sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Ainda as JMJ

Encontro particular do Papa com alguns jesuítas polacos em Cracóvia durante a jmj
A sua mensagem chega ao coração dos jovens. Como consegue falar com eles de maneira tão eficaz? Poderia dar-nos alguns conselhos para trabalhar com os jovens?
Quando falo, devo fitar os olhos das pessoas. Não é possível fitar os olhos de todos, mas dirijo o olhar para este, esse, aquele... e todos se sentem vistos. É algo que me sai espontâneo. Assim faço com os jovens. Mas os jovens, quando falas com eles, fazem perguntas... Hoje no almoço, formularam-me algumas perguntas... Perguntaram-me até o modo como me confesso! Eles não têm pudor. Fazem perguntas diretas. E a um jovem precisa sempre responder com a verdade. Hoje durante o almoço a um dado momento chegamos a falar sobre a confissão. 
Um jovem perguntou-me: «De que modo o senhor se confessa?». E depois falou-me de si mesmo. Disse-me: «No meu país houve escândalos ligados aos sacerdotes, e nós não tínhamos a coragem de nos confessar com o padre que viveu aqueles escândalos. Não consigo». Vede: dizem a verdade, às vezes repreendem-te... Os jovens falam diretamente. Querem a verdade, ou pelo menos um claro: «não sei como te responder». Nunca devemos ter subterfúgios com os jovens. Assim também com a oração. Perguntaram-me: «Como o senhor reza?». Se responderes com uma teoria, ficam desiludidos. Os jovens são generosos. Mas o trabalho com eles exige também paciência, muita paciência. Um deles perguntou-me: «O que devo dizer a um amigo ou a uma amiga que não crê em Deus para que possa se tornar crente?». Eis: vê-se que às vezes os jovens precisam de «receitas». Então devemos estar prontos para satisfazer esta solicitação de receitas e de respostas imediatas. Respondi: «Olha, a última coisa que deves fazer é dizer algo. Começa por fazer algo. Depois será ele ou ela que te pedirá explicações sobre como vives e porquê». Portanto, é preciso ser direto, direto com a verdade.
Qual é o papel da Universidade dos jesuítas?
Uma Universidade dirigida pelos jesuítas deve apostar numa formação global e não só intelectual, uma formação integral do homem. De facto, se a Universidade se tornar simplesmente uma academia de noções ou uma «fábrica» de profissionais, ou se na sua estrutura prevalecer uma mentalidade centrada nos negócios, então estará deveras fora do caminho. Temos nas mãos os Exercícios. Eis o desafio: levar a Universidade pelo caminho dos Exercícios. Isto significa arriscar sobre a verdade e não sobre as «verdades fechadas» que ninguém debate. A verdade do encontro com as pessoas é aberta e requer que nos deixemos interpelar pela realidade. E a Universidade dos jesuítas deve participar também na vida real da Igreja e da nação: com efeito, também esta é realidade. Uma atenção particular deve ser dada sempre aos marginalizados, à defesa de quantos têm necessidade de ser protegidos. E isto – que seja claro – não é ser comunista: é simplesmente participar deveras na realidade. Neste caso, em particular uma Universidade dos jesuítas deve participar plenamente na realidade exprimindo o pensamento social da Igreja. O pensamento liberal, que tirou o homem do centro e ali pôs o dinheiro, não é o nosso. A doutrina da Igreja é clara e é preciso continuar neste sentido.
Por que se tornou jesuíta?
Quando entrei no seminário, já sentia uma vocação religiosa. Mas naquele tempo o meu confessor era antijesuíta. Eu gostava também dos dominicanos e da sua vida intelectual. Depois adoeci, tive que passar por uma intervenção cirúrgica num pulmão. Em seguida, outro sacerdote ajudou-me espiritualmente. Recordo que quando contei ao primeiro que entrava nos jesuítas ele não gostou muito. Mas neste ponto agiu a ironia do Senhor. De facto, naquele tempo recebiam-se as Ordens menores. A tonsura era feita no primeiro ano de teologia. O reitor disse-me para ir a Buenos Aires falar com o bispo auxiliar, D. Oscar Villena, e pedir-lhe que viesse celebrar a cerimónia da tonsura. Fui à Casa do clero, mas disseram-me que D. Villena tinha adoecido. No seu lugar estava outro prelado, que era exatamente aquele primeiro sacerdote que depois se tornara bispo! E precisamente dele recebi a tonsura! E fizemos as pazes depois de tantos anos... De qualquer forma, a minha escolha pela Companhia, posso dizer, amadureceu sozinha...
Neste grupo há alguns sacerdotes que acabaram de ser ordenados. Daria algum conselho para o futuro deles?
Sabe: o futuro é de Deus. O máximo que podemos fazer é ser futuristas. E os futuristas são todos do espírito maligno! Um conselho: o sacerdócio é uma graça deveras grande; o teu sacerdócio como jesuíta seja permeado da espiritualidade que viveste até agora: a espiritualidade do Suscipe de santo Inácio.
[Neste momento parece que o encontro termina com a entrega ao Pontífice dos dons por parte de alguns jesuítas que seguiram os jovens ligados à espiritualidade inaciana, provenientes de todo o mundo para a jmj. Contudo, Francisco desejou acrescentar uma recomendação, e todos se sentaram de novo].
Gostaria de acrescentar algo. Peço-vos que trabalheis com os seminaristas. Sobretudo dai-lhes o que recebemos dos Exercícios: a sabedoria do discernimento. Hoje a Igreja precisa de crescer na capacidade de discernimento espiritual. Alguns planos de formação sacerdotal correm o perigo de educar à luz de ideias demasiado claras e distintas, e por conseguinte, de agir com limites e critérios definidos rigidamente a priori, e que prescindem das situações concretas: «Deve-se fazer isto, não se deve fazer aquilo...». Portanto, os seminaristas que se tornam sacerdotes encontram-se em dificuldade ao acompanhar a vida de muitos jovens e adultos. Porque tantos perguntam: «Isto pode-se ou não se pode?». Eis tudo. E muitas pessoas saem do confessionário desiludidas. Não porque o sacerdote seja mau, mas porque ele não tem a capacidade de discernir as situações, de acompanhar no discernimento autêntico. Não teve a formação necessária. Hoje a Igreja precisa de crescer no discernimento, na capacidade de discernir. E sobretudo os sacerdotes têm necessidade disto para o seu ministério. Por isso é preciso ensinar os seminaristas e os sacerdotes em formação: habitualmente eles receberão as confidências da consciência dos fiéis. A direção espiritual não é só um carisma sacerdotal, mas também laical, é verdade. Mas, repito, é preciso ensinar isto sobretudo aos sacerdotes, ajudá-los à luz dos Exercícios na dinâmica do discernimento pastoral, que respeita o direito mas sabe ir além. Esta é uma tarefa importante para a Companhia. Comoveu-me muito um pensamento do padre Hugo Rahner. Ele pensava e escrevia com clareza! Hugo dizia que o jesuíta deveria ser um homem com a intuição do sobrenatural, isto é, deveria ser dotado de um sentido do divino e do diabólico relativo aos eventos da vida humana e da história. Por conseguinte, o jesuíta deve ser capaz de discernir quer no campo de Deus quer no do diabo. Por isso nos Exercícios santo Inácio pede que sejamos introduzidos tanto nas intenções do Senhor da vida como nas do inimigo da natureza humana e nos seus enganos. É audaz, é audaz o que escreveu verdadeiramente mas o discernimento é precisamente isto! É preciso formar os futuros sacerdotes não para ideias gerais e abstratas, que são claras e distintas, mas para esta finalidade do discernimento dos espíritos, para que possam deveras ajudar as pessoas na sua vida concreta. É preciso compreender que na vida nem tudo é preto no branco ou branco no preto. Não! Na vida prevalecem as tonalidades cinzentas. Então é necessário ensinar a discernir neste cinzento.



(osservatoreromano)

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