segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL DA MINHA INFÂNCIA

Dizem que o Carnaval é a época mais festivaleira do ano.

Desde que a Igreja Católica, no século XI, instituiu a Semana Santa, com toda a corte de sacrifícios e de jejuns, os cristãos da Europa sentiram necessidade de, nos três dias gordos, antes da quarta-feira de cinzas, folgarem o mais que pudessem, para enfrentar os quarenta dias de penitência até à Páscoa.

Assim nasceram na Idade Média várias manifestações de folia para celebrar o Carnaval.

A Ilha Terceira é o expoente máximo de uma tradição cultural muito enraizada na alma do povo.

Em todas as ilhas as danças de cadarsos e de espadas, os bandos, os testamentos do burro e os mascarados são manifestações ancestrais, oriundas do teatro vicentino em que a música aliada à crítica social e às narrativas históricas produzem espectáculos de elevada participação popular.

No Domingo gordo, as danças de espadas e de cadarsos, formadas no Norte da Ilha do Pico, iam de terra em terra, tocando, cantando e contando estórias versejadas muito aplaudidas por homens e, ao longe, por mulheres de cabeça coberta por xailes ou lenços quando voltavam da missa do dia.

Sou do tempo em que as danças de rua conviviam com os assaltos em casas particulares e os bailes de salão em sociedades recreativas que se engalanavam para receber sócios e forasteiros idos da Madalena, do Cais do Pico e até da Horta, numa folia sem sossego até ao romper do dia.

Para os pequenino, promovia-se matinés. As crianças fantasiadas por costureiras e modistas, com tecidos de roupas usadas vindas da América e deliravam em mostrar os seus trajes quer nos convívios, quer, de casa em casa, nas visitas aos familiares e amigos.

E os mascarados? Esses monstros medonhos que me faziam tremer quando vagueavam silenciosos na escuridão das ruas da vila? Recordo-me de num dos assaltos em casa das Castros me ter escondido, carregado de medo, debaixo de uma mesa, por entre as saias compridas da bondosa D. Adelaide, até que um desses grupos, abandonou a saleta, escadas abaixo e se sumiu na noite escura...

Já então, os bailes de Carnaval reuniam a classe social mais abastada, num rodopio constante entre a Filarmónica e o Grémio. Num lado e no outro, os passos de dança faziam-se entre voltas e rodas, ao ritmo do tango, do chá-chá-chá, do bolero, do slow, da valsa, da marcha ou do samba. Quem procurava namoro, fixava-se na menina do seu encanto para a noite inteira, e o corropio só abrandava durante as idas ao bufete para oferecer o chocolate à dama ou matar a sede com um refresco de cup.

Os bailes da minha infância, descendentes como os demais dos bailes das cortes régias e imperiais, marcaram a história de muita gente. Algumas sociedades já se extinguiram, mas continuam vivos na minha memória os tocadores dos instrumentos dos conjuntos formados “ad hoc” que, horas a fio, animavam tanta gente festivaleira, sempre ansiosa por mais e mais, até ao romper da aurora.

Passadas algumas décadas, interrogo-me se o Carnaval morreu ou se foi a vida que mudou. Creio que aconteceram as duas situações.

Como o homem é fruto das suas circunstâncias, não é difícil reconstituir o ambiente de carnaval dos anos 50, onde me criei e cresci.

Talvez por isso, quem está fora da terra, sofre de um grande saudosismo nas quadras mais marcantes do ano.

As máscaras marcaram muito os meus medos. Odeio-as, embora reconheça que todos nos mascaramos para encobrir mazelas que só nós conhecemos.

Se elas se manifestam pelo Carnaval, ninguém levará a mal!...


José Gabriel Ávila

jornalista C.P. 536


sábado, 13 de Fevereiro de 2010


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