Eduardo Martins
Vivemos a Quaresma e neste tempo o Ofício de Leitura traz-nos a epopeia do povo de Israel através do Livro do Êxodo, que narra como Deus o libertou da escravidão no Egito rumo à Terra Prometida, em busca de um futuro novo, utilizando o deserto como o percurso necessário durante o tempo adequado (40 anos).
A palavra deserto tem um significado literal. Objetivamente o deserto significa uma área seca, hostil, praticamente sem água, um sítio desolado, muito quente durante o dia e profundamente frio à noite, com pouca vida. Porém, na Bíblia, o “deserto” apresenta-se-nos com muitos e particulares significados: Pode aparecer-nos como um lugar de escuta “Falou o Senhor a Moisés no deserto do Sinai...” (Nm 9.1), lugar de sinais e glória de Deus “...tendo visto a minha glória, e os prodígios que fez no Egito e no deserto...” (Nm 14.22), ou lugar para verdadeiramente nos conhecermos interiormente “Eu te coloquei no deserto, para saber o que havia em teu coração.” (Dt, 8,2).
Na vida de Jesus, o deserto aparece como um lugar de provação, “A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto para ser tentado”. (Mt 4.1), mas também como um lugar de crescimento e preparação, “O menino crescia e se fortalecia em espírito. E viveu nos desertos até o dia em que havia de se manifestar-se a Israel”. (Lc 1.80), e até de descanso “Ao que Ele lhes disse: Vinde a sós, à parte, para um lugar deserto, e descansai um pouco”. (Mc 6.31)
Há narrativas extraordinárias desta epopeia que foi o Êxodo pelo deserto, que são admiráveis na forma como nasceram ou como foram manifestações de Deus.
O pão sem fermento e com ervas amargas, chamado o pão da pressa, tornou-se um ícone da fuga do Egipto ao deserto pois, tal como o nome indica, foi produzido de forma apressada sem tempo para levedar. Ainda hoje, quando os judeus celebram a Páscoa fazem este pão ázimo, sem fermento, com ervas amargas como a endívia (que tem folhas levemente amargas e crocantes), para relembrar o sofrimento desse povo quando esteve escravo no Egipto. Mas a reserva desse pão acabou e já no deserto, este povo recebe de Deus um alimento que os vai ajudar na caminhada de 40 anos, o mann hou como exclamaram, mais conhecido por maná, alguns dizem com cor e gosto a mel, uma dádiva generosa de Deus.
Outro aspeto interessantíssimo que a Bíblia nos mostra nesta viagem no deserto é uma nuvem, tida como mais uma manifestação maravilhosa de Deus, que conduzia o povo durante o dia pelo deserto e à noite, transformava-se em coluna de fogo para os iluminar.
Pessoalmente, gosto muito do deserto e como nos aparece tão patente no tempo da Quaresma. Tal como uma vez li, lembremo-nos que o mesmo Deus que conduziu este povo ao e no deserto, para que eles vissem a sua precariedade e alcançassem as graças de Deus e a sua liberdade na terra Prometida, é o mesmo Deus que por vezes, em alguns acontecimentos da nossa vida que nos parecem um deserto, nunca nos abandona, cuida de nós e possibilita encontros incomuns com Ele, para com fé O escutarmos e guiar a nossa vida, e também nos convida a deixarmos o nosso egoísmo e olharmos para o “outro”, para o mais necessitado, com mais atenção.
Fazem assim todo o sentido, estas palavras redigidas na mensagem da Quaresma deste ano, do nosso Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente: “... a Quaresma é tempo de exame de consciência, agradecendo o que Deus nos ensina e efetivando o que nos cumpre...”.
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