Milão
(RV) – Diante de um público estimado em 1 milhão de pessoas, o Papa Francisco
presidiu na tarde deste sábado, no Parque de Monza, a Santa Missa na Solenidade
da Anunciação. Francisco destacou que como ontem, Deus continua a
procurar aliados, continua a procurar homens e mulheres capazes de acreditar,
capazes de fazer memória, de sentir-se parte de seu povo para cooperar com a
criatividade do Espírito.
“Acabamos de ouvir o
anúncio mais importante de nossa história: a anunciação a Maria (cfr. Lc 1,
26-38). Uma passagem densa, cheia de vida, e que gosto de ler à luz de outro
anúncio: o do nascimento de João Batista (cfr Lc 1, 5-20). Dois anúncios
que se seguem e que estão unidos; dois anúncios que, comparados entre eles, nos
mostram o que Deus dá a nós em seu Filho.
A anunciação de João
Batista ocorre quando Zacarias, sacerdote, pronto para dar início à ação
litúrgica, entra no Santuário do Templo, enquanto toda a assembleia está do
lado de fora, à espera. A anunciação de Jesus, ao invés disto, realiza-se em um
lugar perdido da Galileia, em uma cidade periférica e com uma fama não
particularmente boa (cfr Jo 1,46), no anonimato da casa de uma jovem chamada
Maria.
Um contraste não sem
pouca importância, que nos indica que o novo Templo de Deus, o novo encontro de
Deus com o seu povo, terá lugar em locais onde normalmente não se espera, às
margens, na periferia. Lá se marcarão os encontros, lá se encontrarão; lá Deus
se fará carne para caminhar junto a nós desde o seio de sua Mãe. Já não será
mais um lugar reservado a poucos, enquanto a maioria permanece fora, à espera.
Nada e ninguém lhe será indiferente, nenhuma situação será privada da sua
presença: a alegria da salvação tem início na vida cotidiana da casa de uma
jovem de Nazaré.
Deus mesmo é Aquele
que toma a iniciativa e escolhe inserir-se, como fez com Maria, em nossas
casas, nas nossas lutas cotidianas, cheias de ansiedades e desejos. E é
precisamente dentro das nossas cidades, das nossas escolas e universidades, das
praças e dos hospitais que se cumpre o anúncio mais belo que podemos ouvir:
“Alegra-te, o Senhor é contigo!”. Uma alegria que gera vida, que gera
esperança, que se faz carne no modo em que olhamos ao amanhã, na postura com
que olharmos para os outros. Uma alegria que se torna solidariedade, hospitalidade,
misericórdia para com todos.
Como Maria, também
nós podemos ser tomados pela dúvida. “Como acontecerá isto?” em tempos
assim com tanta especulação? Se especula sobre a vida, o trabalho, a família.
Se especula sobre os pobres e os migrantes; se especula sobre os jovens e sobre
seu futuro. Tudo parece reduzir-se a cifras, deixando por outro lado, que a
vida cotidiana de tantas famílias se tinja de precariedade e de insegurança.
Enquanto a dor bate em muitas portas, enquanto em tantos jovens cresce a
insatisfação pela falta de oportunidades reais, a especulação é abundante por
tudo.
Certamente, o ritmo
vertiginoso a que somos submetidos parece nos roubar a esperança e a alegria.
As pressões e a impotência diante de tantas situações pareceriam quase nos
tirar o ânimo e tornar-nos insensíveis diante de inúmeros desafios. E
paradoxalmente quando tudo se acelera para construir – em teoria – uma
sociedade melhor, no final não se tem tempo para nada e para ninguém. Perdemos
o tempo para a família, o tempo para a comunidade, perdemos o tempo para a
amizade, para a solidariedade e para a memória.
Nos fará bem
perguntarmo-nos: Como é possível viver a alegria do Evangelho hoje nas nossas
cidades? É possível a esperança cristã nesta situação, aqui e agora?
Estas duas perguntas
dizem respeito à nossa identidade, a vida das nossas famílias, dos nossos
países e das nossas cidades. Dizem respeito à vida de nossos filhos, de nossos
jovens e exigem de nossa parte um novo modo de situar-nos na história. Se a
alegria e a esperança cristã continuam a ser possíveis, não podemos, não
queremos permanecer diante de tantas situações dolorosas como meros
expectadores que olham para o céu esperando que “pare de chover”. Tudo aquilo que acontece exige de nós que olhemos para o
presente com audácia, com a audácia de quem sabe que a alegria da salvação toma
forma na vida cotidiana da casa de uma jovem de Nazaré.
Diante
da dúvida de Maria, diante de nossas dúvidas, três são as chaves que o Anjo nos
oferece para ajudar-nos a aceitar a missão que nos é confiada:
1. Evocar a Memória
A
primeira coisa que o Anjo faz é evocar a memória, abrindo assim o presente de
Maria a toda história da salvação. Evoca a promessa feita a Davi como fruto da
aliança com Jacó. Maria é filha da Aliança. Também nós hoje somos convidados a
fazer memória, a olhar para o nosso passado para não esquecer de onde viemos.
Para não nos esquecermos dos nossos antepassados, dos nossos avós e de tudo
aquilo que passaram para chegarmos onde estamos hoje. Esta terra e a sua gente
conheceram a dor de duas guerras mundiais; e às vezes viram a sua merecida fama
de trabalhadores e de civilidade manchada por desregradas ambições. A memória
nos ajuda a não permanecer prisioneiros de discursos que semeiam fraturas e
divisões como único modo para resolver os conflitos. Evocar a memória é o
melhor antídoto a nossa disposição diante das soluções mágicas da divisão e do
afastamento.
2.
A pertença ao Povo de Deus
A
memória permite a Maria de apropriar-se de sua pertença ao Povo de Deus. Nos
faz bem recordar que somos membros do Povo de Deus! Milaneses, sim,
ambrosianos, certo, mas parte do grande Povo de Deus. Um povo formado por mil
rostos, histórias e proveniências, um povo multicultural e multiétnico. Esta é
uma das nossas riquezas. É um povo chamado a acolher as diferenças, a
integrá-las com respeito e criatividade e a celebrar a novidade que provém dos
outros; é um povo que não tem medo de abraçar as fronteiras; é um povo que não
tem medo de dar acolhida a quem tem necessidade porque sabe que ali está
presente o seu Senhor.
3.
A possibilidade do impossível
“Nada é impossível
para Deus” (Lc 1,37): assim termina a resposta do Anjo a Maria. Quando
acreditamos que tudo depende exclusivamente de nós, permanecemos prisioneiros
das nossas capacidades, das nossas forças, dos nossos míopes horizontes.
Quando, pelo contrário, nos dispomos a deixar-nos ajudar, a deixar-nos
aconselhar, quando nos abrimos à graça, parece que o impossível começa a se
tornar realidade. Sabem bem estas terras que, no decorrer de sua história,
geraram tantos carismas, tantos missionários, tanta riqueza para a vida da
igreja! Tantos rostos que, superando o pessimismo estéril e divisor, abriram-se
à iniciativa de Deus e tornaram-se sinal do quão fecunda possa ser uma terra
que não se deixa fechar nas próprias ideias, nos próprios limites e nas
próprias capacidades e se abrem aos outros.
Como ontem, Deus
continua a procurar aliados, continua a procurar homens e mulheres capazes de
acreditar, capazes de fazer memória, de sentir-se parte de seu povo para
cooperar com a criatividade do Espírito. Deus continua a percorrer os nossos
bairros e as nossas ruas, vai em cada lugar em busca de corações capazes de
escutar o seu convite e de fazê-lo tornar carne aqui e agora. Parafraseando
Santo Ambrósio em sua comentário a esta passagem podemos dizer: Deus continua a
buscar corações como o de Maria, dispostos a acreditar até mesmo em
condições extraordinárias (cfr. Esposizione del Vangelo sec. Luca II, 17:
PL 15, 1559). Que o senhor faça crescer em nós esta fé e esta esperança.
(JE)
radiovaticana
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