sábado, 28 de maio de 2011

Bispo dos Açores: "Mensagem ao Povo de Deus"


Após o Conselho Presbiteral, D. António Sousa Braga dirigiu uma Mensagem ao Povo de Deus aqui publicada integralmente


MENSAGEM AO POVO DE DEUS

O Conselho Presbiteral da Diocese esteve reunido de 17 a 19 de Maio p.p. O tema do encontro foi a “Pastoral Social Hoje”. Desejo partilhar convosco a reflexão feita sobre a actual situação de crise, à luz da Doutrina Social da Igreja, que nos interpela no sentido de fortalecermos a acção sócio-caritativa da Igreja.

A «Civilização do Amor»

O Serviço da Caridade faz parte essencial da missão evangelizadora da Igreja. Sempre a Igreja, desde os primórdios, se empenhou na acção sócio-caritativa. É significativo que, ao lado do Colégio Apostólico, o primeiro organismo criado pela Igreja nascente tenha sido o Diaconado, que assumiu precisamente o Serviço das Mesas.

Na acção pastoral da Igreja, o Serviço da Caridade é tão importante como a Catequese e a Liturgia. «A Igreja não pode descurar o Serviço da Caridade, tal como não pode negligenciar os Sacramentos, nem a Palavra» (Bento XVI, Deus Caritas Est=DCE 22).

E o Santo Padre explicita, afirmando que a acção sócio- caritativa da Igreja é opus proprium: «um dever que lhe é congénito, no qual ela não se limita a colaborar colateralmente, mas actua como sujeito directamente responsável, realizando o que corresponde à sua natureza. A Igreja não poderá ser dispensada da prática da caridade, enquanto actividade organizada dos fiéis» (DCE 29).

A Igreja deve ser sinal e instrumento do Reino de Deus: Reino de Justiça, de Amor e de Paz. Aquela «Civilização do Amor», em que deve haver lugar para todos no banquete da vida. «A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos» - adverte o Papa (Bento XVI, Caritas in Veritate=CV , 2009, 19). O Espírito Santo – o Amor em Pessoa – é que torna possível a fraternidade universal. Sem o que não é possível o desenvolvimento de «todos os homens e do homem todo».

«Um coração que vê»

O momento actual de crise mostra, ainda com maior acuidade, a necessidade de reforçar e organizar o Serviço da Caridade, a todos os níveis. Para dar, antes de mais, uma resposta imediata e adequada às situações de emergência social. Como explica o Papa Bento XVI, «segundo o modelo oferecido pelo Bom Samaritano, a caridade cristã é simplesmente, em primeiro lugar, a resposta àquilo que, numa determinada situação, constitui a necessidade imediata» (DCE 31).

Temos de ser como o Bom Samaritano: “um coração que vê”, capaz de “compaixão”, envolvendo-se na situação, para a solução dos problemas. Assim, cada comunidade deve procurar cuidar dos seus pobres. Em cada Paróquia - ou então a nível inter-paroquial (Zona/Ouvidoria) - tem de haver um grupo minimamente organizado para o Serviço da Caridade. Valorizando a vizinhança e a proximidade. Abrindo-se a “parcerias” e a um trabalho em “rede”.

Evidentemente, não podemos ficar na simples assistência. Esta deve ser integrada pela promoção da pessoa humana e do desenvolvimento local. Intervindo na sociedade, qual fermento que leveda a massa, segundo os princípios e os valores da Doutrina Social da Igreja, que preconizam um novo modelo de desenvolvimento. E, portanto, uma mudança de atitudes e de comportamentos, a nível da vida pessoal, familiar e comunitária.

Sobriedade

Entre outras sugestões, o Conselho Presbiteral aponta a necessidade imperiosa de se promover um estilo de vida mais sóbrio. Não se pode viver acima das nossas possibilidades. É preciso poupar… E voltar à terra…

Urge a revisão de gastos, na administração e nas festas religiosas. Os “Impérios do Espírito Santo” podem ajudar a reavivar o espírito e a prática da partilha.

Partilha

A partilha efectiva de bens é a prova definitiva da autenticidade da caridade. Mas não podemos pedir partilha, no seio da sociedade, se na comunidade eclesial não há sinais concretos de entreajuda. Por exemplo, não podemos esquecer que há várias paróquias no Pico e no Faial, que ainda estão empenhadas no restauro das suas igrejas, danificadas pelo sismo de 1998. Aquelas que já realizaram as obras de reabilitação dos imóveis encontram grandes dificuldades em honrar o compromisso do pagamento da prestação trimestral do empréstimo bancário.

Por isso, peço que o ofertório das Missas do fim-de-semana de 9-10 de Julho p.f., aniversário do sismo de 1998, seja destinado, desta vez, à Ouvidoria da Horta para ajudar a Paróquia da Feteira.

Justiça

Há quem critique a Igreja, no sentido de promover obras de caridade, em vez de lutar pela justiça. O certo é que para a Igreja a verdadeira caridade implica sempre a justiça. Como também é verdade que sem caridade não pode haver justiça autêntica.

Como explica o Santo Padre, «a caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é “meu”; mas nunca existe sem a justiça… Não posso dar ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça» (CV 6).

Gratuidade

Facilmente separamos a gratuidade da actividade económica. «Se no passado, era possível pensar que havia necessidade primeiro de procurar a justiça e que a gratuidade intervinha depois como complemento, hoje é preciso afirmar que, sem gratuidade não se consegue sequer realizar a justiça… Na época da globalização, a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que difunde e alimenta a solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum…» (CV 38).

«O grande desafio que temos diante de nós… é mostrar, a nível de pensamento, como de comportamentos, que não podem ser transcurados ou atenuados os princípios tradicionais da ética social (…), mas também que, nas relações comerciais, o princípio da gratuidade e a lógica do dom – como expressão de fraternidade – podem e devem encontrar lugar dentro da actividade económica normal. Isto é uma exigência do ser humano, no tempo actual, como também da própria razão económica» (CV 36).

Opção preferencial pelos pobres

«A Igreja está consciente, hoje mais do que nunca, de que a sua mensagem social encontrará credibilidade primeiro no testemunho das obras… Desta convicção provém também a sua opção preferencial pelos pobres, que nunca será exclusiva, nem discriminatória, relativamente aos outros grupos… O amor da Igreja pelos pobres, que é decisivo e pertence à sua constante tradição, impele-a a dirigir-se ao mundo no qual, apesar do progresso técnico-económico, a pobreza ameaça assumir formas gigantescas» (João Paulo II, Centesimus Annus, 1991, 57).

É clara e corajosa a opção da Igreja em Portugal, quando os nossos Bispos afirmam: «Não pode a Igreja pretender agir de outra forma, pensar de outra maneira: como Cristo será uma Igreja pobre – “despojada” – mais segura da presença operativa do Espírito do que dos bens materiais; e, como o Espírito actuante em Jesus será uma Igreja com os pobres» (CEP, A Acção Social da Igreja, 1997, 9).

Cidadania activa

Porque acreditamos que Jesus veio regenerar o ser humano e reunir numa só família os povos dispersos, olhamos o futuro com esperança, que nos empenha no presente, como cidadãos esclarecidos e comprometidos. Isso deve-se ver, no próximo acto eleitoral. Sem esgotar a possível intervenção cívica, é um momento importante, até mesmo pela situação de crise, em que nos encontramos.

Os Bispos portugueses «exortam os eleitores a que não se abstenham, mas participem, responsável e livremente». Trata-se de escolher aqueles, que irão conduzir os destinos do País, neste momento de dificuldade. «Importa conhecer os seus programas e verificar a atenção que prestam aos mais carenciados económica e socialmente. As opções éticas daqueles que pedem o nosso voto devem contar na hora da votação» (CEP, Comunicado Final, 2011, 4).

O “Império do Espírito Santo»

A Igreja, como sabemos, não nos fornece soluções técnicas para a crise. Na sua doutrina social, proporciona-nos princípios, critérios e directrizes para a acção. Mais: pela sua mediação sacramental, mediadora da graça, pelo poder do Espírito Santo, abre-nos o caminho da libertação humana e da conversão evangélica, que tornam possível o amor solidário e gratuito, que tem a sua fonte em Deus.

«Deus Caritas Est: Deus é Amor» – diz-nos S. João. E o amor em Deus Trino é o Espírito Santo. Só podemos amar de verdade, com o mesmo amor de Deus, derramado nos nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi dado (cf. Rm 5, 5); quer dizer, na medida em que vivermos sob o “Império do Espírito Santo”.

Realiza-se hoje, em Lisboa, a cerimónia da beatificação da Ir. Maria Clara do Menino Jesus, Fundadora das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Em ambiente deprimido socialmente e adverso à religião, a Ir. Maria Clara foi, de algum modo, pioneira da acção sócio-caritativa da Igreja no século XIX. Enriqueceu a Igreja com o carisma da hospitalidade samaritana, de que os Açores também beneficiam, desde longa data.

«Onde houver o bem a fazer que se faça»! Foi o seu lema, bem actual hoje. Neste mundo conturbado e, por vezes indiferente e sem rumo, a “Mãe Clara” é modelo do cristão empenhado no social: “lucerna ardente”, que “ilumina e aquece”. Pelo fogo do Espírito Santo.

+ António, Bispo de Angra

Lisboa, 21 de Maio de 2011.


D. António Sousa Braga

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