· Reconhecer finalmente o génio feminino ·
26 de Outubro de 2018
A rainha Isabel conferiu a Imelda Poole,
religiosa católica de Mary Ward, recentemente festejada na embaixada britânica
junto da Santa Sé, o prestigioso Order
of the British Empire pelo esforço despendido para combater as modernas
formas de escravidão. O seu exemplo luminoso recorda a todos que as religiosas
são as pessoas mais engajadas, nas várias parte do mundo, na luta contra o
tráfico de seres humanos e contra as condições de vida e de trabalho que evocam
os tempos sombrios da escravidão, infelizmente ainda muito difundidas. Talvez
até em expansão.
O facto de serem as mulheres e os menores as
vítimas principais desta infeliz condição explica só parcialmente tal vocação
feminina no seio da Igreja. Na realidade, isto acontece porque as mulheres são
as mais tenazes e corajosas na batalha contra os exploradores. E são também as
que, mesmo não podendo debelar a chaga sob o ponto de vista social, permanecem
ao lado das vítimas para partilhar as suas condições desumanas de vida. Porque
sabem que só o amor silencioso, mas constante, pode curar feridas assustadoras
e voltar a dar esperança, ou mesmo a coragem de ir vivendo.
Num âmbito totalmente diferente, é assinalado
um caso semelhante num um artigo publicado na revista «Acta Paediatrica»: os
pais de filhos afetados por doenças irreversíveis, aos quais são administrados
continuamente cuidados paliativos inclusive através de equipamentos salva-vidas
que não são fáceis de usar, preferem contudo, na maioria dos casos, curá-los em
casa. As vantagens são evidentes: evitam-se formas infecciosas às quais os
doentes são fatalmente expostos nos hospitais, as crianças continuam a
participar na vida familiar e são melhor suportadas psicologicamente. Porém,
esta escolha significa que os familiares, depois de ter frequentado cursos de
preparação específicos, devem ocupar-se pessoalmente dos filhos doentes o dia
inteiro. E é evidente que, dia após dia, quantos prestam os cuidados encontram
dificuldades crescentes: ao cansaço físico acrescentam-se a falta de sono, o
isolamento social e a diminuição dos recursos económicos.
Ninguém vai ficar surpreendido ao descobrir
que, na maioria dos casos, são as mães que assumem a tarefa destes cuidados. E
hoje já não podemos dizer «porque os pai trabalham para manter a família», dado
que também as mães poderiam fazer o mesmo, sair, encontrar gente e, nas
situações mais afortunadas, realizar-se numa profissão. Isto acontece porque as
mulheres, mais do que os homens, sabem assumir a responsabilidade do cuidado,
do sacrifício, do amor quotidiano e, sobretudo, anular a própria identidade a
favor de outra pessoa.
Trata-se indubitavelmente daquilo que João
Paulo II chamou «génio feminino», reconhecendo a sua grandeza e importância.
Mas hoje questionamo-nos se este reconhecimento pode ser suficiente, se a
igreja pode, especialmente numa situação de crise interna e externa, continuar
de facto a ignorar estas mulheres, continuar a não ouvir a sua voz, o seu
pensamento. Se pode continuar a pensar que elas não são as testemunhas mais
credíveis e convincentes do Evangelho, sobretudo porque ricas de experiências
espirituais e humanas que hoje são particularmente necessárias para a
evangelização, indispensáveis para uma instituição em dificuldade.
Como escreve Anne-Marie Pelletier, «o pedido é
para ver e ouvir as mulheres, não simplesmente pelo facto de elas exigirem este
ato de justiça, mas para que todos reconheçam e aprendam, no que muitas delas
vivem, qual é o rosto da igreja serva e pobre, também materna, rosto que se
encarna menos naturalmente na realidade do que em quanto é evocado nos
discursos».
Lucetta Scaraffia
(osservatoreromano)
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