O Espírito Santo que
– vimos nas meditações anteriores – nos insere na plena verdade da pessoa de
Cristo e no seu mistério pascal, nos ilumina também sobre um aspecto crucial da
nossa fé em Cristo, ou seja, sobre a maneira pela qual a salvação alcançada por
ele chega a nós hoje na Igreja. Em outras palavras, sobre o grande problema da
justificação do homem pecador por meio da fé. Acredito – disse o pregador - que
tentar lançar luz sobre a história e sobre o estado atual deste debate seja a
melhor forma para fazer do acontecimento do V centenário da Reforma protestante
uma ocasião de graça e de reconciliação para toda a Igreja.
Ainda hoje, na
pessoa religiosa mediana, em certos países do Norte da Europa, tal doutrina é o
divisor de águas entre catolicismo e protestantismo. Eu mesmo ouvi de vários
fieis leigos luteranos a pergunta: "Você crê na justificação pela
fé?", como a condição para poder ouvir aquilo que eu dizia. Esta doutrina
é definida pelos próprios iniciadores da Reforma “o artigo com o qual a Igreja
está em pé ou cai".
É importante
recordar que a tese da justificação pela fé e não pelas obras, não foi o resultado
da polêmica com a Igreja da época, mas a sua causa. Foi uma verdadeira
iluminação do alto, uma “experiência Erlebnis, tal como foi definida por ele
próprio.
Então, a Reforma
Protestante foi um caso de "muito barulho por nada"? Fruto de um
equívoco? Devemos responder com firmeza: não! As revoluções, no entanto, não
surgem pelas ideias ou pelas teorias abstratas, mas por situações históricas
concretas, e a situação da Igreja, há tempo, não refletia realmente aquelas
convicções. A vida, a catequese, a piedade cristã, a direção espiritual, por
não falar depois da pregação popular: tudo parecia afirmar o contrário, ou
seja, que o que conta são as obras, o esforço humano.
Depois que o
cristianismo se tornou religião do Estado, a fé era absorvida naturalmente
através da família, da escola, da sociedade. Não era tão importante insistir no
momento em que se chega à fé e na decisão pessoal com a qual se torna crentes,
mas insistir nas exigências práticas da fé, em outras palavras, na moral, nos
costumes.
A doutrina da
justificação gratuita pela fé - disse Frei Cantalamessa - não é uma
invenção do Apóstolo Paulo, mas a mensagem central do Evangelho de Cristo,
independente da forma que tenha sido conhecida pelo Apóstolo: se por revelação
direta do ressuscitado, ou pela "tradição", que ele diz ter recebido
e que não era certamente limitada às poucas palavras do kerygma. Se não fosse
assim, teriam razão aqueles que dizem que Paulo, não Jesus, é o verdadeiro
fundador do cristianismo.
O núcleo da doutrina
está contido já na palavra “Evangelho”, boa notícia, que Paulo com certeza não
inventou do nada.
Falando ainda
Reforma, o pregador disse que é vital que o centenário da Reforma não seja
desperdiçado permanecendo prisioneiros do passado, procurando ver quem errou ou
quem tem razão, talvez em um tom mais conciliador do que no passado. Devemos,
pelo contrário, dar um passo à frente, como quando um rio chega a um
estreitamente de leito e retoma o seu curso em um nível mais alto.
A situação mudou
desde então. Os problemas que causaram a separação entre a Igreja de Roma e a
Reforma foram particularmente as indulgências e o modo como ocorre a
justificação do ímpio. Mas podemos dizer que estes são os problemas que
levantam ou derrubam a fé do homem de hoje? Em uma ocasião recordo que o
cardeal Kasper fez esta observação: para Lutero o problema existencial número
um era como superar o sentido de culpa e obter um Deus benevolente; hoje o
problema é exatamente o oposto: como dar novamente ao homem o sentido do pecado
que desapareceu totalmente.
A justificação
gratuita por meio da fé em Cristo deveria ser pregada hoje por toda a Igreja e
com mais vigor do que nunca. Não, no entanto, em oposição às “obras”
mencionadas no Novo Testamento, mas em contraste com a pretensão do homem
pós-moderno de salvar-se sozinho com a sua ciência e tecnologia ou com
espiritualidades improvisadas e tranquilizantes. Estas são as "obras"
em que o homem moderno confia. Estou convencido de que, se Lutero voltasse à
vida, esta seria a maneira pela qual ele também pregaria hoje a justificação
pela fé.
Outra coisa
importante devemos aprender todos, luteranos e católicos, do iniciador da
Reforma. Para ele a justificação gratuita pela fé era acima de tudo uma
experiência vivida e só mais tarde teorizada.
Nunca devemos perder
de vista o ponto principal da mensagem paulina. Aquilo que o Apóstolo quer por
acima de tudo afirmar em Romanos 3 não é que somos justificados pela fé , mas
que somos justificados pela fé em Cristo; não é tanto que somos justificados pela
graça, mas que somos justificados pela graça de Cristo. É Cristo o coração da
mensagem, antes mesmo que a graça e a fé. É ele, hoje, o artigo com o qual a
Igreja está em pé ou cai: uma pessoa, não uma doutrina. (SP)
radiovaticana
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