mas por atração. O proselitismo é um comportamento pecaminoso.
Seria como transformar a Igreja numa organização. Falar, rezar e trabalhar
juntos: este é o caminho que devemos fazer. Veja, na unidade aquele que não
erra nunca é o inimigo, o demônio. Quando os cristãos são perseguidos e mortos,
são por serem cristãos e não porque são luteranos, calvinistas, anglicanos,
católicos ou ortodoxos. Existe um ecumenismo de sangue.
Recordo-me
de um episódio que vivi com o pároco da paróquia de Sankt Joseph em Wandsbek,
Hamburgo. Ele levava adiante a causa dos mártires guilhotinados por Hitler,
porque ensinavam o catecismo. Foram guilhotinados um atrás do outro. Depois dos
dois primeiros, que eram católicos, foi morto um pastor luterano condenado pelo
mesmo motivo. O sangue dos três se misturou. O pároco me disse que para ele era
impossível continuar a causa de beatificação dos dois católicos sem inserir o
luterano; o sangue deles foi misturado! Mas lembro-me também da homilia do Papa
Paulo VI em Uganda, em 1964, que mencionava juntos, unidos, os mártires
católicos e anglicanos.
Tive este pensamento quando eu
também visitei Uganda. Isto acontece também em nossos dias: os ortodoxos, os
mártires coptas mortos na Líbia. É o ecumenismo de sangue. Portanto, rezar
juntos, trabalhar juntos e compreender o ecumenismo de sangue.
Uma das causas maiores de
inquietude de nosso tempo é a difusão do terrorismo revestido de termos
religiosos. O encontro de Assis acentuou também a importância do diálogo
inter-religioso. Como o senhor viveu isso?
Havia todas as religiões que têm
contato com Santo Egídio. Encontrei aqueles que Santo Egídio contatou: eu não
escolhi quem encontrar. Mas eram muitos, e o encontro foi muito respeitoso e
sem sincretismo. Todos juntos falamos de paz e pedimos a paz. Dissemos juntos
palavras fortes para a paz que as religiões realmente querem. Não se pode fazer
guerra em nome da religião, de Deus: é uma blasfêmia, é satânico. Hoje, recebi
cerca de 400 pessoas que estavam em Nice e saudei as vítimas, os feridos,
pessoas que perderam esposas ou maridos ou filhos. Aquele louco que cometeu a
tragédia a fez pensando de fazer em nome de Deus. Pobre homem! Era um
desiquilibrado! Com caridade podemos dizer que era um desiquilibrado que procurou
usar uma justificação em nome e Deus. Por isso, o encontro em Assis é muito
importante. “
Mas o senhor recentemente
falou também de outra forma de terrorismo, o das fofocas. Em que sentido e como
ele pode ser vencido?
Sim,
existe o terrorismo interno e subterrâneo que é um vício difícil de extirpar.
Descrevo o vício das murmurações e das fofocas como uma forma de terrorismo: é
uma forma de violência profunda que todos temos à disposição na alma e que
requer uma conversão profunda. O problema desse terrorismo é que todos podemos
colocá-lo em prática. Toda pessoa é capaz de se tornar terrorista usando
simplesmente a língua. Não falo de brigas que se fazem abertamente, como as
guerras. Falo de um terrorismo furtivo, escondido, que se faz jogando as palavras
como "bombas" e que faz muito mal. A raiz desse terrorismo está no
pecado original, e é uma forma de crime. É uma forma de ganhar espaço para si
destruindo o outro. É necessário, portanto, uma profunda conversão do coração
para vencer esta tentação, e é preciso se examinar muito neste ponto de vista.
A espada mata muitas pessoas, porém mata muito mais a língua, diz o apóstolo
Tiago no terceiro capítulo de sua carta. A língua é um pequeno membro, mas pode
desenvolver um fogo do mal e incendiar toda a nossa vida. A língua pode se
encher de veneno mortal. Este terrorismo é difícil de domar.
A religião pode ser uma bênção,
mas também uma maldição. Os meios de comunicação muitas vezes trazem notícias
de conflitos entre grupos religiosos no mundo. Algumas afirmam que o mundo
seria mais pacífico se não houvesse religião. O que responde a esta crítica?
As idolatrias que estão na base
de uma religião, não a religião! Existem idolatrias ligadas à religião: a
idolatria do dinheiro, das inimizades, do espaço superior ao tempo, da
concupiscência da territorialidade do espaço. Existe uma idolatria da conquista
do espaço, do domínio, que ataca as religiões como um vírus maligno. A
idolatria é uma religião falsa, é uma religiosidade errada. Eu a chamo “uma
transcendência imanente”, ou seja, uma contradição. Ao invés, as religiões
verdadeiras são o desenvolvimento da capacidade que tem um homem de se
transcender rumo ao absoluto. O fenômeno religioso é transcendente e tem a ver
com a verdade, a beleza, a bondade e a unidade. Se não há esta abertura, não há
transcendência, não há religião verdadeira, existe idolatria. A abertura à
transcendência não pode absolutamente ser causa de terrorismo, porque esta
abertura está sempre unida à busca da verdade, da beleza, da bondade e da
unidade.
O
senhor muitas vezes falou em termos muito claros sobre situação terrível dos
cristãos em algumas áreas do Oriente Médio. Existe ainda esperança por um
desenvolvimento mais pacífico e humano para os cristãos naquela área?
Acredito que o Senhor não
deixará o seu povo a si mesmo, não o abandonará. Quando lemos sobres as
provações duras do povo de Israel na Bíblia fazemos memória as provações dos
mártires, constatamos como o Senhor sempre veio em auxílio ao seu povo.
Recordamos no Antigo Testamento a morte dos sete filhos com a sua mãe no Livro
dos Macabeus ou o martírio de Eleazar. Certamente, o martírio é uma das formas
da vida cristã. Recordamos São Policarpo e a carta à Igreja de Esmirna que nos
fala sobre as circunstâncias de sua prisão e sua morte. Sim, neste momento o
Oriente Médio é a terra dos mártires. Podemos sem dúvida falar de uma Síria
mártir e martirizada. Quero citar uma recordação pessoa que ficou no coração:
em Lesbos encontrei um pai com duas crianças. Ele me disse que era muito
apaixonado por sua esposa. Ele era muçulmano e ela cristã. Quando chegaram os
terroristas, quiseram que ela tirasse a cruz, mas ela não quis e eles a
degolaram diante de seu marido e seus filhos. Ele me continuou dizendo: “Eu a
amo tanto, a amo tanto”. Sim, ela é uma mártir, mas o cristão sabe que existe
esperança. O sangue dos mártires é a semente dos cristãos: sabemos desde
sempre.
O senhor é o primeiro Papa não
europeu há mais de 1.200 anos, e muitas vezes salientou a vida da Igreja em
regiões consideradas “periféricas” do mundo. Onde, segundo o senhor, a Igreja
católica terá as suas comunidades mais vivas nos próximos 20 anos? E de que
modo as Igrejas na Europa poderão contribuir para o catolicismo do futuro?
Esta é uma pergunta ligada ao
espaço, à geografia. Eu tenho alergia de falar de espaços, mas digo sempre que
das periferias se veem melhor as coisas do que do centro. A vivacidade das
comunidades eclesiais não depende do espaço, da geografia, mas do espírito. É
verdade que as Igrejas jovens têm um espírito mais fresco, e do outro lado,
existem as Igrejas envelhecidas, Igrejas um pouco adormecidas, que parecem ser
interessadas somente em conservar o seu espaço. Nestes casos, não digo que
falta o espírito: existe sim, mas está fechado numa estrutura, numa maneira
rígida, temorosa de perder o espaço. Nas Igrejas de alguns países se vê próprio
que falta o frescor. Neste sentido, o frescor das periferias dá mais espaço ao
espírito. É preciso evitar os efeitos de um mal envelhecimento das Igrejas. Faz
bem reler o capítulo terceiro do Profeta Joel, ali onde diz que os idosos terão
sonhos e que os jovens terão visões. Nos sonhos dos idosos existe a
possibilidade de que os nossos jovens tenham novas visões, tenham novamente um
futuro. Ao invés, as Igrejas às vezes são fechadas em programas, em
programações. Eu admito: sei que são necessários, mas eu faço muita fadiga a
colocar muita esperança nos organogramas. O espírito está pronto a impulsionar,
a ir adiante. E o espírito se encontra na capacidade de sonhar e na capacidade
de profetizar. Isto para mim é um desafio para toda a Igreja. E a união entre
idosos e jovens é para mim o desafio do momento para a Igreja, o desafio para a
sua capacidade de frescor. Por isso, em Cracóvia durante a Jornada Mundial da
Juventude, recomendei aos jovens de conversar com os avós. A Igreja jovem
rejuvenesce mais quando os jovens conversam com os idosos e quando os idosos
sabem sonhar coisas grandes, porque isso faz com que os jovens profetizem. Se
os jovens não profetizam falta respiro para a Igreja.
A sua visita à Suécia tocará um
dos países mais secularizados no mundo. Boa parte de sua população não acredita
em Deus, e a religião tem um papel um pouco modesto na vida pública e na
sociedade. Segundo o Senhor, o que perde uma pessoa que não acredita em Deus?
“Não se trata de perder alguma
coisa. Trata-se de não desenvolver adequadamente uma capacidade de
transcendência. O caminho da transcendência dá lugar a Deus, e nisto são
importantes também os pequenos passos, até mesmo o do ateu a ser agnóstico. O
problema para mim é quando se fecha e se considera a própria vida perfeita em
si mesma, portanto, fechada em si mesma, sem necessidade de uma transcendência
radical. Mas para abrir aos outros a transcendência não é necessário fazer
muitos discursos e palavras. Quem vive a transcendência é visível: é um
testemunho vivo. No almoço que tive em Cracóvia com alguns jovens, um deles me
perguntou: “O que deve dizer a um mio amigo que não acredita em Deus? Como faço
para convertê-lo? Eu lhe respondi: “A última coisa que deve fazer é dizer
alguma coisa. Aja! Vivi! Depois, vendo a sua vida, o seu testemunho, talvez o outro
irá perguntar porque você vive assim. Estou convencido de que quem não crer ou
não procura Deus talvez não sentiu a inquietude de um testemunho. Isso está
muito ligado ao bem-estar. A inquietude se encontra dificilmente no bem-estar.
Por isso, acredito que contra o ateísmo, ou seja, contra o fechamento à
transcendência, valem realmente, somente a oração e o testemunho.”
Os católicos na Suécia são uma
pequena minoria, e na maior parte composta por imigrantes de várias nações do
mundo. O senhor se encontrará com alguns deles celebrando a Missa em Malmö em
1° de Novembro. Como vê o papel dos católicos numa cultura como a sueca?
“Vejo uma convivência saudável,
onde cada um pode viver sua fé e expressar o seu testemunho, vivendo num
espírito aberto e ecumênico. Não se pode ser católicos e sectários. Devemos nos
esforçar para estar com os outros. "Católico" e "sectário"
são duas palavras que se contradizem. É por isso que no início eu não previa
celebrar uma missa para os católicos nesta viagem: Eu queria insistir num
testemunho ecumênico. Depois eu refleti bem sobre o meu papel de pastor de um
rebanho católico que chegará também dos países vizinhos, como a Noruega e a
Dinamarca. Então, respondendo ao pedido fervoroso da comunidade católica,
decidi celebrar uma missa, aumentando a viagem de um dia. Na verdade eu queria
que a missa não fosse celebrada no mesmo dia e não no mesmo lugar do encontro
ecumênico para evitar confundir os planos. O encontro ecumênico deve ser
preservado em seu profundo significado, segundo um espírito de unidade, que é o
meu. Isto criou problemas de organização, eu sei, porque eu vou estarei na
Suécia também no Dia de Todos os Santos, que aqui em Roma é importante. Mas, a
fim de evitar mal-entendidos, eu quis que fosse assim.”
O senhor é um jesuíta. Desde
1879, os jesuítas desempenharam suas atividades na Suécia nas paróquias, com
exercícios espirituais, com a revista «Signum», e nos últimos 15 anos, graças
ao Instituto universitário «Newman». Quais compromissos e quais valores deveria
caracterizar o apostolado dos jesuítas hoje neste país?
Acredito que a primeira tarefa
dos jesuítas na Suécia seja a de favorecer de toda forma o diálogo com aqueles
que vivem na sociedade secularizada e com os não crentes: falar, partilhar,
compreender e estar próximo. Depois, claramente é preciso favorecer o diálogo
ecumênico. O modelo para os jesuítas suecos deve ser São Pedro Favre, que
estava sempre a caminho e que foi guiado por um espírito bom, aberto. Os
jesuítas não têm uma estrutura quieta. É preciso ter o coração inquieto e ter
estruturas, sim, mas inquietas.
Quem é Jesus para Jorge Mario
Bergoglio?
Jesus para mim é Aquele que me
olhou com misericórdia e me salvou. A minha relação com ele tem sempre este
princípio e fundamento. Jesus deu sentido à minha vida aqui na terra, e
esperança por uma vida futura. Com a misericórdia me olhou, me pegou, me
colocou no caminho... E me deu uma graça importante: a grana da vergonha. A
minha vida espiritual está toda contida no capítulo 16 de Ezequiel. Especialmente
nos versículos finais, quando o Senhor revela que iria estabelecer a sua
aliança com Israel dizendo-lhe: “Saberás que eu sou o Senhor, a fim de que te
lembres e te cubras de vergonha, e na tua humilhação já não tenhas disposição
de falar, quando eu tiver perdoado tudo quanto fizeste”. A vergonha é positiva:
nos faz agir, mas nos faz entender qual é o nosso lugar, quem somos, impedindo
todo orgulho e vaidade.
Uma palavra final, Santo Padre,
sobre esta viagem à Suécia
O que me vem naturalmente para
acrescentar agora é simples: ir, caminhar juntos! Não permanecer fechados em
perspectivas rígidas, porque nelas não há possibilidade de reforma.
O Papa, Pe. Spadaro e eu
passamos juntos cerca de uma hora e meia. No final, Francisco nos acompanhou
até o elevador. Ele nos recomendou de rezar por ele. As portas se fecharam
enquanto ele nos saudada com a mão e com um sorriso radiante que nunca me
esquecerei.
Do lado de fora já estava
escuro. A cúpula de São Pedro, iluminada, revelava o seu esplendor enquanto
entrávamos no carro para voltar em tempo para o jantar na comunidade de La
Civiltà Cattolica.
(MJ)
(radiovaticana)
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