segunda-feira, 3 de Novembro de 2014
RECORDANDO
NOTAS DO MEU CANTINHO
Passaram-se já tantos anos. Nada menos de 75 anos. Estava na minha juventude despreocupada e feliz.
Tinha conseguido, com a ajuda de um Amigo que não esqueço, um pequeno emprego, que era o início da minha carreira profissional. Resolvi ir gozar uma parte das minhas primeiras férias a S. Miguel, aonde tinha ido anos antes em condições nada agradáveis mas que não interessam recordar...
Era o mês de Agosto. Viajei no “Ribeirense” por gentileza do respectivo Mestre, o conhecido Mestre João Alves, de saudosa memória, que me ofereceu a viagem.
Em Ponta Delgada, hospedei-me na Pensão “Fontes” na Rua dos Mercadores. Uma senhora viúva e muito simpática, que acolhia os hóspedes – e éramos vários – muito familiarmente.
Passava os dias quase só, num dos cafés do Largo da Matriz. Um deles era o “Giesta” e um outro pertencente a um judeu cujo nome não recordo, mas que fornecia umas cavacasdeliciosas. O sol de Agosto não permitia grandes passeatas pela cidade.
Não existia a Avenida. Naquelas noites quentes de Agosto, o sítio mais procurado era o “Aterro” que ficava nas traseira dos “cafés”, virado para a doca a qual, nessa altura, estava a ser prolongada com mais vinte e cinco metros, para melhor acolher a navegação. Trabalhava-se, naquela gigantesca obra, continuamente, de noite e de dia.
Normalmente, a navegação não atracava ao molhe, mas ficava no meio da bacia. Os passageiros eram dali transportados nas lanchinhas do Manteiga para o cais da Alfandega, um pequeno espaço, com escada e acesso à via pública, junto do edifício onde estava instalada a Alfândega. Hoje, é o quartel da PSP. A carga era transportada em batelões, da doca para os navios e vice-versa.
A navegação, naqueles recuados tempos, quase se limitava aos dois barcos da EIN, Lima eCarvalho Araújo e aos cargueiros dos Carregadores Açorianos, destinados a transportar para a Europa os ananáses produzidos em S. Miguel. Eram quatro ou cinco navios com acomodações para uma dúzia de passageiros.
Algumas vezes no ano, passava, pelos portos de Horta e Ponta Delgada, o Sináia, da Empresa Fabre Line. Depois apareceram, ainda nos primeiros anos da década de trinta, o Saturnia e o Vulcania, verdadeiras cidades flutuantes, como os classificou um jornalista da época. Nesses recuados tempos estava pouco desenvolvida a navegação turística.
Por indicação do Pe. José Jacinto Rebelo, já meu conhecido, relacionei-me com dois ou três jovens que faziam parte do grupo de Jocistas, movimento católico formado havia poucos anos e que já chegara às Lajes do Pico.
No domingo que lá estive, creio que foi o primeiro domingo de Agosto, ofereceram-me um passeio até à freguesia da Relva que, nesse dia, celebrava a festa da Padroeira. Qual? Já nem me lembro.
Tomei parte numa reunião jocista em casa do Pe. Rebelo, bastante animada. Aí conheci outros jovens jocistas.
Mas, no sábado anterior, estava sentado numa cadeira das várias que os Cafés colocavam nos passeios em frente aos respectivos estabelecimentos, e tive oportunidade de ler o jornal do dia – “A Ilha”.
Ponta Delgada vivia, na época, um período de grande desenvolvimento turístico, mercê da Casa Bensaúde, que ali se havia estabelecido. Sob o seu patrocínio apareceu a Sociedade Terra Nostra que construiu nas Furnas o primeiro hotel da Ilha. Na cidade construiu a Pensão Terra Nostra e instalou o Bureau de Turismo. Explorava a carreira de navegação Empresa Ínsula de Navegação. Fundou o jornal A Ilha, cuja direcção (creio) entregou ao Dr. Agnelo Casimiro, professor liceal e um dos mais destacados literatos açorianos do tempo. Julgo que não estou errado e se isso acontece o leitor que corrija.
O Bureau de Turismo, a seguir aos cafés, estava entregue a um jovem que o desenvolveu, notavelmente. Refiro o velho e saudoso amigo J. Silva Júnior, que ali esteve durante muitos anos.
Nas Furnas, a sociedade Terra Nostra havia construído um campo de Golfe, parece que, ainda hoje, um dos melhores do mundo.
Para a inauguração desse complexo desportivo foi convidado um Milionário americano.
Nesse sábado em que me encontrava em Ponta Delgada, o jornal “A Ilha”, julgo que órgão da Terra Nostra, e naturalmente os restantes jornais que ali se publicavam: ”O Açoriano Oriental”, o “Diário dos Açores” e “Correio dos Açores”, salvo erro, davam a notícia em parangonas na primeira página, da chegada do Milionário americano e seu secretário para inaugurarem o campo de golfe das Furnas. E como atrativo havia uma “matança de porco” em estilo regional!...
Nessa tarde a cidade despovoou-se. Ao tempo, eram poucos os carros que circulavam, mas todos eles se encaminharam para as Furnas, ou para assistir à exibição do Milionário ou para assistir à tradicional matança. Qualquer delas era um atractivo aliciante.
E, como no princípio dizia, já se passaram setenta e cinco anos!
Lajes do Pico,
27 de Outubro de 2014
Ermelindo Ávila
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