Meditação de Quaresma do frei Cantalamessa com a presença do Papa, 12 de março 2021
“E vós, quem dizeis que eu sou? Jesus Cristo verdadeiro Deus”, foi o tema da terceira meditação do cardeal Raniero Cantalamessa. “Os cristãos proclamam já no canto a divindade de Cristo! A fé na divindade de Cristo nasce com o nascer da Igreja”, explica o frei capuchinho
Vatican News
“E vós, quem dizeis que eu sou? Jesus Cristo, verdadeiro Deus” foi o tema da terceira meditação da Quaresma do pregador da Casa Pontifícia, o cardeal Raniero Cantalamessa, na Sala Paulo VI, no Vaticano, aos membros da Cúria Romana.
O cardeal inicia recordando o tema e o espírito das meditações quaresmais deste ano: “Propusemo-nos em reagir à tendência difundidíssima de falar da Igreja “etsi Christus non daretur”, como se Cristo não existisse, como se fosse possível entender tudo dela, prescindindo dele. Propusemo-nos, porém, em reagir a isso de um modo diverso do habitual: não buscando convencer o mundo e seus meios de comunicação de erro, mas renovando e intensificando a nossa fé em Cristo. Não em chave apologética, mas espiritual. Para falar de Cristo – continua o cardeal - escolhemos a via mais segura, que é a do dogma: Cristo verdadeiro homem, Cristo verdadeiro Deus, Cristo uma só pessoa. Aquela do dogma é uma via por nada velha e ultrapassada. “Despertar os dogmas”, afirma frei Cantalamessa. “Na vez passada, buscamos fazer isso, em relação ao dogma de Jesus ‘verdadeiro homem’; hoje, queremos fazê-lo com o dogma de Cristo ‘verdadeiro Deus’”.
O dogma de Cristo “verdadeiro Deus”
“Em 111 ou 112 depois de Cristo, segundo historiadores “os cristãos proclamam já no canto a divindade de Cristo! A fé na divindade de Cristo nasce com o nascer da Igreja”. O cardeal faz brevemente uma reconstrução da história do dogma da divindade de Cristo: “Ele foi sancionado solenemente no Concílio de Niceia de 325, com as palavras que repetimos no Credo: ‘Creio em um só Senhor, Jesus Cristo... Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai’. Para além dos termos usados, o sentido profundo da definição de Niceia era que, em toda língua e em toda época, Cristo deve ser reconhecido como Deus no sentido mais forte e mais alto que a palavra ‘Deus’ tem em determinada língua e cultura, e não em qualquer outro sentido derivado e secundário”.
Cristo “verdadeiro Deus” nos Evangelhos
“Mas agora, devemos ter fé em nosso intuito”, explica o cardeal depois de recordar que no decorrer dos séculos muito se refletiu e modificou em relação à Niceia. “Por isso – continua - deixemos de lado o que pensa o mundo e busquemos despertar em nós a fé na divindade de Cristo. Uma fé luminosa, não desfocada, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, isto é, não só crida, mas também vivida”. E para isso sugere: “Partamos justamente dos evangelhos. Nos sinóticos, a divindade de Cristo jamais é declarada abertamente, mas é continuamente subentendida. Recordemos algumas frases de Jesus: ‘O Filho do Homem tem, na terra, autoridade para perdoar pecados’ (Mt 9,6); ‘Ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho’ (Mt 11,27). (...) Quem, a não ser Deus, pode perdoar os pecados em nome próprio e se proclamar juiz final da humanidade e da história?”. E afirma: “Assim como basta um fio de cabelo ou uma gota de saliva para reconstruir o DNA de uma pessoa, assim, basta apenas uma linha do Evangelho, lida sem preconceitos, para reconstruir o DNA de Jesus, para descobrir o que ele pensava de si mesmo, mas não podia dizer abertamente para não ser incompreendido.
“A transcendência divina de Cristo literalmente transpira de cada página do Evangelho”
“Corde creditur: crê-se com o coração”
“Assim como para a humanidade, também a propósito da divindade de Cristo, agora podemos mostrar como o antigo dogma, objetivo e ontológico, é capaz de acolher e valorizar o dado moderno subjetivo e funcional” enquanto que ”o contrário foi um tanto difícil”. “A razão do insucesso é explicada por Jesus e foi bem compreendida por João, que a expõe: “Ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu” (Jo 3,13)”.
“De fato, é possível para Deus, se assim o quiser, fazer-se homem, mas não é possível ao homem fazer-se Deus!”
Concluindo este ponto o pregador insiste: “A divindade de Cristo é o cume mais alto, o Evereste da fé. Crer em um Deus nascido em um estábulo e morto em uma cruz! Isto é muito mais exigente do que crer em um Deus distante, que cada um pode representar ao próprio gosto”.
“Devemos recriar as condições para uma retomada da fé na divindade de Cristo. Reproduzir o impulso de fé do qual nasceu o dogma de Niceia. O corpo da Igreja outrora produziu um esforço supremo, com o qual se ergueu, na fé, acima de todos os sistemas humanos e de todas as resistências da razão. A maré da fé uma vez subiu a um nível máximo e sua marca permaneceu na rocha. No entanto, é preciso que se repita a subida, não basta a marca. Não basta repetir o Credo de Niceia; é preciso renovar o impulso de fé que então se teve na divindade de Cristo e do qual não houve igual nos séculos.
Ecumenismo e evangelização
“O que evidenciamos tem importantes consequências também para o ecumenismo cristão. Existem, de fato, dois ecumenismos possíveis: o da fé e o da incredulidade; um que reúne todos aqueles que creem que Jesus é o Filho de Deus e que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, e um que reúne todos aqueles que se limitam a “interpretar” (cada um à própria maneira e segundo o próprio sistema filosófico) estas coisas. Um ecumenismo no qual, no máximo, todos creem as mesmas coisas porque ninguém crê mais realmente em nada, no sentido forte da palavra “crer”. E explica: “A distinção fundamental dos espíritos, no âmbito da fé, não é a que distingue entre católicos, ortodoxos e protestantes, mas a que distingue aqueles que creem no Cristo Filho de Deus e aqueles que não creem”
“O verdadeiro 'ecumenismo espiritual' não consiste somente em rezar pela unidade dos cristãos, mas em compartilhar a mesma experiência do Espírito Santo”
“A fé na divindade é importante sobretudo em vista da evangelização. Existem edifícios ou estruturas metálicas feitas de forma que, se você tocar em um determinado ponto ou levantar uma determinada pedra, tudo desmorona. Assim é o edifício da fé cristã, e esta sua “pedra angular” é a divindade de Cristo. Removida esta, tudo se desagrega e desmorona, começando pela fé na Trindade. De quem se forma a Trindade, Cristo não é Deus? Não por nada, basta se por entre parênteses a divindade de Cristo, que se põe entre parênteses também a Trindade”.
“Santo Agostinho dizia – continua Cantalamessa – ‘a fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo’. A mesma coisa se deve dizer da humanidade e divindade de Cristo, cujas morte e ressurreição são as respectivas manifestações. Todos creem que Jesus seja homem; o que faz a diversidade entre crentes e não crentes é crer que ele também seja Deus. A fé dos cristãos é a divindade de Cristo!”.
“Conhecer Cristo é reconhecer os seus benefícios”
“Conhecer Cristo é reconhecer os seus benefícios”, nós ouvimos. Concluamos justamente recordando dois destes benefícios, que são os mais capazes de responder às necessidades profundas do homem de hoje e de sempre: a necessidade de sentido e a necessidade de vida. Não é verdade que o homem moderno deixou de se propor a questão sobre o sentido da vida”.
E segue o tema especificando, “claro, não se interroga sobre o sentido último da vida quem se prestou a outras coisas... Mas, quando estas vão desaparecendo – juventude, saúde, fama – muitos voltam a se propor aquela pergunta. Fazem-na ainda mais neste tempo de pandemia em que, fechados frequentemente em casa, homens e mulheres finalmente têm tido o tempo de refletir e se interrogar”. E faz uma importante afirmação: “Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue, não caminha na escuridão” (Jo 8,12). Quem crê em Cristo, tem a possibilidade de resistir à grande tentação da falta de sentido da vida, que frequentemente leva ao suicídio”.
“Quem crê em Cristo não caminha nas trevas: sabe de onde vem, sabe para onde vai e o que fazer enquanto isso. Sobretudo, sabe que é amado por alguém e que este alguém deu a vida para demonstrá-lo!”
Por fim frei Cantalemassa pondera: “Jesus também disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá” (Jo 11,25). E o evangelista, mais tarde, escreverá aos cristãos: “Eu vos escrevo estas coisas, a vós que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais que tendes a vida eterna (...). Ele é o verdadeiro Deus e a Vida eterna” (1Jo 5,13.20). justamente porque Cristo é “verdadeiro Deus”, é também “vida eterna” e dá a vida eterna. Isto não nos tira necessariamente o medo da morte, mas dá ao fiel a certeza de que a nossa vida não termina com ela".
(vaticannews)
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