Comentário ao Evangelho do dia
feito por : Guilherme de Saint-Thierry (c. 1085-1148),
monge beneditino, depois cisterciense - Orações de meditação, nº 2.
«Filho de David, tem piedade de mim»
Por vezes, Senhor, sinto-Te passar; Tu não Te deténs junto de mim, passas adiante, mas eu grito-Te como a cananeia. Ousarei aproximar-me de Ti? Certamente, porque os cãezinhos expulsos da casa do dono não deixam de voltar e, mantendo guarda à casa, recebem todos os dias o seu pedaço de pão. Expulso, eis-me aqui novamente; mandado embora, clamo; escorraçado, suplico. Assim como os cãezinhos não podem viver longe dos homens, assim também a minha alma não consegue viver longe do meu Deus!
Abre-me, Senhor! Que eu chegue junto de Ti, para ser inundado com a Tua luz. Tu habitas nos céus, Tu escondeste-Te nas trevas, na nuvem escura. Como diz o profeta: «Envolvestes-vos numa nuvem, para impedir que a prece a atravessasse» (Lam 3, 44). Apodreço aqui na terra, o meu coração como que num lodaçal. [...] As Tuas estrelas deixaram de brilhar para mim, o sol escureceu, a lua já não ilumina. Oiço cantar os Teus altos feitos nos salmos, nos hinos e nos cantos espirituais; no Evangelho, os Teus gestos e as Tuas palavras resplandecem de luz; os exemplos dos Teus servos [...], as ameaças e as promessas das Tuas Escrituras de verdade, impõem-se a meus olhos e vêm bater à surdez dos meus ouvidos.
O meu espírito, porém, endureceu; aprendi a dormir diante do esplendor do sol; habituei-me a deixar de ver aquilo que se me oferece desta maneira. [...]
Até quando, Senhor, até quando tardarás a rasgar os céus, a vir socorrer o meu torpor? (Sl 12, 1; Is 64, 1). Que eu deixe de ser o que sou [...], que me converta e que regresse ao chegar a noite, como um cãozito faminto. Percorro a Tua cidade, peregrina ainda em parte neste mundo, embora a maioria dos seus habitantes já tenha encontrado a sua alegria nos céus. Talvez também eu encontre aí a minha habitação.
(In: Evangelho Quotidiano)
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