"Beber da própria sede"
"O grande obstáculo para a vida de
Deus dentro de nós não é a fragilidade ou a fraqueza, mas a dureza e a rigidez.
Não é a vulnerabilidade e a humilhação, mas seu contrário: o orgulho, a
autossuficiência, a autojustificação, o isolamento, a violência, o delírio de
poder", afirma o sacerdote português.
Cidade
do Vaticano
“Jamais
é positivo que a Igreja fique falando sozinha, ou que se isole numa torre de
marfim. Ela é mestra, mas é também discípula, também aprendiz e em busca da
verdade.” É uma das afirmações do pregador dos Exercícios Espirituais propostos
ao Papa e à Cúria Romana, Pe. José Tolentino Mendonça, na sétima meditação, na
tarde desta quarta-feira (21/02), intitulada “Beber da própria sede”. Iniciado
no domingo, o Retiro Espiritual de Quaresma, em andamento na Casa Divino Mestre
de Ariccia, nas proximidades de Roma, prosseguirá até a próxima sexta-feira.
Desenvolvida
em sete pontos, na introdução à meditação vespertina o sacerdote português
advertiu que com grande facilidade nos tornamos custódios do sagrado, ao invés
de pessoas em busca do sagrado. Agimos como administradores, ao invés de
considerar-nos exploradores, interrogantes e apaixonados.
Fé
cristã, experiência de nomadismo
Feita
tal consideração, lembrou que a fé bíblica, a nossa fé cristã, é uma
experiência de nomadismo. Alguns cientistas estão lançando o alarme: a doença
do Séc. XXI será o sedentarismo, afirmou, questionando se não devemos nos
perguntar se o sedentarismo não é também espiritual. Quase sem dar-nos conta,
tornamo-nos guias de peregrinos, mas não mais peregrinamos.
“ Temos sempre a caridade na boca, mas de
há muito perdemos o sentido da gratuidade e da oblação.”
Aquela
palavra inicial que Deus diz a Abraão – “Deixa a tua terra, a tua parentela e a
casa de teu pai rumo à terra que te indicarei” – é a mesma que Ele diz à Igreja
do nosso tempo e a cada um de nós. “O lugar preferencial em que a fé se
inscreve é existir-em-construção”, disse o pregador dos Exercícios.
Segundo
Pe. José Tolentino, para que isso seja possível devemos aprender a beber da
nossa sede. Isto é, “devemos ousar valorizá-la mais espiritualmente”.
Acolher
no vazio a voz de Deus
Uma
das ameaças que mais desafiou o Povo de Deus em sua caminhada rumo à Terra
Prometida foi precisamente a sede, lembrou ele. Mesmo quando experimentamos a
vida como um vazio, acrescentou, o grande desafio é acolher nele a voz de Deus.
Como
ensina o Mestre Eckhart, Deus fala na posse e na privação. Aliás, na privação
muitas vezes se entende melhor a sua voz. Se a sede nos perturba ou nos devora,
façamos um caminho.
A fé
não resolve a sede, advertiu. Muitas vezes a intensifica, a leva ao descoberto
e, em algumas circunstâncias, a torna ainda mais dramática.
“ A fé nos ajuda a ver na sede uma forma de
caminho e de oração.”
Em
nenhuma etapa o caminho espiritual nos impermeabiliza da vulnerabilidade, da
qual devemos ter consciência. Carregamos nosso tesouro em vasos de argila – nos
recorda São Paulo, frisou Pe. José Tolentino. Somos por isso chamados a viver o
dom de Deus até o fim, na fragilidade, da fraqueza, na tentação e na sede,
afirmou.
Os
problemas que vivemos podem variar de gênero, podem mudar de frequência, mas
nos acompanharão sempre. As tentações existirão sempre. O que muda, num
processo de maturação humana e espiritual, é o nosso modo de acolhê-las, a
sabedoria ao interpretá-las, a liberdade interior que desfaz os determinismos.
É como se a sede nos humanizasse e constituísse um caminho de amadurecimento
espiritual, disse ainda.
Na
sede, a verdadeira experiência espiritual
O
pregador dos Exercícios Espirituais lembrou ainda que o Apóstolo Paulo
testemunha a fé como uma hipótese: quando sou fraco, então é que sou forte. A
fé resiste e se aprofunda nas necessidades, nas angústias, nas afrontas, nos
sofrimentos, ou seja, dentro de uma existência atacada pela sede. Naturalmente,
é um paradoxo, afirmou, “mas é aí que se realiza a verdadeira experiência espiritual.
O
grande obstáculo para a vida de Deus dentro de nós não é a fragilidade ou a
fraqueza, mas a dureza e a rigidez. Não é a vulnerabilidade e a humilhação, mas
seu contrário: o orgulho, a autossuficiência, a autojustificação, o isolamento,
a violência, o delírio de poder. A força da qual realmente precisamos, a graça
de que necessitamos, não é nossa, mas de Cristo, afirmou Pe. José Tolentino
acrescentando que se nos dispormos à escuta, “a sede pode ser um mestre
precioso da vida interior.”
(vaticannews)
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