Cidade do Vaticano (RV) - O
Papa Francisco concedeu uma entrevista ao jornal Die Zeit de
Hamburgo, na Alemanha.
A entrevista foi realizada em
italiano pelo editor-chefe do jornal, Giovanni di Lorenzo.
O jornalista iniciou a conversa
com o Pontífice ressaltando que se diz que o Papa tenha ficado fascinado, em
Augsburgo, por um quadro de Nossa Senhora Desatadora dos Nós pintado por um
artista barroco no século XVIII. Francisco respondeu que não é
verdade, pois nunca foi a Augsburgo.
O repórter insistiu, afirmando
que a fonte é crível. O Papa respondeu: “Os jornalistas são assim”, e sorriu.
“A história é que uma religiosa que eu conhecia, me enviou um cartão de Natal
com a imagem de Nossa Senhora Desatadora dos Nós. Eu vi e me interessei. O
quadro retoma uma frase de Irineu de Lyon. O doador da obra enfrentava
dificuldades com a esposa. Eles se queriam bem, mas alguma coisa não
funcionava. Ele procurava o conselho de um sacerdote jesuíta. Esse padre pegou uma
fita longa e branca que foi usada para a cerimônia do matrimônio e pediu a
Nossa Senhora, porque tinha lido a frase de Irineu, que o nó de Eva foi
desatado pela obediência de Maria. Então, pediu a Nossa Senhora para desatar
esses nós”.
O jornalista então,
prossegue: Os nós representam os problemas não resolvidos? “Sim”, responde o
Papa. “O quadro foi pintado como ação de graças, porque no final, Nossa Senhora
concedeu a graça ao casal”.
Die
Zeit: O número de sacerdotes diminuiu. Cada vez menos fiéis, e cada
vez menos padres e muita coisa para fazer.
Papa
Francisco:
“É um grande problema. Na Suíça é pior, não? Muitas paróquias estão nas mãos de
mulheres dedicadas que nos domingos conduzem as orações. É um problema a falta
de vocações. É um problema que a Igreja deve resolver, procurar como resolver
isso”.
Die
Zeit:
Como?
Papa
Francisco:
“Acredito que em primeiro lugar esteja o pedido que Senhor nos faz para rezar.
A oração. Depois, o trabalho com os jovens que são os grandes descartados na
sociedade moderna, pois não têm trabalho em vários países. Para as
vocações também tem um problema.”
Die
Zeit: Qual?
Papa
Francisco:
"O problema da natalidade".
Die
Zeit:
Na Alemanha é baixa, mas não mais do que, por exemplo, na Itália.
Papa
Francisco:
"Se não há crianças, não haverá sacerdotes. Acredito que este é um
problema grave que devemos enfrentar no próximo Sínodo sobre os jovens, mas não
é um problema de proselitismo, não. Não se obtém vocações com o
proselitismo".
O Papa destacou que
em relação à vocação, é importante fazer uma seleção. “Hoje, temos muitos
jovens que depois arruínam a Igreja, porque não são sacerdotes por vocação. O
problema das vocações é um problema grave”, destacou.
Sobre a crise de
fé, o Papa respondeu que não é possível crescer sem crises. “Na vida humana
acontece o mesmo. O crescimento biológico sempre é uma crise, não? A crise de
uma criança que se torna adulta. Com a fé é o mesmo. Quando Jesus sente aquela
segurança de Pedro que me faz pensar a muitos fundamentalistas católicos,
quando Jesus sente isso, o que lhe diz? Você irá me renegar três vezes! E Pedro
renegou Jesus. A crise faz parte da vida de fé. Uma fé que não entra em crise
para crescer, permanece infantil.”
Die
Zeit: Como se volta à fé?
Papa
Francisco:
“A fé é um dom. É doada”.
Die
Zeit:
Volta sozinha?
Papa
Francisco:
“Eu peço e Ele responde. Às vezes temos de esperar numa crise. A fé não se
compra”.
Die
Zeit:
O senhor acredita que o ser humano por natureza seja bom, ou é bom e mal?
Papa
Francisco:
“O homem é imagem de Deus. O homem é bom, mas também o homem é fraco, foi
tentado e se feriu. É uma bondade ferida”.
Die
Zeit: Mas pode tornar-se mau?
Papa Francisco: “A
maldade é outra coisa, mais feia, mais feia. Na Bíblia, a narração mítica do
Gênesis. Adão não foi mau: foi fraco, foi tentado pelo diabo. Ao invés disto, a
primeira maldade é a do filho, de Caim: não é por fraqueza ou por... É por
ciúmes, por inveja, por desejo de poder... é a maldade das guerras. É a maldade
que hoje encontramos na pessoa que mata: mata o outro. Para mim esta é a
maldade, porque é quem fabrica as armas”.
(...)
Die
Zeit: Mas quais são os limites da oração?
Papa
Francisco:
“Rezar pelas coisas boas. Por exemplo: “Ajuda-me a ter o dinheiro necessário
para acabar o mês com minha família, que não me falte...”: isto é justo. Mas
“ajuda-me a ter muito dinheiro para ter muito poder”, isto não é correto.
Pode-se pedir, mas.... Porque se está pedindo algo que vai pelo caminho da
mundanidade, o poder do mundo. Jesus falou tanto, no final da Ceia, com os
discípulos e disse que rezou por eles ao Pai. E o que pediu ao Pai? Não para
tirá-los do mundo, mas para protegê-los do espírito do mundo. O espírito do
mundo é aquilo que não devemos pedir; as coisas que são do espírito do mundo: o
espírito da soberba, do poder para dominar... isto não é... Se deve pedir
coisas que constroem o mundo, que criam fraternidade e que tragam a paz, que deem
coisas boas; mas “ajuda-me a matar a minha mulher”, não pode”.
Die
Zeit:
O mafioso faz o sinal da cruz antes de matar...
Papa
Francisco:
“Sim, sim. Isto é uma doença. É uma doença religiosa, sim, e usa a religião,
também fazem isto os mafiosos da América Latina. Se dizem cristãos e para
resolver os problemas pagam um matador de aluguel, e depois vão à Igreja”.
Die
Zeit:
Ao ouvir estas coisas o senhor se embrabece?
Papa
Francisco:
“Sim, um pouco. Mas fico brabo quando a Igreja, a Santa Madre Igreja, minha
mãe, a minha Esposa, não dá um testemunho de fidelidade ao Evangelho. Isto me
faz mal”.
Die
Zeit:
Ainda faz mal para o senhor? Neste momento, em todo o mundo, existe esta enorme
preocupação que a coesão da sociedade não funcione mais. Temos uma onda de
populismo, no geral de direita; temos fortes movimentos que ameaçam a
democracia... Neste contexto, qual deve ser o comportamento de um cristão?
Papa
Francisco:
“Sim... Para mim, a palavra populismo é equivocada, porque na América Latina
tem um outro significado. Fiquei confuso, porque não entendia bem. Mas pense o
senhor que no ano 1933, após a queda da República de Weimar: a Alemanha estava
desesperada, a crise econômica de 30 era... e um jovem disse “eu posso, eu
posso, eu posso!”, mas... e se chamava Adolf, e isto acabou assim, não?
Conseguiu convencer o povo de que ele podia. Por trás dos populismos sempre
existe um messianismo, sempre. É também uma justificativa: preservamos a
identidade do povo”.
Die
Zeit: Um messianismo na falta de outro verdadeiro testemunho...
Papa Francisco: “...de um verdadeiro
testemunho. Talvez, não?”.
Die Zeit: Por que faltam os grandes
modelos políticos?
Papa Francisco: “Quando os grandes do
pós-guerra imaginaram a unidade europeia – pense em Schuman, Adenauer –
imaginaram uma coisa não populista: imaginaram uma fraternidade de toda a
Europa, do Atlântico aos Urais. E estes são os grandes líderes – os grandes líderes
– que são capazes de levar em frente o bem do país em estarem eles no centro.
Sem serem messias. O populismo é ruim, e no final acaba mal, como nos mostra o
século passado”.
Die Zeit: O senhor vê a situação de hoje
semelhante aos anos 30, do século passado? Pois o senhor usa até mesmo a
palavra da terceira guerra mundial que estamos vivendo...
Papa
Francisco:
“Sim, sim. Isto é óbvio. Porque realmente está assim”.
Die
Zeit:
Em que sentido?
Papa
Francisco:
“Mas...todo o mundo está em guerra, mas, pense na África”.
Die
Zeit: Mas são conflitos menores...
Papa
Francisco: “Por isto digo: a terceira
guerra mundial em pedaços. Pense na Ucrânia, que está na Europa; pense na Ásia,
pense no drama de Sindshar no Iraque, na pobre gente que foi expulsa... Mas por
que falo em guerra? Isto se faz com as armas modernas e existe toda uma
estrutura de fabricantes de armas que ajuda isto. É uma guerra. Mas – isto o
sublinho – não quero dizer que esta situação seja a mesma de 33, não! Este é um
exemplo que dei para explicar o populismo”.
Die
Zeit:
Mas o senhor está preocupado, neste momento, com a onda de populismo em todo o
mundo?
Papa Francisco: “Ao menos na Europa sim. Um
pouco. E o que penso sobre a Europa é isto que não quero dizer a mais e nem a
menos do que eu disse nos três discursos (sobre) a Europa: os dois discursos em
Estrasburgo e o terceiro quando recebi o Karlspreis, em Aachen, sim, que o
recebi aqui, e havia tantos Chefes de governo, alguns de Estado, que vieram.
Não gosto de receber honorificências: esta é a única que recebi porque
insistiram. Disseram: “A Europa tem necessidade que o senhor nos diga alguma
coisa”, e eu aceitei; mas os três antes de mim - Juncker, Martin Schutz e
também o Prefeito de Aachen - disseram coisas mais duras do que eu, mais fortes,
mas enérgicas”.
Die Zeit: O então Presidente do
Parlamento Europeu, Martin Schulz, falava da crise dos migrantes e refugiados,
chamando-a de “desafio epocal”. Os valores da Europa sendo questionados, é
urgente lutar pela Europa...
Papa Francisco: “Sim, foram também corajosos,
hein!”
Die Zeit: O senhor não se sente
pressionado pelas expectativas que as pessoas de hoje tem por “homens-exemplo”,
como é o seu caso?
Papa Francisco: “Mas, eu não me sinto
um homem excepcional. Eu sinto que exageram com as expectativas, não
fazendo justiça. Eu não digo que sou um pobre, não; mas sou um homem
comum que faz aquilo que pode, mas comum. Assim me sinto. E quando alguém diz:
“Não, o senhor, o senhor é...”, isto não me faz bem”.
Die Zeit: O senhor diz isto, mesmo com
o risco de desiludir muitos na Cúria que têm necessidade de um pai impecável?
Papa
Francisco: “Não existe um pai, existe somente um... Todos os pais são
pecadores – graças a Deus – porque isto também nos encoraja a ir em frente e
dar a vida, nesta época de orfandade, onde existe necessidade de paternidade. E
eu sou um pecador, sou limitado. Mas não se esqueça que a idealização de uma
pessoa é uma forma sutil de agressão, é um caminho para agredir sutilmente uma
pessoa. E quando me idealizam, me sinto agredido”.
(...)
Die
Zeit:
Os ataque contra o senhor que provêm do Vaticano, lhe fazem mal pessoalmente?
Papa Francisco: “Não. Sobre isto eu farei uma
confissão sincera. Desde o momento que fui eleito Papa não perdi a paz. Entendo
que meu modo de agir não agrada a alguns, também justifico isto: existem tantos
modos de pensar; é também lícito, é também humano e também uma riqueza”.
Die Zeit: É uma riqueza os cartazes que
apareceram em Roma, acusando o senhor de não ser misericordioso? O
L’Osservatore Romano falso onde o senhor responde “sim e não”, é uma riqueza,
na sua opinião?
Papa Francisco: “O L’Osservatore Romano falso,
não; mas o ‘romanaccio’ que havia naqueles cartazes, era belíssimo! Era um
‘romanaccio’, culto. Aquilo não foi escrito por alguém da rua!”.
Die Zeit: Mas foi escrito por alguém
daqui?
Papa Francisco: “Não: alguém culto (risos).
Mas aquele ‘romanaccio’ era belíssimo!”.
Die
Zeit: É interessante que o senhor consiga rir a respeito disto...
Papa Francisco: “Mas sim! Eu, uma das coisas
que rezo todos os dias com a oração de São Thomas Morus (Tomás More): peço o
senso de humor. E o Senhor não me tirou a paz e me dá muito senso de humor. Não
cheguei ainda a rir como o maravilhoso Padre Peter Hans Kolvenbach, por 25 anos
Geral dos Jesuítas. Ele tinha um senso de humor, mas sempre construtivo e
positivo, não?!”.
(...)
Die
Zeit:
Existe uma história muito complicada, mas que poderia ser reduzida. Na Ordem de
Malta existe um Grão Chanceler, Albrecht von Boeselager. Foi acusado de não ter
impedido a distribuição de preservativos em um projeto de ajuda em Myanmar.
Acabou sendo demitido por um amigo do Cardeal Burke. O senhor rescindiu esta
demissão.
Papa
Francisco:
“Não, com a Ordem de Malta havia problemas, que ele talvez não tenha conseguido
administrar, pois ele não era o único protagonista ali; e eu não tirei dele o
título de Patrono da Ordem de malta: ele continua a ser Patrono de Malta. Mas
ali havia necessidade de organizar a Ordem e por isto nomeei um delegado capaz
de organizar, com um carisma que não tem o Cardeal Burle”.
Die Zeit: O senhor foi convidado pela
Igreja Católica alemã, pela Igreja Protestante alemã, pelo Presidente da
República alemã, para ir à Alemanha no Ano de Lutero, possivelmente este ano. O
senhor irá?
Papa
Francisco:
“Também a Chanceler convidou-me. Este ano será difícil, porque existem tantas
viagens. Estudando, sim; mas com os luteranos quis antecipar esta questão e ir
a Lund, na Suécia, no ano passado, para comemorar o início da comemoração dos
500 anos, e depois os 50 anos da fundação união católico-protestante, luterana.
Existe uma agenda muito difícil este ano, para mim”.
Die
Zeit:
Quem sabe existam países mais importantes, neste momento, como a Rússia a
China...
Papa
Francisco:
“Na Rússia não posso ir porque deveria ir também à Ucrânia. O importante seria
ir no Sudão do Sul – coisa que não acredito possa fazer – estava em programa ir
nos dois Congos: com Kabila as coisas não estão bem, acredito que não possa ir:
mas irei sim, à Índia, Bangladesh, seguramente, Colômbia, depois um dia em
Portugal, em Fátima, e depois acredito que há uma outra viagem em estudo, ao
Egito. Parece que o calendário está cheio, não?”.
Die
Zeit: Já que para a Alemanha não este ano. Em 2018, quem sabe?
Papa
Francisco: “Não sei; não pensei ainda. Não
foi programado”.
(...)
Die Zeit: Mas o senhor entende bem ao
alemão, não?
Papa Francisco: “Se falado lentamente,
consigo, porque “ohne Übung habe ich es verlernt” (sem exercício, perdi um
pouco). Desculpe-me se não correspondi às suas expectativas”.
Die Zeit: Estão mais do que superadas
as expectativas.
Papa Francisco: “Reze por mim”.
(MJ/JE)
radiovaticana
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