MEDITAÇÃO - MAIO
Ocorre neste mês o aniversário da histórica visita Pastoral de Bento XVI a Portugal. Foi um momento de graça para a Igreja e mesmo para a nação portuguesa que assistiu, através dos seus mais altos representantes – o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro e o Governo, e outras instituições representativas do Estado e da Sociedade Portuguesa – a este momento de enorme transcendência espiritual e escutou as Palavras do Pastor Universal, palavras cheias de sabedoria, que nessa altura tocaram o coração dos católicos em Portugal, porque foram especialmente providenciais para aquele momento da nossa história colectiva. Nessa altura, vivíamos em plena crise mundial dos mercados, que afectava particularmente os portugueses e especialmente os mais carenciados, que são sempre os que mais sofrem com as crises por que passam os Estados e as sociedades. Foram palavras cheias de esperança, a recordar, não só os momentos mais marcantes da nossa história, de um povo que ofereceu novos mundos ao mundo, mas também, e a partir dessa memória, a projectar a nação portuguesa para o futuro, com uma enorme missão ainda por cumprir, a de oferecer, a partir do fundo humanista e cristão da sua história, uma nova alma ao mundo.
Passou-se um ano: a crise financeira global do mundo não só não foi superada como se agravou e, no caso da nação portuguesa, se adensou com a crise política que conduziu à demissão do Primeiro-ministro e por conseguinte do governo de Portugal. Os cristãos e muito concretamente os católicos conscientes e empenhados não podem demitir-se dos seus deveres e das suas obrigações para com a sociedade. Se não se empenharem activamente, no campo da política, da economia e da ética, - os núcleos essenciais em torno dos quais gravitam e se estruturam os grandes valores de uma sociedade -, ninguém o fará por eles. Se hoje se fala da crise de valores e de ideais na nossa sociedade, isso não se deve apenas a razões estruturais ou de conjuntura da evolução das sociedades modernas, mas também à omissão dos católicos e dos homens bons. Ser católico não pode de modo nenhum reduzir-se a uma fé ou a uma religião sem incidência na coisa pública que a todos deve dizer respeito. Interessar-se pela coisa pública é um dever que decorre do mandamento da lei de Deus a respeito do amor do próximo. Dizer que a Igreja não se deve meter na política só tem sentido na acepção da luta partidária ou do sistema representativo das democracias modernas. A Igreja, ou seja, neste caso, os seus representantes mais autorizados – bispos e sacerdotes – não devem tomar partido, isso é evidente; mas a sociedade não se reduz aos partidos. E neste sentido o interesse pela coisa pública está inscrito nas preocupações da Igreja, como a riquíssima tradição do empenhamento social o documenta e, do ponto de vista teórico e sistemático, a doutrina social da Igreja, desde Leão XIII até Bento XVI. Infelizmente a doutrina social da Igreja está hoje tão esquecida. Mas se a hierarquia não se deve misturar na luta política, o mesmo não se diz dos leigos, cuja vocação e missão secular passa por aqui. E aqui o pecado da omissão e da demissão é seguramente dos mais graves, mesmo mortal.
Não podemos deixar apenas aos partidos e às organizações sindicais e outras a responsabilidade pela solução das questões que dizem respeito à coisa pública e à sociedade. Tudo o que é verdadeiramente humano interessa à Igreja e aos católicos, pois em última instância para a Igreja e para os católicos em particular, seja qual for a sua condição ou o seu lugar e o seu grau de responsabilidade na Igreja, não há em rigor questões religiosas, mas apenas e tão só questões humanas.
Mas é evidente que a Igreja e o catolicismo não se reduzem a um simples humanismo. A sua inspiração é colhida no mistério da Incarnação, no mistério de Cristo, o qual é a cabeça da Igreja, o esposo, do qual a Igreja é corpo e esposa. Somos todos membros do corpo místico de Cristo, verdade ensinada por S. Paulo, e que hoje parece estar um pouco esquecida. E grande mistério é este, que a oração e os sacrifícios de uns podem contribuir para a salvação dos outros; como o pecado e as omissões de uns, podem prejudicar e fazer mal aos outros.
Na homilia que Bento XVI fez na celebração eucarística em Fátima, no dia 13 de Maio, recordou o essencial da mensagem de Fátima, no que diz respeito à experiência mística dos pastorinhos: o sentido da Igreja corpo místico de Cristo, em todos, mas especialmente na Jacinta; o sentido da presença do mistério de Deus, em todos, mas especialmente no Francisco. E o que aconteceu nos Pastorinhos é um sinal e exemplo e testemunho do que pode e deve acontecer em todos os Peregrinos. E concluía dizendo que se enganam aqueles que pensam que o segredo de Fátima – precisamente nesta sua dimensão mística de vivência do mistério da Santíssima Trindade – pertence ao passado ou é algo que se esgotou; pelo contrário, o segredo de Fátima continua, como desafio e como missão, a cumprir-se em Portugal e a irradiar para o mundo. Num certo sentido, pode dizer-se que o segredo de Fátima contém em si a missão do catolicismo português para o mundo, no sentido mesmo de dar ao mundo uma alma nova.
Nessa altura, como hoje, no meio da crise, - que é mais do que política ou financeira, mesmo se esta é grave, pois é uma crise de sentido e de vazio que estamos a viver -, o Papa recordava que é preciso olhar para o alto, para o Senhor do qual nos pode vir ao auxílio (cf. Sl 121), e que, no meio da crise ou pela crise podemos aprender que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
P. José Jacinto de Farias, scj
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