Cavaco Silva deu ontem posse ao
XXI Governo Constitucional, liderado por António Costa, mas não está
absolutamente seguro de que a solução alternativa à do governo de coligação
PSD/CDS – que venceu as eleições, formou governo e viu rejeitado o seu programa
no parlamento – garanta as condições de “durabilidade” que o Presidente da
República (PR) entende fundamentais para que esta legislatura não seja
interrompida a meio.
O _PR está em final de mandato,
mas nem por isso se pense que Belém perde força até ser eleito (24 de Janeiro)
o substituto de Cavaco. O_próprio fez questão de lembrar que apenas um dos seus
poderes se encontra “cerceado”:_o de dissolver o parlamento e convocar novas
eleições. Mas pode demitir governos. Ou seja, pode demitir Costa, que chega a
primeiro-ministro com o apoio do BE, do PCP _e do PEV.
E o aviso ganha particular
relevo quando Cavaco assume que mantém reservas quanto à solução apresentada
por “quatro forças políticas [que] assinaram três documentos de diferente
alcance designados por ‘posições conjuntas’”, naquilo que lembrou ser uma
“solução inédita na história” da democracia portuguesa. E acrescentou, para
memória futura ou para ajudar a sustentar alguma decisão que ainda venha a
tomar antes de deixar Belém: “Os referidos documentos são omissos quanto a
alguns pontos essenciais à estabilidade política e durabilidade do governo,
suscitando questões que, apesar dos esforços desenvolvidos, não foram
totalmente dissipadas.”
Para Cavaco, o governo do PS que
iniciou agora funções, depois de derrubar o governo de coligação que tomou
posse a 30 de Outubro, é um “governo minoritário” que se formou a partir de uma
“crise política” pela qual é responsável e cuja “estabilidade” e “durabilidade”
está nas mãos dos partidos que o viabilizaram, os mesmos a que é a conferida a
“responsabilidade pelo governo que é hoje empossado”, frisou o PR.
Foi um discurso de confronto,
cheio de recados e com um caderno de encargos claríssimo. Cavaco, que fez
questão de lembrar que foi eleito por sufrágio universal e directo dos
portugueses, prometeu estar vigilante e será o primeiro guardião da herança de
Passos Coelho (“Não podemos regredir num caminho que foi árduo, em que foram
pedidos muitos sacrifícios aos portugueses”). Sobretudo em matéria de
Orçamento, sobre a qual o PR deixou uma garantia: “Tudo farei para que o país
não se afaste da actual trajectória de crescimento económico e criação de
emprego e preserve a credibilidade externa.” Até porque, avisou, “é uma ilusão
pensar que um país como Portugal pode prescindir da confiança dos mercados
financeiros e dos investidores externos e, bem assim, do apoio das instituições
internacionais”. Alguém falou em não respeitar as regras europeias, como o
Tratado Orçamental e o Pacto de Estabilidade e Crescimento? Cavaco, pelo sim
pelo não, deixa um lembrete:_“Trata-se de compromissos de Estado que a Assembleia
da República sufragou por esmagadora maioria.”
Esquerda demarca-se As considerações de Cavaco Silva a propósito de
futuras relações institucionais entre a presidência e o governo mereceram a
condenação unânime à esquerda. Em reacção ao discurso de Cavaco Silva, o líder
parlamentar socialista, Carlos César, defendeu que o governo agora empossado
“não é o resultado de uma divergência”, nem de “uma crise”, como defendeu o PR,
mas de uma “convergência” e da “vontade de fazer um país melhor”. Sobre a relação
institucional entre Presidente da República e governo, que Cavaco ameaçou
manter tensa, o líder parlamentar socialista disse que é importante que seja
uma boa relação, mas afirmou também que “não totaliza a estabilidade política e
a conjugação de esforços necessária” e que o governo deve concentrar muito do
seu tempo “nos problemas do país e não perder tempo nos conflitos
institucionais, que são inúteis”.
Também a líder do Bloco de
Esquerda, Catarina Martins, considera que o PR continua a incorrer num
“equívoco” quanto à formação deste governo: “O PR optou por fazer o país ter
esse compasso de espera, mas o governo que é agora indigitado é o governo que
vem, não de uma crise política, mas sim da legitimidade das eleições de dia 4
de Outubro, que representa a nova maioria da Assembleia da República e um
acordo para parar o empobrecimento em Portugal”, disse.
Já João Oliveira, o líder da
bancada parlamentar do PCP, considerou “grave e preocupante” que o Presidente
ainda tivesse ponderado “outras soluções”, nomeadamente manter “em funções de
gestão” o governo de Passos Coelho. Manuela Cunha, do PEV, quando interrogada
sobre os “recados” do PR ao governo, disse que não estava ali para “ouvir
recados”.
(ionline.pt)
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