sábado, 24 de agosto de 2013

"SÁBADO DE LOURDES"


Sábado, 24 de Agosto de 2013

A Senhora dos Baleeiros



"A tradição cultural das comunidades tem, no mês de Agosto, o tempo de maior pendor celebrativo-religioso.
Muitas das Festas são dedicadas a Nossa Senhora, sob as mais diversas invocações, sem no entanto coincidirem com o calendário litúrgico. É o caso da Festa de Nossa Senhora de Lourdes.
Em várias localidades açorianas, nomeadamente: Lajes do Pico, Santo Antão, em São Jorge e Capelas, em São Miguel, a Mãe de Jesus, aparecida em Lourdes, é celebrada, com muita fé e entusiasmo.
Na Vila Baleeira dos Açores, como na Sé de Angra e em Santo Antão, esse culto foi impulsionado pelo lajense, então Vice-Reitor do Seminário, Dr João Paulino de Azevedo e Castro, mais tarde Bispo de Macau.


A génese da devoção dos baleeiros à sua Padroeira Nossa Senhora de Lourdes, remonta a um “dia de 1882, (quando) regressavam de uma “arriada à baleia” como diziam, o mar revoltou-se, tornando-se mesmo tempestuoso, e impedindo as canoas de entrarem, no porto interior. Foi aí que baleeiros e familiares, os lajenses em geral, invocaram a protecção da Virgem, aparecida vinte e seis anos antes, em Lourdes, e a Senhora atendeu o seu clamor.” 1
Desde então, começou a celebrar-se, anualmente, no último domingo de Agosto, a Festa em honra de Nossa Senhora de Lourdes, integrada, há poucos anos, na Semana dos Baleeiros. Apesar dos programas englobarem concertos musicais, exposições e outras atividades culturais e desportivas, os eventos mais concorridos são as celebrações litúrgicas, a procissão de domingo, e as tradicionais regatas a remos e à vela em botes baleeiros, agora também com a participação feminina.
Longe vão os tempos de aflição da caça à baleia que ceifou dezenas de vidas, em toda a ilha, e que constituiu o ganha pão de centenas de famílias e alimentou uma indústria importantes para a época.
Os primeiros baleeiros foram americanos, sob o domínio inglês.
Em 1768, andavam por estes mares açorianos,(...)200 navios com a bandeira inglesa, na caça da baleia, o que levou o governador e capitão-general D. Antão de Almada, (...)a dirigir-se ao Ministro do Reino reclamando contra a presença desses navios.2 Em 1859, porém, a frota norte-americana superava já as 600 embarcações.3
Por volta de 1850, João Paulino L.N. da Silveira construiu na Vila das Lajes as primeiras casas de recolha de canoas e equipamento da pesca. Terá então armado um brigue...4
Só em 1876 é constituída a primeira armação baleeira na Calheta de Nesquim numa parceria entre os norte-americanos Samuel Dabney e George S.J.Olivier e o Capitão Anselmo Silveira, também ele cidadão americano, mas natural e residente naquela freguesia.
Estava aberto o caminho para formação de outras armações baleeiras no Sul da Ilha do Pico. “Em 1897 estavam registadas, na Delegação Marítima do Pico, 27 canoas baleeiras: 16 nas Lajes, 4 nas Ribeiras, 3 da Calheta de Nesquim e 4 no Cais do Pico.”5
O desenvolvimento e importância da indústria baleeira na ilha do Pico foi de tal forma que, só na Vila das Lajes existiram 21 botes baleeiros.
A primeira canoa açoriana – São José – construída em 1881, foi arquitetada pelo jovem calafate, de 21 anos, Francisco José Machado. Teve como base os pequenos botes importados dos Estados Unidos, mas adaptou-se aos condicionalismos dos meios utilizados na captura de cachalotes, tendo-lhe sido introduzida maior capacidade operacional, maior segurança e autonomia de navegação.
O bote baleeiro é uma embarcação única no mundo que, por isso, nos devia orgulhar.
Falar da actividade baleeira e da economia que ela gerou, não só no Pico, como nas outras ilhas, faz parte de uma história que terminou em 1987, com a captura de três cachalotes em sinal de protesto, devido ao abandono a que foram votados, desde 1983, os interesses dos armadores baleeiros.
Desde então, a baleação transformou-se na epopeia de um povo que o escritor Dias de Melo consagrou e que é revivida e recontada pelo valioso património existente no Museu dos Baleeiros das Lajes, o mais visitado dos Açores.
As regatas baleeiras deste sábado da Semana dos Baleeiros, já não integram os antigos e famosos remadores, trancadores e mestres João Maurício, Francisco Machado (Barbeiro), Manuel Garcia, Palim, João Lelé, Manuel Augusto... só para mencionar alguns, de uma plêiada de heróis populares.
Na cana do leme e nos bancos dos botes, vão estar rapazes e raparigas cuja valentia devem aos baleeiros picoenses que lutaram pelo pão com sacrifício e dor, protegidos pela sua padroeira Nossa Senhora de Lourdes.
A todos fica esta homenagem que pretende apenas relevar “vidas vividas em terra de baleeiros”, como escreveu Dias de Melo."



José Gabriel Ávila
jornalista c.p. 536




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